sem fronteira

só parte#

Muitos falam em coragem, desprendimento e desapego. Penso em quanto sou corajoso e o quanto tenho medo de não fazer o que quero fazer. O ponto é que tenho mais medo de não ser quem eu sou na vida do que enfrentar perigos possíveis. Não tenho mais medo de dormir no meio do nada, seja na frente do mar ou embaixo do céu estrelado. Sozinho comigo mesmo. Quero nunca perder este privilégio. Também penso na necessidade - monástica, medieval, atávica - de aproximar o que penso do que falo e do que faço. E ainda há histórias que teimo em contar. Como narrar se não se vive? Viver é arriscado. Qual o maior desapego? Certamente, nada material. Nada vale vida livre, vida plena se vivo com apego. Trago sempre roupas para uma semana. Lavo tudo e uso de novo uma roupa limpa todos os dias. Os amores e amigos viajam comigo e se alegram com minhas alegrias. Sei que me levam e me esperam de abraços abertos. Estamos sempre juntos. É difícil abrir mão do controle (mesmo que ilusório) de tudo ao redor. Aqui e agora não controlo absolutamente nada. Sou um analfabeto funcional. não conheço as regras, os comandos, os hábitos, os horários, os costumes daquilo fora do meu corpo. Sou esse estrangeiro em um território internacional. Às vezes, a energia acaba a cada tantas horas e o gerador a óleo falha. Depois funciona sem aviso prévio, não há luz sempre que se quer. Isso é um lembrete. Há hora de ir e de voltar no relógio coletivo. Às vezes, há um controle total dos movimentos pelos responsáveis pela segurança. No balanço das horas penso que nunca temos controle de nada e que nos mantemos tanto tempo nos agarrando às economias, casas, compromissos e limites geográficos. Tantos apegos e empreendimentos que chego a sentir medo. “Há tanta vida lá fora e aqui dentro”, vida que insiste e sobrepassa adversidades no tempo sem fronteira.

Severo Garcia
Enviado por Severo Garcia em 28/03/2022
Código do texto: T7482741
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.