Ê ô ô vida de gado

Povo marcado ê, povo feliz. (Zé Ramalho, Admirável gado novo)

 

     A verdade não existe, depende da época e das circunstâncias, a verdade é uma ilusão, é uma enganação que tomamos como valor de verdade e serve para manter nossos corpos adestrados, já que ela é aquilo que trava nossas ações, que pontua nossos julgamentos e que define o que vale à pena ser levado à sério: "Um exército móvel de metáforas, metonímias e antropomorfismos—em suma, uma soma de relações humanas que foram aprimoradas, transpostas e embelezadas poeticamente e retoricamente, e que após longo uso parecem firmes, canônicas e obrigatórias para um povo: verdades são ilusões sobre as quais se esqueceu que é isso que elas são; metáforas que estão gastas e sem poder sensual; moedas que perderam suas impressões e agora importam apenas como metal, não mais como moedas"; "conceitos são metáforas que não correspondem à realidade." ((A Verdade e a mentira no sentido extramoral, Nietzsche)

     Embora todos os conceitos sejam metáforas inventados por seres humanos (criados de comum acordo para facilitar a comodidade da comunicação), escreve Nietzsche, os seres humanos esquecem esses fatos depois de inventá-los e passam a acreditar que são "verdadeiros" e correspondem à realidade. Nietzsche argumenta que a ciência parte de onde a linguagem parou, relativamente ao tecer de conceitos. Esse seria um processo necessário para que o ser humano consiga sobreviver, afinal, o conhecimento é a sua maior ferramenta. Contudo, elogia a cultura grega por lidar com a natureza de forma mais metafórica. O espírito artístico grego foi possível, de acordo com Nietzsche, porque o "homem intuitivo" possuía maior apreço social em relação à seu contrapartido, o "homem da razão".

     A humanidade é uma espécie indulgente. Vivemos mais, porém não conseguimos viver em harmonia pois somos seres de domínio e da crueldade. Para as pessoas serem humanas, devem viver em circunstâncias humanas. O plano moral da verdade é o herdado historicamente, marcado pelo esquecimento das origens metafóricas da linguagem. Por isso, no campo moral, presume-se que a verdade é definitiva e inabalável, e que os conceitos são absolutamente precisos, em contraposição às metáforas, incertas e relativas. Já o extramoral é a renovada consciência dessas origens estritamente relacionais da linguagem, ou seja, sua natureza descompromissada desde sua incepção: a consciência de que toda a linguagem teve origem metafórica.

 

 

LucianaFranKlin
Enviado por LucianaFranKlin em 03/03/2023
Código do texto: T7731884
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