Jejum fundamental

A maioria das pessoas nos dias de hoje tem verdadeiro pavor a ficarem sem comer, mesmo por um único dia. A dependência de alimento físico é algo absurdo. Aliás o que se come em geral nem pode ser considerado como alimento. O homem moderno come de tudo aleatóriamente, sem respeitar regras mínimas ditadas pela experiência de milhares de anos, acumulada pelos seus ancestrais. A palavra original para o ato de se nutrir é "alimentalização". O sentido subjacente é evidente, se assim for escrita. Isso significa o emprego de um critério para a escolha e a utilização dos alimentos de forma inteligente, utilizando o mais elevado discernimento e princípio de justiça possível. Alimento transforma-se em sangue e este é que determina o destino de cada célula do organismo e, em última análise, do próprio organismo.

Sabemos que é mais fácil ficar doente comendo em excesso do que parcimoniosamente. Além do aspecto da quantidade, tão ou mais importante é a qualidade. Os dois fatores são complementares e indivisíveis. O critério atual para a escolha dos alimentos é quase que exclusivamente mecânico e sensorial. Mesmo pessoas que se propõem a um método mais natural acabam caindo nessa armadilha. É só observar o número enorme de restaurantes "naturais" que oferecem comida "à vontade", numa quantidade e variedade impressionantes.

Nessa verdadeira babel alimentar, onde pontuam as teorias mais exóticas sobre a nutrição "perfeita" e "equilibrada", pelo menos em um aspecto todos podem concordar. A maneira mais evidente e óbvia de se purificar é simplesmente a supressão de qualquer alimento, ou seja, jejuar. Na Bíblia e em muitos livros sagrados de outras religiões e em tradições milenares por todo o mundo, está assinalado o princípio basilar para se curar: "Orar e jejuar". A condição da realização espiritual conseguida árduamente por alguns poucos homens não é designada por "santidade" ? E o que vem a ser "santo" ? Simplesmente "são", ou seja, que é saudável. Todos os grandes mestres jejuaram, para adquirirem a condição necessária para a sua missão. Lembremos que Jesus jejuou por 40 dias, no deserto.

O jejum é a forma mais universal, profunda e antiga de autocura para todos os seres vivos, praticada por animais, plantas, microorganismos e abandonada pela humanidade. Com poucas excessões, é indicado para todos os tipos de doenças físicas e mentais e mesmo para as pessoas que se julgam saudáveis, por ser uma experiência fundamental de enfrentamento da sua própria condição e constituição, do seu caráter, uma autocrítica sem a possibilidade de fuga, se feito com critério e honestidade.

Este artigo não pretende ser um manual para quem quer jejuar, mas tão somente uma apresentação motivacional. Um esquema prático deve ser objeto de uma apresentação específica.

De que tipo de jejum estamos falando ? Ficar sem comer porque não há alimento não tem valor algum. Também aqueles que não se alimentam porque se sentem mal, indispostos ou inapetentes não fazem um jejum verdadeiro. Deve ser uma opção e não uma fatalidade. A pessoa de valor e que faz um jejum autêntico tem muita fome ! Mas controla o seu instinto. Básicamente, os seres vivos superiores são condicionados ao apetite por alimento e ao apetite sexual, determinados pelos instintos da autopreservação e da manutenção (multiplicação) da espécie.

Para iniciar um jejum de vários dias, o pretendente deve estar orientado por quem tenha experiência e conhecimento, sem expectativas fantásticas, como a de se "iluminar", simplesmente por ter ficado sem comer. O jejum é algo muito íntimo, quase secreto à si mesmo, não devendo ser visto como uma vantagem ou poder pessoal.

Existem várias versões de jejuns, de diversas culturas. Básicamente existem três tipos: de 7 dias, de 14 dias e de 21 dias. Pode haver alguma variação na duração. O primeiro destina-se à recuperação de problemas físicos, conduzindo à um reequilíbrio geral do organismo. O segundo, além disso, pode proporcionar até mesmo a ampliação da capacidade vital da pessoa. O último é o superior, onde se atinge limites onde só o praticante pode saber, em termos de consciência e evolução. Entre 7 e 10 dias desaparecem os sintomas das doenças, já que esse é o período de renovação sangüínea. A melhor época do ano para se iniciar um jejum é no início do inverno quando, instintivamente, muitos seres vivos hibernam, ou na primavera, dependendo de cada pessoa e do local. O melhor lugar é longe das cidades grandes, do barulho e da poluição, de preferência no campo.

