O Prumo de Amós

 

Só podemos entender a assertiva de que nossas almas, para conquistar um lugar no céu, seja lá o que for que possamos acreditar ser esse lugar, precisam se livrar do peso que as suas incursões pela vida material lhe adicionam se a vermos como uma centelha de Luz. Nada que tenha esse peso em cima dela, pode ascender às esferas luminosas que são percebidas pela intuição humana como o Reino de Deus. Porque este é um reino de Luz, onde somente ela, com sua leveza e velocidade consegue entrar. Essa intuição é muito antiga e já fazia parte das crenças dos egípcios e dos povos mesopotâmicos. No Egito antigo ela estava presente no culto à deusa Maat, a divindade que presidia a justiça e a retidão de caráter que o homem devia cultivar na terra para poder ascender ao céu de Rá, o Sol radiante. E entre os povos da Mesopotâmia e da Pérsia a tradição religiosa fundamentava-se ideia de que os justos, ao desencarnar, subiam para um reino de Luz. Por isso se diz que a religião desses povos era uma religião solar, onde praticamente toda a teologia se apoiava em um eterno embate entre a luz e as trevas, e a vida dos homens estava fatalmente ligada a uma dessas características,

Salvação é uma palavra processual. Ela resume um processo complexo que envolve matéria e espirito trabalhando em harmonia. Por isso nenhuma religião salva ninguém. Nem preces, rituais, crenças ou orações pode fazer isso. Essas práticas são, quando muito, etapas de um processo, mas não o processo em si. A Torá é bem explicita a esse respeito. Exige do ser humano retidão de caráter – comportamento moral irrepreensível na sua vida profana- e fidelidade na sua crença em Deus. Material e espiritualmente, o homem deve viver uma vida de retidão para alcançar a Luz do Eterno. Por isso as palavras do profeta Amós, que os maçons usam para abrir as seções de um determinado grau de suas reuniões: Mostrou-me também assim: e eis que o Senhor estava sobre um muro, levantado a prumo; e tinha um prumo na sua mão. E o Senhor me disse: Que vês tu, Amós? E eu disse: Um prumo. Então disse o Senhor: Eis que eu porei o prumo no meio do meu povo Israel, e nunca mais passarei por ele. Amós 7:7,8

É claro que podemos interpretar a profecia de Amós à luz dos fatos históricos que estão vinculados à essa profecia. Na época em que Amós disse essas coisas o reino de Israel, governado por Jereboão II, hospedava um povo rebelde e corrupto, que havia se afastado dos preceitos da Torá. A visão de Amós consiste em uma advertência a esse povo, lembrando que o Senhor os havia formado como um muro feito a prumo, onde a retidão era perfeita. Mas como ele desviou-se dos seus desígnios, esse muro reto seria destruído e nunca mais seria erguido de novo. Por isso Ele disse: Nunca mais passarei por ele.

Essa profecia se confirmou quase que imediatamente à visão de Amós. Em 722 a.C. os assírios invadiram o reino de Israel e chacinaram a maior parte do povo. Os sobreviventes foram expulsos do país e nunca mais se ouviu falar deles.[1]

 

Maçonaria- uma forma de estoicismo?

 

Atingir um estado de iluminação proficiente e perene é o objetivo de todos os nossos esforços no terreno espiritual. Mas sucede que esse estado não pode ser alcançado sem que um correspondente comportamento no terreno moral (profano) não seja praticado, pois as experiências vividas pela nossa alma apõem sobre ela “cascas” que obstruem a sua Luz nuclear.

Daí os conceitos de moral e virtude desenvolvido pelas religiões e pregados insistentemente pelos líderes das mais diversas confissões mundiais. Esses conceitos pouco mudaram ao longo dos tempos.

As variações ocorrem na forma, mas não no conteúdo. A fórmula de salvação pregada por Jesus é a mesma que Sidarta Gautama pregava: consiste na prática de virtudes como a caridade, a justiça, o amor ao próximo, a compassividade, a não reação violeenta ao mal, o desapego aos bens materiais etc. Essas formulações também não estão ausentes no sistema ético pregado pelo Islamismo e pelos filósofos da chamada escola estóica, e igualmente não é estranha aos discípulos do trio de ouro da filosofia grega Sócrates, Platão e Aristóteles, para quem a aquisição da sabedoria (sinônimo de salvação), é impossível na ausência de uma vida virtuosa.[2]

Não é demais lembrar que a Maçonaria, sociedade teosófica cristã que prima pelo aperfeiçoamento ético e moral do indivíduo como forma de sua ascensão espiritual, está fundamentalmente alicerçada, em sua filosofia, nos pressupostos do estoicismo. Todo maçom reconhecerá nos princípios estoicos listados abaixo, alguns dos discursos frequentemente ouvidos na sua Loja:

 

- A virtude é o único bem e caminho que conduz à felicidade; o vício é o caminho oposto.

-Devemos sempre priorizar o conhecimento e o agir com a razão;

-A procura desenfreada do prazer é um inimigo do sábio;

-O universo é governado por uma Mente universal, natural e divina;

-As ações são mais importantes que as palavras.

-Deixar se dominar por sentimentos externos tornam um ser humano irracional e mitiga o seu sentimento de justiça;

-Não se deve perguntar porque algo aconteceu na sua vida, e sim aceitar a consequência sem se queixar, focando apenas no que pode ser modificado em situações semelhantes.

-Tudo é resultado das nossas escolhas, por isso devemos assumir a responsabilidade sobre os nossos atos;

-Acreditar que tudo acontece de acordo com uma lei de causa e efeito; os nossos pensamentos e atos são a causa; os resultados são efeitos.

