O mimetismo brasileiro

Vamos explorar uma hipótese sobre o mimetismo brasileiro. Primeiramente, esta talvez não seja a fonte do mimetismo mas é, a meu ver, um motivo que o encoraja a existir.

É claro que o ser humano, por si só, carrega sempre uma carga de mimetismo. Como exemplo podemos utilizar aquela pegadinha onde vários atores numa sala de espera levantam ao ouvir determinado som; o participante começa a levantar também e um a um os atores são retirados. Após as pessoas normais continuam replicando o mesmo comportamento. É preciso deixar claro que agir com base em alguns pré-conceitos, ou estereótipos, é uma necessidade humana. Em outra pegadinha espera-se uma pessoa vir pela rua e então um grupo de pessoas vêm correndo na direção contrária; assim a pessoa normal fica impelida a correr junto ante a ameaça de um risco. Não se espera que os outros estejam correndo sem motivo, ou seja, presume-se um motivo para a ação.

Em qualquer situação normal da vida em que estamos na rua cruzamos com milhares de pessoas. Se fôssemos elaborar conceitos aprofundados sobre cada pessoa que vemos não teríamos tempo de realizar qualquer outra ação. Assim, elaboramos mentalmente uma antecipação mínima que é necessária para antecipar situações de perigo ou desconforto. Além, não é possível conhecer aquele que não se dá a ser conhecido; é possível estar casado com um serial killer por décadas sem saber-se o que ele faz, os segredos que esconde.

O estereótipo é como um meio termo entre o total desconhecimento e o conhecimento total sobre outra pessoa. No diálogo Filebo, Sócrates fala sobre a classe do que é limitado e do que é ilimitado. Neste caso ele não está falando sobre fronteiras externas dos conceitos e sim sobre “limites internos”. Por exemplo os sons, onde não há um limite exato entre as diferentes frequências, que, por sua vez, já são uma categorização matemática criada pela inteligência humana visando organizá-los, assim os sons são categorizados como ilimitados. Por outro lado temos conceitos fechados como, por exemplo, fogo ou água, onde não há a possibilidade de graduação entre mais ou menos, maior ou menor, grave ou agudo. Água é sempre água. Ou seja, existem diferentes sons mas a água e o fogo são sempre os mesmos.

Assim, dentro da miríade de pessoas elaboramos categorias que separam certos tipos com certas características, ou seja, separamo-las em estereótipos. Qualquer um com mais de 2 neurônios sabe que nenhuma pessoa cabe exatamente num estereótipo fechado, sabe que são apenas análogos e que podem se comprovar verdadeiros ou falsos. Assim, o ser humanos é um ilimitado organizado pela inteligência humana como a música.

Aqui chegamos na palavra inteligência. Segundo o site Origem da Palavra, meu amigo para consultas etimológicas, inteligência vem do latim INTELLIGENTIA, de INTELLIGERE, “discernir, compreender, entender”, formado por INTER-, “entre”, mais LEGERE, “escolher, separar”. No século XV passou a abranger “informações obtidas por meio sigiloso”. Compartilha a mesma fonte, entre outras palavras da nossa língua, a palavra ler.

“Ler é derivada do latim e originalmente teve um significado que provém da agricultura. Nesse idioma, LEGERE queria dizer primitivamente “colher, escolher, recolher”, como quando as pessoas selecionam e retiram do pé os melhores frutos, os melhores cachos. Passou ao sentido atual de “obter informações através da percepção das letras” porque fazer isto indica uma capacidade de escolher e definir corretamente letras e palavras. É equivalente à expressão latina LEGERE OCULIS, “colher com os olhos””(https://origemdapalavra.com.br/palavras/leitura/).

Porém, como escolher? É necessária a compreensão de ambas e esta compreensão significa não apenas compreender a coisa em si mas relacioná-la com outras. Conforme disse o professor Olavo, a mente humana funciona primordialmente por analogias, ou seja, comparações.

Por outro lado, o Padre Paulo Ricardo, no seu curso Terapia das Doenças Espirituais, afirma que inteligência viria de INTRA LEGGERE, ou seja, intra leitura, ler dentro das coisas, extraindo sua essência. Certamente uma “interpretação” não exclui a outra. Não perderei tempo procurando qual a resposta correta.

