Uma História do Surfe na Ribeira Grande (I Parte)

Começa no Sul. Em S. Miguel, a prática do surfe (em pé em cima de uma prancha), ‘já com regras, torna-se regular a partir dos anos 80. É a geração de 80-90.’ ‘O Primeiro Meeting de Surf data de 1985. Tem lugar na Praia do Pópulo.’ Berço deste tipo de surf em São Miguel. Diz Pedro Arruda que está a trabalhar a História da modalidade nos Açores. E ‘Há uma primeira associação de surfe ligada [e não só] à Escola Antero Quental.’ É organizada (então) uma primeira competição. Não foram os primeiros a surfar na Ilha, no entanto, seriam eles a dar o ‘empurrão’ que faltava. E ondas boas? A Norte em Santa Bárbara e na Areia (Monte Verde). Como chegavam aqui? Pedro Medeiros, um dos ‘aventureiros’ de oitenta, hoje Bibliotecário e Arquivista, explica-me: ‘Era sabido que o mar era perigoso na Ribeira Grande. Logo, havia ondas.’ ‘Comecei a vir ao Monte Verde em 83/84. Já tinha ido em 81/2 ver surfar amigos em Santa Bárbara. Mas nesta altura não surfava ainda. Subíamos a canada Duarte Borges. Pedíamos boleia na estrada da Ribeira Grande a carrinhas de caixa aberta.’ Geralmente era um grupo que ia dos tês aos cinco. A do Victor da Espelhadora é a mais célebre de todas. Era um pouco mais velho do que os companheiros, como era também surfista e trabalhava até aos sábados de manhã, levava a malta (toda a gente se tratava por José, José Victor, José Pedro, etc..) consigo numa carrinha de caixa aberta nos sábados à tarde e aos Domingos. Luís Melo, professor de Educação Física, outro desse tempo, testemunha outra forma de lá chegar: ‘a camioneta. Com a prancha no porta-bagagens. Às vezes a camioneta ia pelas freguesias.’ Ou, quem diria, à boleia dos camiões de areia que iam encher areia a Santa Bárbara. Só depois (já com cursos e emprego) é que vieram os carros. Iam quase (ou mesmo) às escondidas dos pais. Conta Pedro Arruda, começa a surfar com 14, 15, 16 anos, e chega às ondas da Ribeira Grande em 1988-9: ‘ir aos areais do Monte Verde (Areia) e de Santa Bárbara era como se fôssemos à socapa. Enfrentávamos a oposição das nossas mães. Aqueles areais são perigosos. Repetiam-nos.’

Havia alguém da Ribeira Grande? Pedro Arruda: ‘Não, não via ninguém dali na água, os primeiros surfistas da ilha eram todos da costa sul: Ponta Delgada e Vilafranquenses. Principalmente. Só no final dos anos 90 é que começam a aparecer alguns miúdos locais da Ribeira Grande.’ Falando com gente que fez parte dos ‘primeiros’ surfistas (até agora) conhecidos, descobri que não terá sido bem assim. Sendo a História dos primeiros passos uma baseada (sobretudo) na memória oral de diversas pessoas de diferentes idades, é inevitável que isso aconteça. Havia – consegui apurar -, (já então) ligações (como não poderia haver numa ilha como a nossa) à Ribeira Grande. Como? O Bruninho (meu vizinho na Ribeira Grande na rua do Botelho até o aeroporto ter sido transferido para a Nordela), é um bom exemplo do que falo. Sobrinho do Carlos Garoupa (pelo lado da mãe) conhecia bem as ondas das Poças. Mudou-se para Ponta Delgada ainda muito novo, mas manteve sempre ligação à Ribeira Grande. É possível que haja outras ligações? É. Outro exemplo, mais tarde, o Luís Melo (apesar de ser de Ponta Delgada) fez a Pré-Primária e a Primária na Ribeira Grande. Na década de oitenta, não deveria haver mais de vinte surfistas na Ilha. Aprenderam de várias formas. Uns, tendo visto surf em Lisboa ou em revistas, punham-se a tentar equilibrar-se numa prancha. É o caso do Pedro de Medeiros. Outros, tinham colegas de Lisboa, cujos pais haviam sido transferidos para a Ilha. Foi o caso do João Brilhante. As pranchas eram (habitualmente) mandadas vir de fora. Também houve pranchas deixadas atrás por surfistas de fora (australianos, por exemplo). Segundo Pedro Medeiros (Violante), o primeiro na Ilha a fazer uma prancha igual às que vinham de fora, foi o Chico Melo. E a primeira loja a vender pranchas, segundo Paulo Melo, terá sido a André Jamet. Os primeiros fatos eram os usados no mergulho.

