A participação popular na política: suas armadilhas e alternativas

A participação popular na política: suas armadilhas e alternativas

“Rem publicam verbo retinemus, re ipsa vero iam pridem amisimus ”

(Escrito de Cícero durante o domínio de Roma por César. Significa: Mantemos sim a República de nome, mas de fato já a perdemos”. Extraído de Estado, Governo, Sociedade; Bobbio, Norberto – Ed. Paz e Terra; 21ª edição – pág. 86.)

O desejo das classes menos favorecidas nas sociedades modernas sempre foi o de ascensão política para que suas pautas fossem atendidas pelo Estado. Em momentos históricos representantes destas classes se organizaram para encaminhar estas demandas.

No entanto é necessário considerar que a forma da organização política tem um modo de ser constantemente conservador. (MICHELS, 1982, p. 219)

Com seu propósito de substituir o poder constituído nascem os partidos operários caracterizados por uma organização suficientemente abrangente e sólida. Este partido acaba por constituir-se por uma forte centralização e, desta forma, tem por alicerce a mesma autoridade de disciplina do Estado gerido pelo governo conservador que busca desconstituir do poder. Sem se dar conta, passa a agir como um partido de governo no anseio de assumir o poder do estado. “Ele tornou-se, assim, um partido de governo, ou seja, organizado como um governo em miniatura, ele espera poder assumir um dia o governo verdadeiro” (MICHELS, 1982, p. 221)

Nesta perspectiva Robert Michels apresenta o entendimento de que o partido operário, para se manter, adota uma forma de organização espelhada no seu adversário político. E, em certa altura de suas argumentações, expõe o tendão de Aquiles de todo partido que se pretende revolucionário num Estado capitalista. Diz ele: “O partido subversivo organiza nos seus quadros a revolução social. Daí seus esforços cotidianos para consolidar suas posições, estender seu mecanismo burocrático, acumular capitais. Todo funcionário novo, todo secretário novo engajado no partido é teoricamente um novo agente da revolução; como toda seção nova é um batalhão novo e todo novo milhar de franco fornecidos pelas cotas dos membros ou pelas receitas da imprensa, ou oferecidos generosamente por um benfeitor simpático, é um novo tesouro de guerra para a luta contra o adversário.

Mas os diretores desse corpo revolucionário, existente no seio do Estado, apoiados pelos mesmos meios e inspirados pelo mesmo espírito de disciplina que eles não podem, a longo prazo, deixar de perceber o seguinte fato: a saber, que sua organização, apesar dos progressos que ainda possa realizar no futuro, não passará nunca, se for comparada com a organização oficial do Estado, de uma fraca e minúscula cópia daquela.” (MICHELS, 1982, p. 221)

Nestes dois parágrafos consecutivos Michels nos traz a atenção o fato de que os dirigentes dos partidos operários passam a se comportar como seu adversário político, ou seja, como “um partido de governo ”.

Mais adiante Michels avança no desenvolvimento de sua teoria chegando a afirmar que, em razão desta emulação do partido de governo, passa a sentir sobre seus ombros a mesma responsabilidade de qualquer partido de governo; qual seja: garantir estabilidade na governança. Esta ilação se encontra muito bem sintetizada no seguinte parágrafo:

“O sentimento de responsabilidade começa a despertar subitamente no partido socialista. Por isso ele reage usando toda a autoridade que dispõe, contra as correntes revolucionárias que existem no seu seio e que ele tinha visto até aqui com olhos indulgentes. Em nome da grave responsabilidade que lhe incumbe e da qual sente agora todo o peso, ele reprova o antimilitarismo, repudia a greve geral e renega todas as ousadias lógicas do seu passado.” (grifo nosso) (MICHELS, 1982, p. 222)

Esta consideração fundamental, nesta altura, já nos faz questionar se esta via – partidária – é realmente capaz de atender aos anseios da classe operária e seus congêneres. Por este motivo trago para este ensaio as alternativas apresentadas por Alain Touraine que serão expostas mais adiante.

