O Cão

O CÃO

Armstrong

Quando foi adotado por aquela família era um simples filhote de Pastor Alemão, mas em pouco tempo se transformaria num exemplar cão de família. Desde os primeiros meses de vida que passou a freqüentar uma escola de adestramento, onde aprendeu tudo aquilo que os cães que moram com famílias devem saber. Aos cinco anos de vida era um jovem cão querido por todos os que moravam naquela casa que, orgulhosos, faziam demonstrações de suas habilidades. Tratava-se de um cão especial que só faltava falar. Dentre seus conhecimentos o que mais deixava as pessoas admiradas era o fato de que se alguém portasse uma arma de fogo em uma das mãos, segurando por segurar, não significava nada para ele, mas se percebesse que tal ato oferecesse perigo para ele ou para a família que protegia, então, atacava sem piedade. Se errasse de interpretação, no entanto, desistia imediatamente de um ataque se fosse advertido por alguém da família. Por outro lado, jamais atacava uma criança, mesmo que essa, de forma inocente, o desafiasse com uma verdadeira arma de fogo. Tinha um faro e uma audição tão aguçados que mesmo de olhos vendados sabia identificar seu dono, caso este lhe chamasse pelo nome e estivesse entre cinco ou seis pessoas, todas em movimento. Quando lhe era servido qualquer tipo de carne, mesmo que estivesse com muita fome, só comia depois de farejar astutamente. Se desconfiasse que a carne possuísse algum tipo de produto que se assemelhasse a algum dos muitos que aprendeu a identificar, desistia de comê-la. Com a água de beber era a mesma coisa. Sabia defender sua vida e a de quem estivesse o adotando.

Quando lhe arranjaram uma namorada, da mesma raça, foi um deus-nos-acuda! Ela não possuía treinamento algum, e todos percebiam que eles conversavam baixinho entre si, como se ele fosse um autêntico professor. Aborrecia-se quando a via desobedecer certas regras e, não raro, vivia resmungando como se a repreendesse. Logo lhes vieram cinco lindos filhotes e a imensa tristeza de vê-los partir após o curto período de amamentação. Papai e mamãe choravam baixinho, mas logo estavam de volta ao trabalho de vigilância e proteção daquela família. Aos poucos ela ia agindo como ele agia, e por incrível que pareça, passaram a proteger um a vida do outro, também. Quando ela adoeceu e teve de fazer uma cirurgia, estando afastada da casa por mais de duas semanas, ele experimentou, pela primeira vez, a solidão da separação. Andava cabisbaixo e todos percebiam sua tristeza. Sem saber o que estava acontecendo, talvez imaginasse que nunca mais a veria. Logo, no entanto, voltava a alegria de tê-la de volta. Pulavam de felicidade.

Embora seus donos nunca tivessem se descuidado das vacinas, um dia, porém, os dois adoeceram de morte. Em poucos dias seus donos perceberam que algo estava acontecendo. Não era raiva, mas uma estranha doença os fez perder completamente o apetite. Já estavam dois dias sem comer quando foram levados à clínica, ficando em isolamento, onde logo ela morreu. Durante vários dias os veterinários tentaram reverter a situação dele, mas a doença avançava cada vez mais. Os veterinários então aconselharam o sacrifício. A família, desesperada, não concordou e trouxe de volta o cão, quase imóvel, para casa. Durante vários dias ele era alimentado como um bebê. Tomava soro o dia inteiro. Muito carinho trouxe de volta sua saúde, pelo menos aparente. Foi quando seu dono soube, pela imprensa, dos sintomas daquela doença que estava atacando os cães da cidade. A vigilância sanitária aconselhava o sacrifício de todos os cães infectados, para evitar epidemia. Não havia o que pensar. Naquela mesma noite ele tinha que morrer.

Contratado para eliminar o cão, com a arma na mão, o homem se dirigiu ao canil da casa. Ao vê-lo com a arma, ainda de longe, o cão deu um pulo espetacular de quase dois metros, saindo do canil por uma pequena abertura acima da porta e, rápido como um raio, em poucos segundos tomou a arma do homem, e com ela na boca pulou o muro da casa, desaparecendo na escuridão. Nunca mais foi visto.