Que têm de (tão) especial aquelas praias? Perguntei a Pedro Arruda: ‘A resposta mais simples é a qualidade das ondas. Mas tem a ver com várias coisas o facto de ser praia com fundo de areia. Estar virada a norte e exposta às ondulações. O tamanho das praias com várias i ok das ou picos como nós chamamos. Ondas.’ De que quadrante são as melhores? ‘Ondas Norte com vento Sul são as condições ideais.’ Pergunto-me. E quando é que a Ribeira Grande começou a gostar de ondas? Desde sempre? Seria um gesto tão natural como nadar? Ou trazido por alguém? Quando e por quem? Não sei. O que sei é que, os testemunhos orais, apontam (pelo menos) para a década de quarenta do século passado. Manuel Carreiro Moniz (Manuel Frade), já passa dos oitenta e pico de anos, diz-me ‘tanta vez que foi apanhar a onda à baixa-grande!’ Ou até para antes, acrescenta ele: ‘Já os mais velhos faziam isso!!.’ Quanto tempo antes? Lá fora, atrás da baixa Grande (hoje desaparecida), apanhava-se boleia das ondas. Era ver quem apanhava as mais fortes e ia mais longe. Era uma (certa) forma de se provar (a quem via) a sua valentia. E virilidade. Saltando no tempo, em 1972-73, Mário Teixeira (hoje engenheiro), Carlos Teixeira (empresário nos Estados Unidos da América) Rui Coutinho (Professor Doutor) e Paulo Barbosa de Lima Costa (Barriga) (Professor, já falecido): de boia, de colchão ou (calculem) de barriga, iam apanhar a boa onda (atrás da baixa Grande: hoje destruída), esperavam que a onda rebentasse e iam nela às vezes até à ribeira. Usavam barbatanas para chegarem rápido à onda. Era sobretudo no mês de Agosto. Mês dos vagalhões. A malta ficava cá de terra a vê-los. Por fim, na década de oitenta ou um pouco antes (chegaram) as pranchas de ‘bodyboard.’ Portanto, ‘fazer carreiras’ (como se diz no sul. No norte ainda não registei, mas era diferente.) era uma prática já (aqui) enraizada. Se assim foi, o surf veio ao encontro de algo que já se ‘praticava’ na Ribeira Grande. Ao andar ‘de boleia’ nas ondas de barriga acrescentou-se o andar de pé sobre uma prancha. Aliás, segundo a página da Federação Portuguesa de Surfe, ‘o Bodysurfe é considerado, por muitos, a mais pura forma de surfe, devido ao facto o surfista utilizar o seu corpo para deslizar nas ondas.’ Terá sido assim? Como via a Ribeira Grande os surfistas (de fora)? Espreitava-os com curiosidade. Alguns dos mais novos queriam imitá-los. Os mais velhos achavam que eram uns (tantos) drogados. Outros, que eram uns ‘meninos bem da Cidade’ [entenda-se: Ponta Delgada]. Ou apenas estrangeiros que falavam inglês. Outros (sobretudo pais), sentiam (muita) pena dos ‘coitados dos pais,’ pois achavam que qualquer dia ‘o mar ia levá-los.’ Numa tarde de Outono, em 1983, o meu amigo Alfredo da Ponte, que ao ler (e comentar como costuma) este trabalho no jornal recordou a sua primeira experiência de ver um surfista, e me mandou esse testemunho: ‘O primeiro surfista que eu vi na Ribeira Grande foi em 1983, nas ondas da Areia. Comigo estava o Ti Mariano Frade e mais dois homens, diante daquela taberna próxima das Poças [a do Domingos, hoje Galeria 33, na rua do Castelo, n.º 4], numa tarde de outono. Chamou-nos atenção um objeto negro no mar, fazendo questão ao pessoal de ser golfinho ou tubarão. E quando menos se esperava, a coisa preta virou homem-rã, e meteu-se em pé numa tábua, à frente de uma onda, e com ela foi parar ao areal, maravilhando os espectadores. Já tinha visto em filmes. Pessoalmente aquela foi a primeira vez.’

