Sobre Anne Frank

Depois de trinta anos, reli o diário de Anne Frank. Minha impressão foi de que li um livro novo, completamente diferente. Não só porque talvez minha sensibildade esteja mais aguçada com a idade avançada, mas também em virtude de que a edição que li é atualizada, que inclui os trecho censurados pelo pai de Anne, Otto Frank. Compreendo, no contexto da mentalidade conservadora prevalescente época, logo no pós-Segunda Guerra Mundial, as razões da censura: Anne comenta candidadamente aspectos de sua sexualidade, assim como exprime palavras queixosas, muitas vezes amargas, sobre como é tratada pela sua mãe.

Ver teminar abrutamente o diário no primeiro dia de agosto de 1944, cerca de sete meses antes da liberação da Holanda, causou-me profunda revolta. Revolta contra as forças maléficas que permitiram que a adorável criatura, Anne Frank, fosse presa, deportada, humilhada e abandonada até morrer num campo de concentração. Lendo o diário, apesar de conhecer previamente o desenlace, criei a ilisão de que a história terminaria com o final feliz da libertação da família Frank, após a retirada final dos alemães de Amsterdam.

Destino que poupou seu pai Otto, a morte de Anne Frank e de sua família, que ela tão bem nos fez conhecer, é o atomizado do que foi reservado pelo nazismo para cerca de seis milhões de judeus durante o segundo conflito mundial. Como não conhecemos a história individual de cada uma dessas pessoas, de cada família vitimada, temos a tendência inevitável de tratar o genocídio como uma ( deplorável) estatística. A única percepção mais clara que temos dessa tragédia, e que nos toca o coração, são as fotos dessas pessoas sendo deportadas, estacionadas na plataforma de um trem, esperando seu insuspeito futuro. Pode-se ver a tristeza que deixam expressar no olhar para as câmeras; a angústia diante de um destino incerto, que só nós expectadores conhecemos. Nas fotos dos campos de concentração, a expressão dos prisioneiros é de súplica por um tratameno digno e humano.

Anne Frank nos leva também a entender como se desenrrola a complexidade das relações humanas, e familiares. Ocorrem pequenas disputas, mágoas, desavenças, mal entendidos, mas também conciliações e gestos de afeto. O fundamento de amor que une essas pessoas impede a desagregação, e a célula familiar permanece integral. As queixas de Anne podem vir da mágoa de ver que adultos não se dão conta de que as crianças se desenvolvem e que precisam ser ouvidas e respeitadas, e que , de repente, não são mais crianças. Aos quinze anos, Anne amadureceu prematuramente, nas condições extraordinárias em que vivia.

Na última entrada do diário, ela afirma: “ tenho medo de que as pessoas que me conhecem como eu sempre sou descubram que eu tenho um outro lado; um lado melhor e mais belo. Tenho medo de que essas pessoas zombem de mim, pensem que eu sou ridícula e sentimental e não me levem a sério”. Esse meu outro lado, afirma ainda, “ é meu próprio segredo”.

A úlima frase da última entrada do diário, que não era sua intenção fosse a última, é bem reveladora de suas angústias: “... continuo tentando achar uma maneira de me tornar a pessoa que gostaria de ser e que eu poderia ser ... se somente não houvesse outras pessoas no mundo”.

Os carrascos de Anne Frank, quem denunciou o esconderijo da famílía , e quem levou-os à morte, assim como a seis milhões de judeus, devem, se inferno existe, estar lá.

Ugly
Enviado por Ugly em 24/01/2023
Reeditado em 20/09/2023
Código do texto: T7703150
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