Vemos aqui que o “sentimento de responsabilidade” não está mais com uma mudança radical na sociedade por meio de um partido operário, mas justamente no sentido contrário. Passam a se preocupar em usar o poder que o partido possui para conter as correntes revolucionárias abrigadas pelo partido, repudiando qualquer mobilização destes seguimentos.

Ao refletir sobre esta consideração me vem à mente o fenômeno ocorrido durante a República de Weimar. Nesta época o Estado Alemão era governado por Friedrich Ebert do Partido Social Democrata da Alemanha que, ao assumir o poder, passou a ter o mesmo “sentimento de responsabilidade”. Neste caso foi praticada a mesma perseguição aos revolucionários, não por dentro do próprio partido, mas em relação a movimentos de esquerda que estavam fomentando a sociedade civil, mais especificamente a classe operária. Movimentos cujos integrantes promoviam manifestações com o intuito de exigir do atual governo o cumprimento da Constituição recém promulgada, especialmente no que tange aos dispositivos constitucionais em favor dos menos favorecidos; bem como a proposta de um Estado Alemão socialista. Para fazer valer a almejada estabilidade social exerceram seu “sentimento de responsabilidade” pactuando com a extrema direita. Sendo que estes tinham como braço armado membros importantes da polícia, das forças armadas e os “Freikorps ”. O resultado histórico disto foi um governo que foi conivente com o assassinato de Rosa Luxemburgo, Karl Liebknecht e Wilhelm Pieck, todos membros da Liga Spartacus, e um caminhar para o nacional socialismo .

A percepção perspicaz de Michels quanto ao custo de se tornar um partido espelhado de um “partido de governo” decorrente da responsabilidade que os dirigentes passam a sentir em decorrência do que considera a governabilidade e, desta forma, se valendo de todo expediente para combater os quadros revolucionários do partido, posto que a prevalência destes causam instabilidades indesejadas culminam na seguinte frase: “as tendências conservadoras inerentes a todas as formas de posse se manifestam igualmente no socialismo”. (MICHELS, 1982, p. 223)

Por mais que alguém possa considerar que algum partido operário que se constitua nestes moldes ainda assim possa resistir ao que foi descrito até aqui, ainda há um outro fato implacável que Michels passa a expor que resultará nas mesmas consequências acima apontadas:

“... o interesse pessoal de milhares de honestos pais de família cuja vida econômica está indissoluvelmente ligada à existência do partido e que tremem com a ideia de perder seu emprego e com as consequências que teriam que suportar se o governo procedesse à dissolução do partido, o que poderia facilmente ocorrer em caso de guerra.” (MICHELS, 1982, p. 223)

Aqui o autor apela ao aspecto econômico da vida dos dirigentes do partido socialista. Sua condição de dirigente é o que lhe proporciona o sustento de si e de sua família. Promover uma “tática enérgica” poderia comprometer o trabalho de décadas que são a fonte de renda de todos os dirigentes do partido; e porque não dizer, comprometer o partido em si.

Desta forma conclui que “a organização deixa assim, de ser um meio, para tornar-se um fim”. (MICHELS, 1982, p. 223)

Neste ponto Michels afirma que estas questões não constavam das previsões elaboradas por Karl Marx; acusando-o de “fechar os olhos, pelo menos diante do grande público, às faltas graves cometidas pela democracia socialista alemã em 1876”. (MICHELS, 1982, p. 224). Fica aqui minha discordância a esta afirmação tomando por base a considerações realizadas por Karl Marx em “Crítica ao Programa de Gotha” em que, por exemplo, critica as subvenções estatais conferidas ao Partido Socialista dos Trabalhadores da Alemanha. Sem deixar de considerar as necessidades fáticas das quais resultou uma das célebres frases de Karl Marx: “cada passo do movimento real é mais importante do que uma dúzia de programas”.