E os surfistas? O que será que pensavam da Ribeira Grande? Iam e vinham. Se sentiam fome, iam ao Faria. Diz Pedro Medeiros: ‘Como havia pouco dinheiro, comprávamos pão e queijo no [Restaurante] Farias. Era isso que se comia o dia inteiro.’ Outra forma de contacto era a conversa com a ‘boleia.’ Além disso, pouco mais. Alguns, interessados também no futebol, seguindo as notícias desportivas (as equipas da Ribeira Grande dominavam o futebol da Ilha), teriam uma imagem positiva da Ribeira Grande; pelo contrário, pelo que se passava à volta da extracção da areia, de que eram testemunhas directas, teriam uma imagem bem ‘negra.’

Quem terá sido o primeiro na Ribeira Grande a passar para a prancha de surf? Os colegas parecem não ter dúvidas: foi o Tiaguinho Piné (Tiago Manuel Correia do Couto). Dali da rua do Castelo (mesmo diante das Poças). Quando foi isso Tiago? Em 1989 (ou o mais tardar) em 1990: ‘Tinha 16 anos quando fiz surfe.’ Fê-lo por si próprio: ‘Comecei primeiro pelo Bodyboard, depois fui para o Surfe. Foi fácil porque fazia já Skate e a manobra é igual. Em três dias pus-me em pé na prancha.’ ‘Aprendi comigo. Via brasileiros e os da Cidade.’ Como? ‘Comprei uma prancha ao João Brilhante. De 2.ª mão. Uma Carcavelos.’ E conta: ‘O 1,º e o 2.º pico de Rabo de Peixe antes das obras. Antes do quebra-mar das Poças, às vezes apanhava as ondas atrás da baixa Grande – perto do castelo – e ia muitas vezes até à ribeira.’ Tiago (dizem-me os com quem falei) atacava as ondas de costas. É um ‘goofie foot.’ Como são (alguns) dos melhores da Ribeira Grande. Tem (actualmente) a prancha rachada ao meio.