Assim, inteligência poderia ser definida como a capacidade de escolher entre duas ou mais coisas, compreender sua essência, seus acidentes, a forma como se manifesta e as possíveis relações com outros entes.

Acredito que valha a pena agora categorizar a realidade e a idealidade nas categorias de limitado e ilimitado. Acredito que esteja bem claro que a realidade está no limitado uma vez que a realidade é uma só. Quanto ao que é ideal, podemos tranquilamente observar que há tantos ideais quanto pessoas na terra. Pior, o que uma pessoa pode considerar ideal num dia passa a não ser ideal no outro, de forma que uma mesma pessoa pode apresentar inúmeros ideais durante a vida.

Estes ideais, por sua vez, apesar de não terem a aplicabilidade instantânea à realidade, costumar servir como elementos norteadores do comportamento humano; em outras palavras, todos seguem um certo ideal para a vida particular e, as vezes, também têm um ideal geral a ser aplicado a toda humanidade.

Então tomemos como exemplo os 10 mandamentos. No exercício desta demonstração eles podem ser considerados como regras para um comportamento ideal e, assim, não podem (no sentido de possibilidade e não de dever) ser aplicados integralmente à realidade sem algum trabalho, sem uma ponte entre eles.

E aqui chegamos numa 3ª categoria, a mistura entre limitado e ilimitado, exemplificadas por Sócrates como as notas musicais, os fonemas, ou seja, são as formas de colocar algum tipo de limite dentro do ilimitado, organizando-o de certa forma, ou, como ele chamou, a mescla entre a ilimitado e o limitado.

Esta organização não acontece por si só mas é executada por algo que Sócrates afirmou como a 4ª categoria desta classificação, que seria a causa da mescla, o que faz a mesclagem. Segundo nosso querido filósofo cicuteiro, a causa desta mescla é ninguém mais ninguém menos que a inteligência. Para afirmar de uma forma mais estética, somente a inteligência é o que organiza.

Assim, a nossa querida inteligência é a ponte entre a ordem e a desordem. Ora, é fato que o Brasil sempre ocupa posições “modestas” nos testes internacionais de educação. Veja bem, não falei inteligência, falei educação. Podemos aqui utilizar educação como prática de cultivo da inteligência. Alguém que não foi educado não é necessariamente burro, apenas não recebeu o estímulo necessário. A questão é muito mais complexa que isto, mas, obviamente, não tenho tempo de avaliar todos os aspectos por todos os lados, deixarei como está.

Ora, deixando de lado a questão da saúde do ideal brasileiro, ou seja, da questão se o nosso ideal merece este nome; com o que foi dito até aqui fica claro que o brasileiro tem dificuldades de fazer a ponte entre o ideal e o real, falhando em relacionar, em inteligir, a ação correta conforme o seu momento. Incapaz de saber como agir somente sobra a alternativa de imitar a ação alheia. Ora, e o que é isto senão comportamento de manada? Ou de boiada? O que é um estouro de boiada senão vários bois se imitando mutuamente?

Finalizando, aproveito para propagar o comentário diário do evangelho feito por Dom Mário Spaki, Bispo da Diocese de Paranavaí, ao site do Vatican News. Vale a pena e custa apenas 1 minuto por dia. Na data de hoje, 28 de abril, trata-se do Evangelho de João 6,52-59 com destaque para a frase “Jesus disse: eu sou o pão vivo descido do céu. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele”, onde cita-se uma frase de Santo Agostinho: “o cristão que comunga é transformado naquele que recebe, é transformado em Jesus, mesmo sem perceber”.

Ora, se é somente a inteligência que organiza, quem organizou o mundo? E sendo infinita a sabedoria divina, não devemos afirmar também que ela é capaz de harmonizar perfeitamente o ideal e o real? Com toda certeza. Justamente Deus se fez Homem na pessoa de Jesus Cristo, perfeito Deus e perfeito Homem igual a nós em tudo, exceto no pecado.

Jesus Cristo é a materialização perfeita entre o ideal e o real, a ponte definitiva entre o que somos e o que deveríamos ser. Camões uma vez escreveu “transforma-se o amador na cousa amada”, amemos então a Deus, forma segura de purificar nossos ideais e de adquirir os meios para plasmá-los na realidade num movimento chamado santidade. Todos somos chamados à santidade, todos somos vocacionados à ela. Atendamos o chamado. Amém.

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