Feitas estas considerações, que me parecem as principais críticas à criação de um partido operário como forma de se apoderar do governo do estado para operar as mudanças revolucionárias que ostentam em suas bandeiras e em sua ideologia, Michels nos apresenta outros problemas de ordem de estratégica. Sendo muito interessante a que passo a transcrever:

“... na sua carta aberta no comitê da Associação Alemã de Leipzip, Rodbertus escrevia isto: “Vocês se separam de um partido político porque este, como vocês pensam e com razão, não representa suficientemente seus interesses sociais. Ora, vocês têm a intenção de fundar por sua vez um novo partido político. Muito bem. Mas quem lhes garante que os adversários da sua classe (dia antisozialen Elemente) não terminarão um dia se infiltrando e se apoderando do partido que vocês fundarem?” (MICHELS, 1982, p. 232)

Próximo de suas conclusões finais sobre este tema Michels resume todo o exposto com palavras que podem ser facilmente compreensíveis por qualquer pessoa que acompanhe a política institucional de uma sociedade regida pela democracia burguesa. Nos faz concordar com suas considerações em razão de suas descrições do mundo factual dos partidos de origem popular e seus membros no transcurso do tempo em suas atividades institucionais e de gestão do partido:

“A história parece nos ensinar que não existe nenhum movimento popular, por enérgico e vigoroso que seja, capaz de provocar no organismo social do mundo civilizado transformações profundas e permanentes. É que os elementos preponderantes do movimento, a saber os homens que o dirigem e o alimentam, terminam por se afastarem pouco a pouco das massas e por serem atraídos pela órbita da “classe política” dominante. Eles trazem talvez poucas “idéias novas” a esta, mas em contrapartida muito mais força criativa e inteligência prática e lhe insuflam, assim, uma nova juventude.

A “classe política”, para servir-nos ainda da expressão de Mosca, possui incontestavelmente um sentimento muito aguçado das suas possibilidades e dos seus meios de defesa. Ela emprega uma força de atração e uma capacidade de absorção poderosas que raramente permanecem sem efeito, mesmo sobre seus adversários mais ferozes e mais intransigentes. Do ponto de vista histórico, os anti-românticos estão completamente certos quando resumem seu ceticismo nesta cáustica sátira: “O que é uma revolução? Pessoas que se dão tiros de fuzil na rua: isso quebra muitos vidros; os únicos que lucram com isso são só vidreiros. O vento leva a fumaça. Os que ficam em cima colocam os outros embaixo... É uma pena ter que remover tantos paralelepípedos honestos que não resistiam mais. (T. Gautirer)” (MICHELS, 1982, p. 236)

Muitas outras ilações de Michels, para substanciar sua tese, poderiam ser apresentadas aqui. Todas elas muito ricas em constatações fáticas e de convencimento lógico; fato que, diga-se de passagem, tornou difícil escolher as mais relevantes. Portanto, considero que aqui já temos elementos suficientes para nos questionarmos sobre quais são as alternativas para promover os anseios da classe trabalhadora e outras minorias desfavorecidas socialmente.

Robert Michels apresentou sua tese na década de vinte do século passado. No entanto me parece claro que sua tese permanece condizente com a realidade. Porém, no decorrer do mesmo tempo as classes menos abastadas, as pessoas marginalizadas e militantes destes segmentos também aprenderam com o tempo. Procuraram outras formas de alcançar seus objetivos no todo ou em parte. Novos fenômenos da sociologia política surgiram no decorrer destes contextos. Entre eles alternativas para o quadro apresentado por Michels.

É a partir deste ponto que considero as análises de Alain Torraine atuais e conectadas intrinsicamente com as críticas de Robert Michels. Diante do destino trágico e sem alternativa que Michels apresentou aos proletários que buscam a criação de um partido operário como forma de combater o governo burguês, Alain Torraine demonstra que surgiram outros meios. Sendo estes também promovidos por dentro da mesma democracia burguesa. Vamos a eles.

