Fura-zóio: O dilema da Escolha na Democracia

Decida agora, e decida rápido: prefere que te furem o olho direito ou o esquerdo?

Qualquer pessoa minimamente sensata e sadia não teria clara preferência quanto a tal questão, exceto a óbvia objeção a ter qualquer dos olhos furados. Que pessoa sadia escolheria com alegria e de bom grado um dos olhos para ser furado?

Certamente há, sim, alguma diferença entre ter um ou outro dos olhos vazados. A maioria das pessoas tem um "olho dominante" por exemplo. Ainda assim, uma pessoa mentalmente saudável jamais teria entusiasmo por ter qualquer dos olhos vazados, e ser obrigada à escolha funesta seria angustiante e desesperador.

Este é o papel da abstenção no pleito: desobrigar da escolha sobre qual olho a ser vazado. Quando as opções disponíveis não só não são de agrado, mas são de fato abjetas e revoltantes, o infeliz pode ao menos não ser obrigado a escolher qual das calamidades "apoia".

O fato de radicais efusivamente esbravejarem contra quem rejeita a falsa dicotomia revela o teor impositivo e sádico de quem vê apenas inimigos ou aliados de ocasião, não pessoas aptar a votar de maneira livre — livre inclusive para que a abstenção seja uma opção (e, aliás, é uma opção!). Radicais, sim, porque quem tem entusiasmo por escolher qual dos olhos será vazado e, pior, quer negar aos outros a abstenção à funesta escolha, só pode ser chamado de radical ou louco.

Frequentemente as democracias passam décadas ofertando apenas opções abjetas, mas justamente porque o jogo da polarização resulta em um Equilíbrio de Nash do pior tipo, aquele no qual todos perdem. Persuade-se o público de que voto não é apoio ao que se concorda e escolha do de fato se quer, mas protesto ou rejeição contra o que não se quer. Daí não se vota no que se quer, mas para evitar um suposto "mal maior".

Qual dos olhos a ser vazado constitui o "mal menor"? Não é de se questionar como chegamos a ter de eleger qual dos olhos será vazado?

Quando pleito após pleito as opções dominantes "discutem" apenas como a alternativa seria pior e mais detestável, enquanto nenhuma delas discute os gravíssimos e urgentes problemas vigentes, sabemos que tais opções não estão interessadas em governar, mas em tomar para si as ferramentas administrativas e aproveitar as chances de aparelhar as instituições.

Então escolham vocês aí qual dos olhos será vazado, e fantasiem entre vocês qual dos olhos é menos pior de se ter furado. Enquanto isso, sejam hostis aos que apontam que está escolha é absurda e detestável.