Desde os primórdios da humanidade a referência a deuses, digo isto, em virtude das religiões politeístas, e não apenas das monoteístas, é uma frequente que se estabelece de forma imperativa.

 

Os primeiros deuses, chamados primordiais, tiveram sua existência apontada na Grécia Antiga, com o surgimento da Mitologia Grega, em que estes, explicavam o mistério da vida e as questões existenciais.

 

Deuses gregos, romanos e tantos outros, foram e são, presença em nosso meio,  para contar um pouco a história das religiões, sintetizadas e ideologicamente conceituadas pelo mundo. em livros, filmes, revistas e encenações ritualíticas de vários corpos sociais.

 

O Cristianismo ocupa o primeiro lugar no topo entre os grupos religiosos mais populares, representando 31,2%. Em seguida o Islamismo, com 24,1%. E na terceira posição com 16,1% segue a irreligião que engloba os agnósticos, céticos e ateus que nos últimos anos, vem crescendo expressivamente, "a ciência separa o homem de Deus ou o dissolve na humanidade." Estes dados revelam um novo perfil religioso e espiritualista, de modo geral. Exceção se dá para o Catolicismo que permanece no topo.

 

Fato é, que as religiões cristãs permanecem vivas na história e possuem sobre nós, os brasileiros, grande influência.

 

O § 2º do art. 11 da Constituição da República Federativa do Brasill proclama que “é vedado aos Estados, como à União, estabelecer, subvencionar, ou embaraçar o exercício de cultos religiosos”. Desse modo, constituiu-se o então Estado laico no Brasil. Todas as religiões vigentes e em exercício no solo brasileiro tem a proteção do estado, sem submissões ou arbitrariedades. A liberdade de crença e culto é firmada legalmente. Mas apesar da laicidade da federação, a prática religiosa está enraizada, culturalmente, nas entranhas do nosso coletivo social.

 

O Estilo Barroco surgiu nessa perspectiva de ser uma arte religiosa que impulsionasse a fé. Já que naquela fase da história, o pretígio da Igreja Católica estava em decadência. Um dos grandes responsáveis pela disseminação dessa vertente religiosa popular foi Aleijadinho que criou suas obras, aderindo ao Movimento Barroco, e transformando cidades históricas de Minas Gerais, em acervos e patrimônios culturais da humanidade de reconhecimento mundial, com obras em Ouro Preto, Congonhas, Mariana e Tiradentes.

 

A Semana a Santa é um dos legados do Cristianismo. Que reforça em suas encíclicas papais anuais, a necessidade de reviver os passos de Jesus Crucificado, com o intuito de, fazendo memória, renovar a vida, ressignificar: fazer nova todas as coisas.

 

Nesse ínterim, aparece a Paixão de Cristo, como um momento relevante da história cristã, pois se trata do passo que antecede a grande saída do sepulcro, ou seja, a Ressurreição, que é dogma da igreja católica e, presente está na oração do Credo.

 

A Paixão de Cristo, segundo os evangelistas Lucas, Mateus e Marcos tem em comum a caracterização de um tribunal popular, responsável pela acusação, julgamento e sentença de Jesus. Vale ressaltar a influência do corpo social nas decisões tomadas pelos administradores da época. ​​​​​SeO maior temor do rei e das hierarquias que a ele se relacionavam, estava na possibilidade de o povo reagir a uma decisão, estimulando a revolta dos súbitos.

 

Se colocássemos um véu sobre a égide religiosa que se estabelece nessa passagem da vida de Jesus, se ao menos a colocássemos em segundo plano, por um instante, estaríamos diante de um injusto julgamento ou de um abuso de poder na ausência de uma lei resoluta?

 

Além do que se segue, haveria um ser humano, dotado de racionalidade e limitações, que se equiparasse ao mínimo, ao nominado Deus Filho, nas atitudes e ações que sucederam a sua condenação à morte? Estaríamos mesmo diante de alguém como nós, ocupando uma vala comum?

 

Em primeira análise, ateremo-nos, às sete últimas frases ditas pelo Jesus de Nazareno, desde o momento inicial da pregação na cruz.

 

1- Pai, perdoai-lhes, eles não sabem o que fazem.