Em 1996, surgiria (finalmente) a primeira leva de surfistas da Ribeira Grande. Graças ao João Brilhante (e à Associação que criou – com outros dois colegas -, em 1995). João, de Ponta Delgada, completara 26 anos em Abril. Já vinha surfar à Ribeira Grande desde a década anterior. Pugnou por um Surfe (como projecto) Social. Seria (em 2001) convidado (juntamente com o Jorge de Rabo de Peixe) a ser o primeiro nadador-salvador de Santa Bárbara. No entanto, desiludido com o excesso (segundo ele) de Surfe (só) comercial (bem como acalentando outros projectos) afastou-se. Diga-se (em abono da verdade) que os miúdos entre 10 a 12 anos que João Brilhante (por amor à modalidade) desafiou (na Ribeira Grande) a fazer surfe em 1996, já faziam (nas Poças ou na Areia) ondas com pranchas de Bodyboard ou com tábuas (feitas artesanalmente). A maioria morava perto das Poças e da Areia. Por esta altura, João fazia o mesmo nos Mosteiros. Recorda João Brilhante: ‘Via a rapaziada em pranchas de bodyboard e fui desafiá-los.’ ‘Cheguei a ter uns cinquenta a sessenta rapazes. Da Ribeira Grande e de Rabo de Peixe.’ O João Almeida (Alface) reclama que foi (entre eles) o primeiro (ou um dos primeiros) a ser abordado. Outro destes miúdos, o Marinho Buraca (Mário Santos, aqui todos têm apelidos, já dizia Arruda Furtado no século XIX: ‘Com doze anos comecei a ir aprender a fazer surfe aos fins-de-semana, sábados e Domingos, das 9 às 10 horas (mais ou menos). O João Brilhante e a Micas traziam as pranchas. Era na Areia. Quando não havia ondas, íamos para Santa Bárbara. Entrei na primeira competição de surfe ali no Monte Verde.’ Outro, Paulo Luís Sousa (conhecido por Pilão, empresário da PMS Transportes): ‘O João Brilhante tinha um projecto de valorizar a Praia do Monte Verde. Sempre teve. Através do Surfe. E valorizar os jovens.’ O irmão gêmeo de Paulo Luís, Pedro Miguel (Pilão) (é hoje dono da Fuseiro, uma empresa marítimo-turístico): ‘Víamos o Tiago, o primeiro surfista daqui, que nos incentivava. Ele ia a ondas que ninguém ia. Depois veio o João Brilhante com os materiais certos e ensinou-nos.’ Outro dos pioneiros, João Vieira (Correia), hoje empresário de restauração e presidente de um clube de futebol: ‘Tinha uns 14 ou 15 anos (c. de 1997) o João Brilhante veio ter comigo o com os outros rapazes. Disse logo que sim. Aprendemos na Areia, Quase nunca íamos ao areal de Santa Bárbara. O João a mim nunca levou nada.’ Depois de aprender, ‘a gente ía à boleia para o Pópulo. E a pé para as Prainhas na Ribeirinha. Ali é uma boa onda. Uma boa onda era a de Rabo de Peixe antes das obras no porto. No Monte Verde havia duas boas, uma da esquerda e outra na direita.’ Já não fazes surfe? ‘Gostava. Com dois negócios, tenho pouco tempo. A prancha está arrumada.’ Ainda outro é João Dâmaso [Pereira da Silva] (neto do industrial José Dâmaso) que é hoje engenheiro civil. Morava perto das Poças (e da Areia) era amigo dos Pilão.