Diante de uma democracia burguesa em que o consumismo, individualismo e livre iniciativa são as palavras de ordem e ao mesmo tempo que as propostas socialistas de um mundo de direitos e igualdade social sofrem constantes derrotas no meio institucional, Alain Touraine nos convida a refletir sobre o seguinte questionamento: “poderemos viver juntos ou, ao contrário, nos deixaremos fechar nas nossas diferenças ou nos rebaixar à categoria de consumidores passivos da cultura de massa produzida por uma economia globalizada?” (TOURAINE, 1998, p. 112)

Alain Touraine nos apresenta, como alternativa ao modo político institucional, os movimentos sociais. Os define como algo maior do que um simples grupo de interesses ou instrumento de pressão política. Trata-se de um grupo que questiona o modo de utilização social de recursos e de modelos culturais. (TOURAINE, 1998, p. 113)

Diferentemente do modelo de “partido operário” um movimento social não se limita à promoção dos interesses da classe operária. Tem por característica romper com qualquer relação de dominação. Por meio do princípio da igualdade, busca gerar uma nova sociedade em ruptura com as formas antigas de produção, de gestão e de hierarquia. (TOURAINE, 1998, p. 155)

Para além dos partidos, os movimentos sociais correm ‘por baixo’, uma espécie de “subpolítica”. Desta forma, conclui-se que estão para além dos interesses de um “partido operário”. São pessoas desvinculadas dos meios institucionais do estado com um conjunto heteróclito de reivindicações, de protesto e de ação de oposição ao governo. Podem ser divididos em três categorias:

“A primeira refere-se à defesa dos interesses adquiridos; às vezes ela é dirigida contra os tecnocratas ou financistas, às vezes contra a chegada legítima ou inevitável de recém-chegados ou de novas formas de atividade econômica. Estas reivindicações podem ser interpretadas de maneiras diferentes, conforme o julgamento que se faz daquilo que combatem, mas em si mesmas elas são apenas ações defensivas e são incapazes de dar um significado geral ao seu combate. A segunda categoria é mais conscientemente política, no sentido de que se trata de restabelecer ou aumentar uma capacidade de decisão política ante as “forças” que se apresentam, e amiúde são percebidas como naturais, até racionais, como é o caso, por exemplo, da famosa mundialização econômica, que em geral não se procura analisar para melhor conservar seu poder de pavor. A última categoria traz em si o apelo ao sujeito, ao mesmo tempo como liberdade e como cultura, apelo que se encontra tanto nos movimentos de mulheres como nos que se preocupam com minorias, por exemplo.” (TOURAINE, 1998, p. 116)

Os movimentos sociais, por não serem instrumentos da política institucional ou de movimentos religiosos ou econômicos, ficam entre a expressão da base da sociedade e os projetos políticos dos dirigentes do Estado. Desta forma, estão em constante mudança, impregnados de tensão e de divisões internas. Não pertencem a uma visão de movimento “consciente e organizado”. Por consequência não se limitam à defesa do sujeito em face do poder dos mercados como se daria num “partido operário”. (TOURAINE, 1998, p. 118)

Por ser um fenômeno social que se encontra num lugar intermediário, qual seja entre a base da sociedade e as políticas adotadas pelos agentes da classe dominante, a mesma relação entre o sujeito e o movimento social estão para restabelecer a relação entre o mundo dos meios e dos fins, entre a racionalidade instrumental e as crenças, entre o mercado e a comunidade (TOURAINE, 1998, p. 119). Dando continuidade a esta linha de raciocínio, Touraine conclui:

“Se o mundo dos fins foi separado do mundo dos meios, como os direitos do homem foram separados das práticas, a ideia do sujeito encontra-se protegida mas também encerrada num mundo de princípios quase sempre esmagados pelo princípio do poder, como a ideia dos direitos do homem foi esmagada pela interpretação jacobina da soberania popular e como o movimento operário foi esmagado pelas ditaduras pós-revolucionárias.” (TOURAINE, 1998, p. 119)

Da mesma forma que Robert Michels nos apresenta a dura realidade do que os partidos operários se tornam no decorrer de sua existência, Alain Toureine nos apresenta um fenômeno social que surge dos movimentos societais: os antimovimentos sociais.