 

A Maçonaria como exemplo

 

Fizemos essa referência à Maçonaria porque se trata de uma sociedade teosófica que trabalha com o conceito de iluminação, buscando nas tradições esotéricas dos antigos ritos uma aproximação simbólica da sua própria filosofia com as intuições de grupos especiais de pessoas, que desde tempos imemoriais buscavam o aperfeiçoamento dos seus espíritos- ou seja, a iluminação- através de rituais específicos.

Evidentemente, na Maçonaria moderna o simbolismo da iluminação resume uma verdade iniciática que assumiu contornos de filosofia moral. O maçom é um homem do mundo moderno e para ele vive. As verdades do espírito precisarm ser transformadas em atitudes práticas para a melhoria da sociedade na qual ele atua. A luta do maçom acaba sendo contra ele mesmo para que não sucumba à corrupção, aos vícios, ao laxismo que a moderna sociedade induz em todo aqueles que não se pejam de comer o “pão da vergonha”.[3]

O maçom pratica a Arte Real para fortalecer o seu espírito e assim poder controlar suas paixões e lutar contra os males que infelicitam a espécie humana.  Como se diz no ritual de iniciação, o mal é o oposto da virtude. O maçom deve trabalhar para eliminar esse mal, aperfeiçoando suas qualidades morais, e em consequência, as da humanidade como um todo. Em outras palavras, o que ele busca com sua iniciação à maçonaria é a realização de um estado de perfeito equilíbrio dentro de si mesmo primeiro para, em seguida, poder transmiti-lo à comunidade na qual vive, pois ninguém pode dar senão o que tem.

Essa é a razão de a Maçonaria se referir a Deus como o Grande Arquiteto do Universo, fonte fecunda de luz, da qual todos saímos no início como matéria cósmica e à qual um dia voltaremos como espíritos radiantes de energia luminosa.

Por isso é que aqueles temerários que batem profanamente à porta do templo, a fim de se iniciarem nos Augustos Mistérios dos Obreiros da Arte Real, ali estão em busca de luz. E quando se lhes tira a venda que os submetiam à mais espessa escuridão, a eles é dito que a Luz foi feita; A luz seja dada ao neófito.

 

A obrigação de compartilhar

 

Essa iluminação, os mestres cabalistas definem como sendo um estado de plenitude do ser, no qual ele está envolvido pela Luz de Deus. Por isso se diz do indivíduo que atinge esse estado: ele é um iluminado. Sim. Porque, nessa condição ele é uma pessoa bem sucedida em todos os setores da vida; profissionalmente, financeiramente, em suas relações pessoais, além de ser criativo, proativo e socialmente apreciado. Tudo isso está na luminosidade que vem do Centro emanador de todas as coisas. Porque é de lá que vem a energia que formata todas as coisas no universo. A pessoa “iluminada” é um para raio que a atrai.

É conveniente lembrar que a Luz não é Deus, mas sim a energia que ele emite e nela se converte. Assim como a luz do sol não é o sol, mas uma emissão da sua energia que se converte em luz e calor. E, como sabemos, a luz do sol contém todos os atributos necessários à vida na terra. Da mesma forma, a Luz que vem de Deus também contém todos os princípios ativos que necessitamos para a realização de todos os nossos propósitos.

Somos parte da massa universal gerada pela expansão da Energia Divina pelo vazio cósmico. Participamos do recipiente como um de seus mais importantes componentes. O nosso cérebro é uma estação de rádio que funciona com a missão precípua de comunicação com ela. E o nosso organismo é uma central que é alimentada por ela.

Mas é preciso não esquecer que toda pessoa que consegue atingir esse estado de plenitude de captação dessa Energia é um recipiente. E como tal não pode sonegá-la, usando-a apenas para proveito próprio. Como centros receptores dela temos que ser também geradores e distribuidores. Se recebemos temos obrigação de compartilhar. É nisso que consiste o acordo entre partes de que fala a Kabbalah. Esse acordo foi estabelecido entre o Criador e a sua Criação. Nós, como partes mais importantes dele, e as mais interessadas também, não podemos violá-lo. Por isso Jesus disse: “Vós sois a luz do mundo. Uma cidade edificada sobre um monte não pode ser escondida.  Igualmente não se acende uma candeia para colocá-la debaixo de um cesto. Ao contrário, coloca-se no velador e, assim, ilumina a todos os que estão na casa.  Assim deixai a vossa luz resplandecer diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos céus.[4]  

 

 


[1] O reino de Israel foi resultado de uma cisão entre os israelitas ocorrida no reinado do filho de Salomão, Roboão. Roboão se revelou um péssimo rei, tirano e injusto. Em consequência, as dez tribos do norte se rebelaram e elegeram para rei um indivíduo chamado Jereboão, que estabeleceu como capital do seu reino a cidade da Samaria. As duas tribos que ficaram com Roboão passaram a ser chamados de judeus, enquanto os israelitas do norte ficaram conhecidos como samaritanos. Em 722 a. C. os assírios invadiram o reino de Israel e deportaram os sobreviventes, não se sabe para onde. Por isso eles ficaram conhecidos como as Dez tribos perdidas de Israel. 

[2] Estoicismo é corrente filosófica inaugurada por Zenão de Cítio, no século III a.C. Sustenta que o ser humano só pode alcançar a verdadeira felicidade com a prática de um conjunto de virtudes, abdicando totalmente dos vícios. O estoicismo ensina também que uma mente calma e racional é imprescindível para a aquisição da felicidade. O homem precisa reconhecer e se concentrar naquilo que pode controlar e a não se preocupar e aceitar o que não pode controlar. Deixar se dominar por sentimentos externos tornam um ser humano irracional e mitiga o seu sentimento de justiça;

[3] “Pão da vergonha” é uma expressão usada pelo mestre cabalista Iehruda Berg que significa “receber sem merecer”

[4] Mateus, 5: 15;16