natal, tempo de reflexão?

A solidão não é um sentimento estranho a nenhum de nós. Poderia até ser argumentado que ela é a base para a criação de toda arte com algum merecimento genuíno. O mesmo poderia ser dito da melancolia, descaso e abandono, todas feridas profundas no coração, verdadeiramente sentidas apenas por aqueles que as recebem. Os que as carregam não são exatamente culpados, pois são resultados de interações passadas em suas próprias vidas. O sofrimento é uma constância, um resultado do construto social, mas principalmente da gênese da consciência humana. Deve ser aceito como um fenômeno natural, como a gravidade ou o ciclo lunar. No entanto, diferente destes, existe uma linha tênue que as separa, e esta seria a da normalização. Argumentos poderiam ser formulados para ambos os lados, seria correto? Ético? Moral?

Sem pretensão de afirmar, defender ou construir, escrevo apenas como reflexão, talvez acompanhada de uma tola conclusão. Não é o papel que geralmente assumo com minhas palavras, mas como delas sou rei, uso-as como desejo, sem objetivo formal. A relação entre nós, meros mortais, carrega consigo nuances extremamente complexas, abrangendo o território do divino juntamente com o do horror. Estas relações distorcem conceitos bem estabelecidos, como por exemplo, no qual um beijo dura tecnicamente um segundo, mas permanece guardado nas profundezas da alma por uma eternidade. Ou como anos de sofrimento em uma relação se tornam perguntas desesperadas e estranhas, carregando consigo a sensação de que talvez tenha havido um exagero do sentimento negativo na época. Ou ainda, um segundo de rejeição recebido diariamente ao abrir os olhos, durante todos os dias pelo resto de sua vida. E, por fim, meses de amor recíproco tornem-se uma fonte seca na qual olhemos futuramente e esqueçamos sua razão de ali estar.

Nossa mente possui esta elasticidade, muitas vezes apreciada, muitas vezes desprezada. Por isso pergunto, qual o valor do sentimento? Esta é mesmo uma pergunta válida em si? Talvez a resposta não seja tão complexa ou abstrata. O valor do sentimento está no peso que deposita em nossa caminhada. Sua solidão pesa seus passos ao ponto de impedir sua caminhada, ou ela é utilizada para gerar energia para uma corrida? Esta é a forma de medir um sentimento e o que mais me surpreende, mesmo depois de todos estes anos observando e participando ativamente do convívio social imposto a mim, é como deixamos de refletir sobre isso.

Como minha ação displicente, sem aparente consequência em minha existência a curto ou longo prazo, pode ter um efeito catastrófico e criar um deserto no coração de outra pessoa? Como podemos afirmar sermos seres evoluídos e bondosos carregando este poder sobre nossos iguais sem ao menos reconhecer sua existência? Como podemos arrastar os outros pela lama sem ao menos olhar para trás ou perceber que de lá talvez nunca consigam se levantar?

Nunca deixarei de me surpreender com a ausência de responsabilidade social que nos assola e não é reconhecida, como ela é normalizada. Quantas pessoas você feriu com um olhar? Quantas salvou com um agradecimento?

Nesta época do ano, gostam de falar sobre reflexão. Não reflitam, é inútil; somos o que somos e nunca mudaremos. Essas são minhas últimas palavras para este ano. Não tenho esperança alguma de que realmente façam qualquer diferença, mas se você chegou até aqui, agradeço pelo seu tempo e espero que saiba: arraste-se pela lama ao mesmo tempo que joga outros nela. Todos somos como porcos ignorantes confundindo incansavelmente coisas brilhantes com ouro.