Este fenômeno pode decorrer de uma possível transmutação de um movimento societal, de um movimento histórico ou cultural. Outrossim, na atualidade, surgem antes mesmo dos movimentos sociais:

“Este é o caso quando um ator social identifica-se inteiramente com uma aposta cultural, por exemplo no progresso, e então rejeita seu adversário como inimigo, traidor ou simples obstáculo a eliminar. O que define um movimento societal – isto é, o conflito de atores pela gestão social de uma aposta cultural, conflito de atores pela gestão social de uma aposta cultural, conflito que nunca se reduz completamente aos interesses de um e de outro quebra-se, então, e a ação que questiona as grandes orientações da sociedade degrada-se em seita ou em mobilização autoritária.” (TOURAINE, 1998, p. 140)

“A novidade ameaçadora é que os antimovimentos sociais não são mais somente deformações, inversões – como diz Michel Wieviorka – de movimentos sociais; aparecem antes destes e com tanta força que são os movimentos sociais que têm de se esforçar para se formar e combatê-los.” (TOURAINE, 1998, p. 141)

Touraine nos adverte que na atualidade há uma vastidão de antimovimentos sociais. Ele nos informa os elementos que os propiciam e nos indica características para fácil identificação:

“O mundo contemporâneo está invadido por antimovimentos sociais; particularmente quando a defesa da identidade separa-se do domínio da produção, volta-se para si mesma e torna-se a afirmação duma diferença cultural ou histórica. [...] Os antimovimentos sociais são sempre dominados por um poder político, seja ele o guru de uma seita ou a vanguarda política que mobiliza recursos culturais na sua luta pelo poder” (TOURAINE, 1998, p. 140)

“Estes antimovimentos sociais aparecem também nos países democráticos. Apelam para a tradição nacional ameaçada pela invasão de populações ou de costumes estrangeiros. [...] mesmo quando não parecem em condições de destruir as instituições democráticas, tomam a forma de obsessão identitária que rejeita uma modernidade, que percebem como sem pátria ou dominada pelo estrangeiro, ideologia próxima daquela que fez nascer no final do século XIX os nacionalismos anti-semitas”. (TOURAINE, 1998, p. 143)

Outra característica, que se coaduna com os exemplos brasileiros que serão expostos mais adiante, é que nos antimovimentos sociais “se colocam todos aqueles que dão a prioridade mais aos objetivos políticos e nacionais do que à ação social coletiva”. (TOURAINE, 1998, p. 144)

Para ilustrar o conceito de antimovimento social e realçar as características apresentadas acima, Toureine nos apresenta como exemplo o bonapartismo:

“O bonapartismo não foi, na França e alhures, um despotismo, mas um antimovimento social que emprega a linguagem da revolução e da cidadania, e o próprio jacobinismo, que tão amiúde foi analisado como um movimento social, foi a expressão mais geral da ‘ilusão política’ que Marx censurava com razão nos franceses e que constantemente impediu a formação de poderoso movimento operário e de democracia social.” (TOURAINE, 1998, p. 144)

