ALGUMAS CONSIDERAÇÕES RELEVANTES ACERCA DO TEMPO.

Mais um ano se foi e o novo milênio já não parece tão novo assim. As expectativas e os anseios ainda esperam ser atendidos, bem como as esperanças são forçadas à renovação, mesmo que esta não pareça ser a melhor possibilidade, posto que o tempo flui sempre de forma inexorável e inevitável, impedindo qualquer alternativa de ver-se no ano novo que nasce uma esperança realmente renovada, seja ela de paz, de conciliação, de amor, de construção, de renovação. O tempo flui, assim como o sangue em nossas veias e não há qualquer possibilidade de que o alvorecer de uma novo período de trezentos e sessenta e cinco dias, opere uma alteração profunda na realidade em que estamos totalmente imersos; uma realidade por vezes cruel, por vezes triste, mas continuamente em marcha na direção que conscientemente optamos.

Absolutamente inacreditável que o término de um ano e o início de outro possam possuir algo de mágico, algo capaz de modificar quaisquer das expectativas que a humanidade constrói para si e para seus herdeiros. É a plena decepção descrita pelos filósofos pessimistas: “aquilo que falta é o que me atormenta”, dizia Shopenhauer com uma consciência absurda da realidade que o cercava. O tempo sempre flui, querendo ou não, ele flui rumo ao destino que lhe foi traçado pela própria raça humana.

O que devemos de fato comemora no final de ano? O massacre de Beslan? A intolerância fundamentalista? A crise do poder corrompido pelo dinheiro? O avanço de doenças desconhecidas e criadas pelo próprio homem? A clonagem brincando de Criador? Afinal, há algo para comemorar? Corrupção, falência moral e ética, distorção da realidade social; nada mais restou de bom e útil, apenas esperanças que precisam ser renovadas para servir de alimento para mais um ano.

Ano novo? Novo em quê? Nada há de novo, nada há que se comemorar numa celebração repleta de hipocrisia, de falsidade, de concupisciência e de ações inócuas cujo objetivo singelo nada mais é que uma farsa desenhada pelo interesse de poucos privilegiados que se alimentam das expectativas dos demais para deles extrair as poucas possibilidades de ver realmente alguma luz no fim do túnel.

O tempo flui, inexorável, irreversível eliminando as esperanças e as renovando, sucessivamente, a cada novo nascer do primeiro dia do ano seguinte. Não há o que louvar ou o que comemorar, pois qualquer comemoração soa como mera falácia para os ingênuos. Não podemos acreditar que uma pequena e insignificante transição de trinta e um de dezembro para primeiro de janeiro possa ter mais significado que já possui em si mesmo: uma transição de data – o tempo flui – que nos leva biologicamente à morte, decrepitude e desaparecimento. Nascemos com o intuito gravado de morrermos um dia. E a data não pode significar mais que uma data, um momento que passa através de nós sem que sintamos alguma diferença.

A diferença está dentro de nós, dentro de nossas almas, construindo possibilidades, analisando escolhas, optando por caminhos quando da ocorrência de uma crise (decisão entre ameaça e oportunidade), que cabe somente a nós mesmos e não ao tempo, pois o tempo flui, irresistível, insinuante e proficiente, não existindo possibilidades para ele, apenas para nós.

Me ocorre, neste momento, uma passagem bíblica do velho testamento, mais precisamente, em Eclesiastes, capítulo três, e que a seguir ousamos transcrever com epílogo mais que significativo para este breve comentário:

“Todas as coisas têm seu tempo, e todas elas passam debaixo do céu, segundo o termo que a cada um foi prescrito, ..., O que foi feito, isso mesmo permanece. As coisas que hão de ser, já foram: e Deus renova aquilo que passou.”