O Náufrago

O Náufrago

Armstrong

Vagou a noite toda ao sabor das ondas, deitado em uma pequena plataforma de madeira. Não conseguiu dormir, pelo medo de perder alguma oportunidade de salvamento. Relembrava a cada instante a fúria oceânica, em meio a uma tempestade, que culminou com o naufrágio da embarcação de pesca. Perdera de vista seus companheiros de trabalho, mas por um lance de sorte conseguira agarrar-se àquela peça de madeira e continuava vivo.

Com os primeiros raios do Sol pode visualizar a silhueta do que poderia ser uma ilha. Com as mãos buscou durante horas avançar na direção daquele pequeno ponto distante, mas era como se seus esforços fossem inúteis. Não desistiu. Durante o dia inteiro converteu suas forças para o que poderia ser sua salvação. Ao anoitecer teve a certeza de que aquele pequeno ponto realmente era uma ilha, mas ainda estava muito distante. Não podia continuar. Estava faminto e sedento. Cansado, adormeceu...

Acordou sobressaltado com os movimentos bruscos das ondas sobre a madeira. Rapidamente procurou pela ilha, e lá estava ela: mais real do que nunca. Durante toda a noite as forças da natureza tinham lhe conduzido para àquela maravilha. Estava longe ainda, mas já podia visualizar a brancura do que poderia ser uma praia. Apesar da fome, da sede e do cansaço, sentia-se renovado e mais motivado para se movimentar novamente. Enquanto se deslocava ia pensando sobre as sutilezas das ações divinas, criadoras desses espaços de terra em meio a tanta água, e os comparava com os Oásis dos desertos. Parecia-lhe que tinham sido criados com o mesmo objetivo: servir de fonte de esperança para os que lutam pela vida, para os que acreditam que amanhã será um novo dia. Quanto mais se aproximava mais tinha a certeza da presença de Deus ao seu lado, acompanhando sua luta para continuar vivo.

Estava a menos de duzentos metros da praia quando avistou um animal em meio a uma vegetação rasteira. Logo percebeu que a ilha era um reduto de onças pintadas. Sentiu-se perdido. Não poderia voltar ao oceano. Lutar contra essas feras seria loucura, já que dispunha como arma, apenas, um pequeno canivete de bolso. Deus haveria de lhe ajudar mais uma vez.

Não precisou dar uma volta completa na ilha, que lhe pareceu ter uns dois quilômetros de diâmetro, para visualizar uma saída: um enorme bambuzal na encosta de um pequeno monte seria o seu refúgio por algum tempo.

Passou alguns dias escondido no bambuzal, de onde só saía para pescar, atento às onças, com um arpão feito com a ajuda de uma das lâminas de seu canivete. Esperava chover para se abastecer de água, que acumulava em pequenos copos feitos de Bambu.

Durante o tempo em que esteve ali protegido, construiu uma pequena gaiola feita de Bambu e cipós. Quando a gaiola ficou pronta, passou a circular pela ilha carregando-a consigo. Logo as onças apareceram e, de todo jeito, tentaram alcançá-lo, mas a gaiola resistiu às várias tentativas. Por fim as onças passaram a conviver em paz com ele. Aos poucos foi explorando todos os recantos da ilha. Distinguia as várias famílias de onças e de outros pequenos animais que se sentiam seguros na sua presença. Descobriu uma fonte de água cristalina, que jorrava do alto de uma elevação de rochas, formando em baixo um lago onde os animais vinham beber água. À beira desse lago, com o tempo, construiu uma morada fixa, mais ampla, onde podia dormir em paz. Quando precisava sair, usava a gaiola como proteção.

Desejando companhia, passou a conversar com as onças, a lhes chamar por um nome, a dividir comida pescada, etc. Perto de sua casa, construiu um pequeno galpão coberto, onde sempre deixava algum alimento para as onças. Logo ganhou extrema confiança desses animais, a quem os acariciava e lhes dava comida na boca, sem qualquer problema. Depois de algum tempo dessa relação afetiva, pode finalmente andar livremente sem a ajuda da gaiola.

Deixou a ilha no dia em que uma embarcação aportou atrás de água potável. Partiu cheio de saudade, parecendo-lhe que uma parte de si tinha ficado ali; convencido de que nem sempre é melhor viver só do que mal acompanhado.