À esta altura parece-me inevitável sugerir como exemplos alguns casos de antimovimento social que, salvo melhor juízo, me parecem próximos de nossa realidade brasileira. Cito as igrejas neopentecostais que lançam candidatos a cargos políticos, tanto para o poder executivo como para o poder legislativo. O maior expoente deste é a chamada “bancada evangélica” do nosso Congresso Nacional. Outro exemplo seriam os candidatos que se lançam por diversos partidos, mas que tem por base partidário-ideológica instituições como o Fundação Lemann , que teve como seu maior expoente a deputada federal Tábata Amaral ou o Movimento Brasil Livre que elegeu nomes como Kim kataguiri como deputado federal, Arthur do Val (Mamãe Falei) como deputado estadual por São Paulo, Fernando Holiday e Rubinho Nunes como vereadores pela cidade de São Paulo ; entre tantas outras dezenas de candidatos eleitos por todo o país. Todos interrelacionados com aquilo que Touraine chama de “Gurus”; como Olavo de Carvalho e Nando Moura; canais como Brasil Paralelo e Terça Livre.

O caso dos candidatos das igrejas neopentecostais talvez se encaixe melhor na “transmutação” (Touraine chama de “deformações” ou “inversões”) de movimentos sociais. Já os casos da Fundação Lemann e do Movimento Brasil Livre parecem-me ser melhor classificados como aqueles que aparecem antes mesmo dos movimentos sociais.

Conclusão

De todo o exposto neste ensaio, pinçando as considerações de sociólogos tão distantes no tempo, podemos verificar uma inevitável comunicação entre eles. A percepção do quanto a via da política institucional, mais precisamente um partido político, não atende aos anseios daqueles que buscam uma mudança significativa na sociedade burguesa se torna um caminho que não consegue alcançar seu fim. Esta sensível percepção da realidade encontra amparo sociológico consistente no trabalho de Robert Michels. Ao mesmo tempo encontramos um outro cientista social que nos mostra que outros caminhos surgiram no passar das décadas nas diversas sociedades burguesas que se desenvolveram por meio de uma democracia capitalista desde o início do século XIX.

Alain Touraine demonstra empiricamente alternativas para a questão da solução dos anseios dos trabalhadores e das minorias da sociedade que correm por fora da política institucional, ou seja, um fenômeno social que promove mudanças da sociedade sem a criação de um partido. Da mesma forma que Michels, Touraine demonstra que o movimento societal também tem limitações e sofre contramedidas por parte da classe dominante.

Especial atenção nos exige o conceito de antimovimento social, seja porque entendo se aplica por meio dele o neoliberalismo que se expressa socio-culturalmente com os vieses do neofascismo que, por fim, no Brasil, pode ser tornar um partido a depender de alguns parlamentares e “youtubers”. Talvez, como depreendido do estudo dos autores aqui apresentados, nem seja necessário o partido em si; bastando o antimovimento social que lhe serve de base para fazer existir no mundo real a barbárie oriunda de sua essência ideológica.

Quando me referi aos exemplos brasileiros de antimovimento social como ilustração pensei na analogia que se pode fazer do Bonapartismo com o Bolsonarismo que vivemos no Brasil. Aqui, como lá no passado, é um antimovimento social que emprega a mesma linguagem da revolução e da cidadania utilizadas com o fito de ludibriar os excluídos por meio do pretexto (falso) da conquista de direitos.

Por fim, considero que o mais importante sobre o movimento societal – tão importante para nosso momento – é saber separá-lo dos instrumentos políticos. Para isto não podemos perder de vista que “a ideia de sujeito no centro da análise visa desprender o movimento societal, seja ele qual for, dos instrumentos políticos e dos aparelhos ideológicos que o mascaram e impedem de ver que todo movimento desse tipo é um apelo à liberdade do sujeito.” (TOURAINE, 1998, p. 150)

BIBLIOGRAFIA

MICHELS, R. Sociologia dos Partidos Políticos. Tradução de Arthur Chaudon. 1ª. ed. Brasília: Universidade de Brasília, v. 53, 1982.

TOURAINE, A. Poderemos viver juntos?: Iguais e diferentes. Tradução de A. Jaime Classen e F. Ephraim Alves. 1ª. ed. Petrópolis: Vozes, 1998.