Se, em 1989/90, o Tiago terá sido o primeiro surfista (reconhecido) da Ribeira Grande, em 1997, a Patrícia Misse (Moniz Ferreira) terá sido a primeira surfista. Tinha uns doze anos de idade. Filha de um dos banheiros das Poças (e antigo futebolista) Manuel Misse (Manuel Grilo Moniz). Sem dar ‘cavaco’ ao pai ou à mãe, porque já ia às ondas na baixa Grande, e via os rapazes na Areia, foi pedir ao João Brilhante que lhe ensinasse a surfar. Vive há dois anos em Bruxelas. A Patrícia já não pratica surfe e nunca entrou em competições. Mas adorava as ondas. Quem foram aqueles alunos de João Brilhante? O Pedro Sousa (Pilão) enviou-me cópia de uma fotografia de um grupo desta primeira leva. Dos 27 rapazes (só rapazes) da foto, tirada pelo João Brilhante (a Micas estava lá, dizem-me) no verão de 1996 ou no de 1997, a maioria morava nas ruas próximas da Areia (e Poças). Não há raparigas na foto, mas houve pelo menos duas. Tinham idades entre os 9/10 e (talvez) os 13/14 anos. Uma média de 11/12 anos. Era Verão, usavam apenas calções de banho. E quatro pranchas de surf (feitas pelo João Brilhante, dizem-me) e cinco de bodyboard (de cinco deles). Ou seja, dezoito tinham de esperar pela sua vez (daí a algazarra?). Um pormenor, nem todos os habituais estão na fotografia. Por exemplo, o João Correia (Vieira). Um desses miúdos (o Luís Sousa - Pilão) foi o primeiro açoriano a passar uma fase numa competição Nacional de Surfe. Isso em 2008. Mereceu destaque de um jornal: ‘No areal de Santa Bárbara, o atleta inscrito na Associação de Surf de São Miguel tornou-se no primeiro açoriano a ultrapassar uma ronda de uma prova do Nacional, enchendo de orgulho os responsáveis associativos micaelenses e todos os adeptos da modalidade.’ Ao jornal, o Luís referiu: ‘Foi muito complicado, com muito vento e alguma corrente. As ondas não estão muito boas. Limitei-me a procurar o melhor sítio para estar na onda.’ Fez parte da geração que (re)activou a associação de Surf criada pelo João Brilhante (e colegas). Ajudou a ensinar Surf à leva seguinte. Um outro (o Ângelo Medeiros – Ferreta, está algures no Brasil) era talvez (diz, modesto, o Luís Sousa) o mais habilidoso de todos. Junta-se ao grupo (pouco depois) (entre outros), o João Victor Melo (Mocho). O grupo construiu em madeira uma casa (barraca) de apoio (onde deixava as pranchas): ‘Ficava do lado de lá da ribeira, quase a meio do areal, num pedacinho de terra quase detrás do que foi a peixaria Almeida. Com o aumento do Passeio Atlântico, hoje ficaria situada mais ou menos na primeira curva depois da ponte. Tinha uns 2 metros de fundo por uns três de frente. Lembro-me que na cheia que levou carros e vitimou uma senhora [10 de Setembro de 1997], estávamos lá. E de um surfista havaiano do top mundial que andou lá connosco. Por esta altura, formava-se uma onda perfeita mesmo ao pé do carro que a ribeira arrastara. Conheço fotografias desta casa.’ O João, diz-me o Paulo, repetia-nos que aquela praia (Monte Verde) precisava de vigilância e de resolver o problema dos esgotos. João Almeida (Alface), acrescenta que o João Brilhante ‘Chegou a ter várias conversas com o Presidente [da Câmara, António Pedro] que se comprometia a manter a praia limpa e segura e lá avançaria com o projecto do surf. Bastava que fosse nadador-salvador.’ O que é confirmado pelo próprio João Brilhante: ‘Eram três os objectivos: saneamento da praia, segurança e formação. Ia às reuniões da Câmara às quartas-feiras [tempo do António Pedro]. Nunca nos apoiaram. Limpamos a praia e tudo. Fiquei desiludido. Às tantas veio alguém da Juventude Social-democrata propor um evento na praia (Monte Verde) com jogos e até gelados. Recusei. Mas no programa continuou a constar o surf. Em Outubro de 1999 – até 2000 -, saí da ilha (fui para Inglaterra). Deixei os miúdos. A Associação deixou. Quiseram aproveitar-se do trabalho feito.’ Terminaria desse modo a primeira intervenção da ASSM na Ribeira Grande.

Tal qual o Tiago, outros (também) aprenderam consigo próprios. Com apenas 12 anos, apareceria outro ‘goofie foot.’ (pé direita à frente na prancha) No activo, o homem que domina as ondas gigantes e serve de apoio ao maior recordista da onda da Nazaré. O Marco Medeiros (Frade) também passa do Bodyboard para o surf. O irmão Miguel está no grupo de João Brilhante, e é primo dos gêmeos Pilão e outros ‘Frade’ (também do grupo de Brilhante). Era da rua da Praça um pouco mais acima das Poças: ‘alguns surfistas estrangeiros paravam na bomba de gasolina dos bombeiros e perguntavam onde podiam encontrar ondas. Ia com eles e aprendi.’ É o responsável pela Associação de nadadores-salvadores da Costa Norte. O José Moreira (hoje piloto da SATA), comprou em 1998/9 a sua primeira prancha aos 14 anos. Morava na rua de São Sebastião (na Conceição). Bastava-lhe descer a rua para chegar à Areia. Aprendeu consigo próprio. O João Victor ‘transitou da prancha do bodyboard para a do surf aos 15 ou 16 anos já em 2000/1.’