 

Um homem açoitado, vítima de provocações e xingamentos, traído por um dos 12 melhores amigos. Faminto, pois, sua alimentação realizou-se por último, na quinta-feira próxima passada.  Magro, abatido, machucado que estabelece em seu primeiro contato com o mundo externo, pós condenação, uma atitude de pedido de desculpas, uma súplica de misericórdia, pela humanidade que o colocou naquela posição de criminoso? Aonde estavam os cegos curados por ele, conforme as descrições bíblicas? Ou a família de Lázaro que, como amigo, foi ressuscitado? Ou, ainda, os que tiveram os demônios expulsos de seus corpos?

 

2- ... Ainda hoje estará comigo no paraíso!

 

Disse o classificado como bom ladrão:

- A nós cabe a condenação, justa, infringimos a Lei, mas a Este Homem, não. O que Ele fez? Senhor tem misericórdia de mim!

- Ainda hoje estará comigo no paraíso.

 

A garantia de perdão pelos pecados aparece na ingênua declaração e reconhecimento da infinutude do amor. A humilhação sofrida pelo Homem Crucificado, ladeado de dois outros homens que, efetivamente, cometeram infrações saneadas por sentenças de morte, a pena mais gravosa, a sanção que retira a garantia da vida, o único bem impenhorável do ponto de vista da exclusividade.

 

3- -Mulher, eis aí teu filho. Filho, eis aí Tua Mãe."

 

Quem, em plena sanidade mental, num momento de dor extrema, corpo sem forças pela perda de sangue contínua, aproveitaria a oportunidade para ofertar à humanidade, a figura feminina que representa a grandeza e a divindade? Aquela dotada do dom de gerar a vida e de acompanhá-la, nutrindo com o seu próprio corpo, as necessidades de um ser em desenvolvimento. Queria ele, elevar o nível de percepção sobre a mulher e seu papel na humanidade? Estaríamos diante de um homem que, despindo de suas vestes, na extrema humilhação, reconhecesse a pequenez da humanidade diante do milagre da vida que se estabelece no ventre de uma mãe?

 

4- Pai, por que me abandonastes?

 

A solidão miserável da improvidência e o descontrole diante das consequências de atitudes que deram causa ao acontecimento. A incerteza, o desejo de desvencilhar-se do pretendido, do planejado, do profetizado. A humanidade e a fuga da realidade. Uma espécie de esquizofrenia mundana circunstacial. Um indício de imperfeição, de humanidade e de vulnerabilidade?

 

5- Tenho sede.

 

De braços abertos, sustentados por pregos de madeira. Diante do sol do meio dia, após caminhada pelo calvário, e a desidratação.  A necessidade de repor os líquidos perdidos por um corpo sedento. Um divino num corpo humano?

 

 

6- Tudo está cosumado.

 

Estaria consumado o que estava previsto nas escrituras ou se consumava a sentença de morte de um corpo em deterioração, em estado de morte potencial?

 

7- Em Tuas Mãos entrego o meu espírito

 

A entrega livre, liberta de lamentos, de lamúrias, de desespero.

 

Numa segunda vertente, aparece a condenação arbitrária, violenta e acima dos padrões de época para o Ser Humano, Jesus Nazareno.

 

1) Açoitamento

 

A Lei Judaica previa como condenação a utilização de 39 chicotadas. Não se sabe ao certo o número de chicotadas a que foi submetido o réu. O instrumento utilizado para o fim, era um chicote tido como especial confeccionado com a utilização de ossos de animais de grande porte, atrelados à couro e metais pesados. Vislumbrando a capacidade depreciativa do material ora utilizado para a tortura, a pele seria descamada e desfragmentada em suas camadas. Os soldados romanos, em revezamento, realizavam o ato de forma vingativa e provocativa, caçoando da condição divina que lhe era atribuída enquanto Rei.

 

2) Retirada da barba

 

Vestígios históricos dão conta de que a barba de Jesus teria sido arrancada à força com a utilização de espada. o Talibã, na atualidade quer aplicar uma lei que obriga os homens a deixar o adereço crescer para eventuais formas de tortura.

 

3) O espancamento

 

O corpo açoitado, enquanto realizava a caminhada para o local de crucificação, era espancadado pelo guardas romanos, sendo diversas vezes, segurado pelo pescoço, puxado pelos longos cabelos e jogado ao chão.

