O retorno

O vento sobrava forte nas velas, que esticadas impulsionava o velho barco sobre as águas quentes do oceano. A velocidade que a embarcação ganhava, agradava a todos os tripulantes, era o retorno que esperavam após meses longe de seus lares.

No horizonte nada se revela diante de olhos ansiosos, mas o cheiro de terra era possível ser sentido. Era notória a alegria de todos, finalmente o regresso ao lar e o fim de um terror que muitos jamais deixaram totalmente para trás.

Uma porta se fecha ao convés, fazendo um grande barulho. Homens próximos saltam com o susto, enquanto outros apenas redirecionam seus olhares curiosos. Uma figura alta de voz imponente fala a todos:

- Isso não é um navio de passeio para que eu veja tantas donzelas admirando o mar. Andem logo e voltem ao trabalho, do contrário passaram mais um mês fazendo reparos no barco.

Não precisou nenhuma nova advertência e cada homem partiu para seu posto, pondo a cumprir sua função.

Próximo ao leme do navio, um jovem ria com aquela situação. Não que fosse engraçado, mas por saber que logo todos ali iriam retornar as suas vidas antigas, e por mais maluco que fosse, todos iram sentir falta das broncas do contramestre.

- Vejo que não entendeu o que disse. – Falou o contramestre se aproximando do sorridente jovem. – Gosta tanto deste navio que prefere ficar nele, não? Aposto que Rorin irá adorar sua companhia no cais.

- Rorin iria adorar minha companhia, mas duvido que iria gostar da dele. Aquele homem fede a peixe com madeira podre.

- Assim como você capitão. – Falou o contramestre dando risadas e batendo nas costas do jovem.

O contramestre era um homem grande, com uma volumosa barba grisalha e um porte físico que mais se assemelhava a um urso. Era um guerreiro formidável e um marinheiro melhor ainda, até por isso todos o respeitavam e não ousavam questionar qualquer ordem. Nunca almejou ser capitão, mesmo muitos oferecendo o cargo, o velho urso respeitosamente sempre recusou, dizendo que o cargo exigia algo ao qual jamais teria, a solidão que cabe a um homem na tomada de decisões que colocam a vida e a morte como pesos opostos na balança, uma qualidade que poucos possuem e que o jovem sorridente a frente dele assustadoramente tinha.

- Terra à vista. – Gritou um homem.

- É o fim, meu senhor, finalmente retornamos. – Falou o contramestre abrindo um sorriso largo.

O jovem capitão viu a alegria de seus homens, olhares brilhantes na terra que surgia no horizonte, nada parecia importar, somente a chegada a sua terra. Era uma visão única, bela, transbordada da mais pura felicidade, do qual muitos pareciam não ser mais possível sentir e do qual alguns jamais sentiram.

O retorno era uma graça oferecida que infelizmente nem todos desfrutaram. O barco transportava apenas uma fração daqueles que partiram, a guerra havia sido brutal, tantas vidas ceifadas, tingiram mares, terras e matas de vermelho, uma carnificina jamais vista no qual, ao fim deste pesadelo não se sabe qual lado saiu vitorioso. Certo era que dos poucos sobreviventes o retorno já era motivo de alegria e comemoração, mas para o capitão o peso deste regresso esvaziado repousava dolorosamente sobre seus ombros.

- Conseguimos senhor, agora é descansar. – Falou o contramestre sorrindo e em seguida se afastando, voltando a suas atenções aos homens que manejavam as velas.

Conseguimos? Na mente do capitão a palavra parecia fria e sem sentido. O que de fato conseguiram? Retornar com aqueles poucos homens, sendo que a maioria estava ferida e beirando a morte nos porões. Não, de fato nada foi conseguido, mas perdido.

A ondas se debatiam ao casco do barco conforme este chegava ao seu retorno, na mente do capitão a imagem trazia uma lembrança longínqua, de quando homens, jovens e fortes partiram daquele porto, confiantes na vitória e nas glórias que dela iriam trazer, mas retornado aquelas águas tudo que se vê são os sonhos e desejos, dos quais jamais iram se realizar. Diante disso a palavra conseguimos não traz um sentido ao momento, talvez a guerra vencida, a pacificação nos mares e campos, a extirpação da sombra que por tempos sem fim cobria a tudo, sim talvez isso torne o conseguimos algo relevante, porém as cadeiras vazias na mesa de jantar, a falta do corpo ao lado para aquecer nas noites frias, as poucas risadas nas tavernas e o filho a caminhar sozinho, estes é que de fato pagaram o preço.

Apesar de toda a sombra que se lute para vencer, no fim ela acabara persistindo nos lares daqueles que lutaram e morreram para acabar com ela.

-Retornamos vazios para que a próxima geração tenha a chance de trazer a luz. – Fala o capitão com um sorrido no rosto, mas escondendo todo o abismo de tristeza e pavor, no qual a guerra lhe proporcionou.

Tiago Guedes Moraes
Enviado por Tiago Guedes Moraes em 10/04/2023
Código do texto: T7760205
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