Por esta altura, a fama dos areais da Ribeira Grande havia (já) ultrapassado os horizontes da Ilha. Com novas vias de comunicação, tornaram-se mais acessíveis (ao resto da Ilha). Em 2000 ou já em 2001, Luís Melo ‘promoveu a modalidade assim como ensinou a mesma às crianças e jovens de Rabo de Peixe.’ Antes, ‘usavam as chatas (feitas de bidões) e pranchas de esferovite (das caixas de peixe envoltas em adesivo castanho largo).’ Aí (até 2004) estaria envolvido primeiro num projecto da Kairos depois no do Clube Naval de Rabo de Peixe. Sairia dali, o talento de João Flores (que haveria de trocar o surf pelo futebol). Foi responsável pela organização de competições locais: ‘Em 2001 e 2002 organizei o clube K surf tour. De 2003 em diante até 2007 organizei o circuito de surf e bodyboard - Espaço Azul/Clube Naval Rabo de Peixe.’ Isso, tanto nos Areais (Santa Bárbara) e Monte Verde. Dos (da Ribeira Grande) que haviam aprendido a surfar com Brilhante, apesar de haver outros que iam, apenas o Luís (Pilão) participa regularmente. A semente (no entanto) deu fruto. O Luís e o Pedro Sousa (Pilões), o João Almeida (Alface) e o João Victor (Mocho), a partir de 2007/8, formam uma segunda fornada de surfistas. Entre outros: ‘o Eric Medeiros (Frade) (Naruto), da Vila Nova, o Malão, dos Foros, o Leonardo. Os irmãos Cabral: Luís, Ricardo e Sara. O Tomás Anselmo, o Gil Faria, o João Alves.’ Outros miúdos nascidos ou com pais da Ribeira Grande, aprendem com Luís Melo. Em 2003, Crispim (o pai era Presidente do Clube Naval de Ponta Delgada), ao lado de João Flor e de muitos outros, aprende a surfar no Clube Naval de Rabo de Peixe. Muitos destes miúdos de Rabo de Peixe, segundo alguns surfistas da década de oitenta, ‘começaram por ver a gente na água e aos poucos iam lá ter ao pico da onda pequeno cá dentro junto a nós apanhar ondas. Isso antes das obras do porto. Faziam ‘bodyboard’ com pranchas de madeira. Ou de tudo o que apanhava. Foi-se formando um grupo. A princípio, só iam quando nos lá estávamos.’ No ano seguinte a que Crispim se iniciou, a irmã Sofia, as primas Carolina e a irmã Teresa, e a amiga Joana Lima também se juntam aos miúdos de Rabo de Peixe. Tudo isso iria (e muito rapidamente) mudar. A realização de campeonatos nacionais e internacionais, a partir de 2008, e os voos de baixo custo das companhias aéreas, a partir de 30 de Março de 2015, seriam os (principais) responsáveis pela mudança. A era ‘dos aventureiros’ (com preocupações sociais) daria (então) lugar à dos ‘turistas de surfe.’

Areias – Rabo de Peixe (Concelho da Ribeira Grande) (continua)

PS: Saberei onde me estou a meter? É arriscado tentar fazer História de algo tão recente, porque, em parte, dependo da memória dos intervenientes. Estou minimamente consciente disso. Mas vou arriscar. E proteger a minha narrativa. Vou abrir-me ao debate, publicando no jornal o que for apurando. Mesmo assim, sei que só chegarei a uma aproximação plausível. Para isso, vou tentar confrontar depoimentos, encontrar documentos escritos. No fundo, pretendo apenas encontrar um fio condutor à relação da Ribeira Grande com o surfe.

Mário Moura
Enviado por Mário Moura em 11/01/2024
Código do texto: T7974119
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