Durante o jejum, deve-se manter atividades físicas leves, leituras e atividades mentais de boa qualidade. Por volta do terceiro dia ocorre a crise de fome ou sede extremas, que dura de um a dois dias, devendo ser superada com concentração e força de vontade. É a hora da decisão e da confirmação da qualidade própria do indivíduo, da sua condição e constituição. Podem sobrevir náuseas, fraqueza, dores, inquietação e insegurança. A partir daí inicia-se um estado gradual de bem-estar, de otimismo, de fortalecimento das capacidades superiores, de tranquilidade, plenitude, paz e harmonia profundas. Sem dúvida, é um exercício de desapêgo às coisas materiais e de solidariedade universal.

Nota-se, principalmente naqueles muito loquazes, uma diminuição na vontade de falar, pois de outra forma torna-se cansativo. O que é muito salutar, pois em geral fala-se excessivamente. O ideal é que o praticante já tenha experiência prévia com uma alimentação mais restrita, assim sente menor dificuldade e consegue maior aproveitamento. Nesse caso, há pouca perda de peso, mesmo porque pressupõe-se que esse indivíduo já tenha um peso adequado e consolidado. As pessoas que possuem carência de massa corpórea, por terem baixa assimilação dos alimentos e órgãos internos cansados, aumentam de peso após o jejum, caso o mesmo seja bem conduzido. É também uma ótima oportunidade para se aprender a respirar corretamente e a melhorar a flexibilidade do sistema ósseo-muscular e do pensamento.

No jejum adquire-se uma clareza de raciocínio, agudeza de visão, intuição e discernimento que podem ser mantidos pelo resto da vida. A pessoa amadurece e adquire um maior autocontrole sobre os seus corpos físico e mental. Podemos estabelecer um paralelo entre o jejum físico e o jejum mental, chamado de meditação. Quando os dois são praticados ao mesmo tempo, há uma conjunção de fatores em que um reforça o outro, com um resultado muito maior. Como a atividade física e o metabolismo orgânico são diminuidos, em consequência há a maior disponibilidade e interesse por exercícios mentais e sutis, ainda com maior aproveitamento. Cabe a cada um avaliar na prática os resultados em si mesmo, nesse aspecto das experiências transcendentais.

Durante a supressão de alimentos, deve-se beber moderadamente, somente o necessário, água de fonte de boa procedência e chás de ervas positivas, levando-se em consideração a natureza da pessoa. São muito indicados os chás de cereais integrais tostados, especialmente o de arroz. Deve-se precaver com o princípio muito divulgado de "tomar o máximo de líquidos possível". Forçar o corpo a ingerir líquidos, especialmente durante um jejum, pode trazer sérias consequências. Entre elas, um desequilíbrio mineral, celular e sanguíneo, caracterizado pela carência de sódio, denominado hiponatremia, sobrevindo em alguns casos a morte. Beba com bom-senso, não se deixando enganar pela falsa sensação de sede ou ansiedade.

Para o jejum ter resultado positivo, é necessária uma preparação, quando se reduz gradualmente a ingestão de alimentos, já tendo eliminado antes os muito energéticos e os proteicos. Mas a motivação, a determinação, a concentração e a atitude são fundamentais. Deve haver também, especialmente, o compromisso consigo mesmo para se controlar quando iniciar o desjejum, ou seja, voltar a se alimentar. Essa fase de recuperação pode levar de 30 a 60 dias, dependendo da pessoa e da duração da prática, quando se procede à escolha e preparo cuidadosos do alimento, devendo-se resistir à enorme fome que advém. Contrariando-se isso, além do jejum ser prejudicial, pode inclusive atingir a reserva de capacidade fisica do organismo. Nesse período, assim como no do jejum em si, evitam-se atividades físicas pesadas e choques emocionais.

Ao reiniciar a alimentação, o mais simples creme de arroz integral, preparado adequadamente, assume uma importância extraordinária, sendo um verdadeiro manjar, uma dádiva da natureza, perante o qual se sente um profundo respeito e gratidão. Doravante, muitos dos maus hábitos alimentares praticados anteriormente podem ser suprimidos e torna-se até mesmo difícil repetí-los.

O jejum é contra-indicado às pessoas com doenças graves e degenerativas, às com altos níveis de intoxicação, àquelas com déficit de peso pronunciado, às em estado de muita fraqueza, às que não tem autocontrole mínimo sobre a ingestão de alimentos, às anêmicas profundas, às que têm tendência a esforços físicos exagerados e àquelas com impulso de manter relações sexuais durante e logo após a abstinência alimentar.

Há um ditado chinês que diz: "todos os homens deveriam em sua vida ter tido um filho, plantado uma árvore e escrito um livro". Acrescentamos: "e ter feito um jejum".

Brasília, 24 de maio de 2005

Humberto DF
Enviado por Humberto DF em 30/11/2005
Reeditado em 16/03/2006
Código do texto: T79173