 

4) O pátibulo

 

Além da violência física e psíquica sofrida, o réu haveria de ser crucificado no patíbulo,diante de todos. Carregando a cruz, que pesava em média 50 kilos e ser arrastado de forma bruta por 8 kilômetros.

 

5) A pregação na cruz

 

De acordo com as leis da física um corpo não se sustentaria por regiões músculo-esqueléticas que rompem os tecidos e escancaram a fragilidade do físico, que sobrepõe a caixa óssea. A pregação na cruz, conforme afirma o médico Colombiano Zugibe, responsável por estudo detalhado sobre a morte de Jesus, a causa mortis do Nazareno foi insuficiência cardiorespiratória decorrente de hemorragia e perda de fluidos corpóreos (choque hipovolêmico), isso combinado com choque traumático decorrente dos castigos físicos a ele infligidos.

 

Somam-se aos citados, a ausência de defesa prévia, a falta de uma despedida junto aos seus, a possibilidade de ser analisado sob uma ótica diversa, a despedida de suas vestes.

 

Não foram poucas as torturas, às quais, fora submetido, o dito Messias, aquele que pelo mistério da encarnação foi feito Deus, como filho. 

 

Enfim, A Paixão de Cristo não é apenas uma mera encenação teatral de vivência cristã, mas uma verdadeira sessão de desamparo, de despreparo, de tortura, de provocações, de dores sentidas na pele e na alma, para que a humanidade pudesse acordar seus sentidos, perceber a grandeza das atitudes do Cristo, ir além, de se inspirar Nele, independente de crença religiosa. Perder-se na infinta proclamação da sua "humanidade" condicionada que poderia salvar o mundo. 

 

Estaríamos nós, meros mortais, diante da possibilidade de perceber a figura cristã apresentada, como um Deus que, sendo homem, revelou a inquietude e a sobrecarga da experiência de se tornar humano, tendo em si sentimentos nobres que, ao analisar, friamente, não são comuns em nosso meio.

 

Além do mais, nessa completude que se revela no mapeamento da rendição não transitória de Cristo, é possível ver que para o catolicismo, enquanto a pedra se arrasta, depois da escuridão do dia, surge uma alma em ascenção, pois, improvável seria, em nosso meio, alguém com tanta bravura capaz de morrer pelos que assinam sua sentença.

 

Se este homem não era Deus, uma força avassaldadora do Universo, a Igreja viva ou o Arquiteto Divino, sinceramente, humano não era. Há vários deuses por aí, vestidos de dogmas que os qualificam, mas morrem na filosofia de uma igreja que prega sentada, esperando que a energia espiritual flua sem incômodos. Mas sejamos práticos e céticos, os preceitos religiosos filosóficos cabem muito bem no campo do pensamento, de onde partem como modelo, mas a prática, essa exteriorização da verdade proclamada fica tão distante que a perdemos de vista.

 

Paixão é morte em recortes. Paixão é vida, clamando: 

 

- SUPORTE! ATÉ O FIM.

 

A Paixão ora proclamada, somada às práticas de Jesus, ao longo de sua vida são a base angular do Cristianismo que reconhece na figura do Cristo Redentor um homem fora de sua época, que ao contrário das divindades que o antecederam em cronologia, não se apega à pirotecnia, não faz magia, mas usa de cada situação para realizar seus milagres.

 

Assim o foi, desde o primeiro, em que, sendo despertado da necessidade de intervenção junto às bodas de caná, usa a humanidade para realizar o feito: A súplica da mãe, as talhas, a água, os serviçais e o milagre. Jesus não realiza milagres mágicos, ele usa os seus para tornar novo o vinho, mudar um destino.

 

Do mesmo modo, a multiplicação dos pães. Era comum à época, que os trabalhadores passassem semanas inteiras fora de seus lares, afim de angariarem frutos para sobrevivência. E a forma como se alimentavam, através de pães e peixes, faziam com que carregasse em seus embornais os alimentos. Jesus multiplicou os pães usando o povo, o seu próprio alimento, a partilha. Já viram faltar comida em festa tipo americana?

 

Pois bem, Jesus, o homem que arrastava multidões, que expulsava demônios, que ressuscitava mortos, que fazia enxergar os cegos, não foi poupado por nós, naquela época e nem o é, na atualidade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 17/04/2022
Reeditado em 18/04/2022
Código do texto: T7497190
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