Reflexões à beira-mar

Tempo de verão, tempo de férias. Robym e sua família decidiram veranear em uma bela praia. Samyra continuou freqüentando a sede da Fundação Pro Arte Palestrina, onde se dedicou a pesquisas sobre a vida dos grandes compositores e também a serenas audições de música erudita.

Robym e a esposa resolveram convidar Samyra a passar um fim-de-semana em sua companhia. Ela gostou da idéia. Assim, no sábado seguinte, bem cedinho, estava viajando. Em poucas horas, já se encontrava à beira-mar.

À tardinha, no alpendre, reunião em família. Doces, sucos, muita alegria. Mas, Samyra não resistiu à tentação de entregar-se a considerações de ordem filosófica.

- Robym, isto é o que se pode chamar de “vida contemplativa”: não se preocupar com nada, sentir a natureza, vivenciar cada momento com serenidade...

- Sim, Samyra. Acredito que, no dia-a-dia, de-veríamos manter esta capacidade de viver contemplativamente.

- Uma questão de hábito. Agora, gostaria de descobrir como é possível alguém se tornar um filósofo.

- Bem, devo dizer que a primeira virtude do verdadeiro filósofo é cultivar a capacidade de encantar-se com o mundo.

- Significa, creio eu, admirar-se a todo o mo-mento com tudo o que acontece a sua volta e no mundo inteiro, em um estado de espírito aberto e receptivo.

- Alguém já disse que, para tornar-se filóso-fo, não é preciso aprender filosofia, mas sim aprender a filosofar. O verdadeiro filósofo não aceita, tampouco rejeita nada “a priori”. Diante de tudo e de todos, mantém sempre uma atitude filosófica voltada à observação, contemplação e avaliação. Ser filósofo é ser amante da sabedoria, um eterno peregrino à procura da verdade.

- O que, afinal, é a verdade?

- Verdade é o não oculto, o não dissimula-do. Verdade é a manifestação clara do que é evidente, o expressamente claro para a razão. Verdade é a realidade revelada, a conformidade com o real.

- E, Robym, para aceitar a verdade é preciso livrar-se de tudo o que é falso: preconceitos, mitos, superstições.

- Certo. Para o filósofo, tudo se torna matéria de interesse: artes, ciências, cultura, ética, estética, história, política. Tudo é objeto de investigação. Nada escapa, nada é estranho, nada é impossível.

- Vejo que o filósofo é um eterno estudioso dos mistérios da vida.

- Sim, Samyra. Na busca da verdade, o filósofo rejeita as meras opiniões, que considera visões parciais da realidade. Uma opinião pode estar comprometida por distorções provocadas pela ignorância, por preconceitos e falsidades de toda ordem. O verdadeiro filósofo procura a Verdade Universal, válida para todos os seres, para a natureza inteira.

- O filósofo deve possuir uma visão cósmica.

- Dia após dia, ele vai aprimorando sua capacidade de discernir o certo e o errado, o verdadeiro e o falso, o Bem e o Mal. Ele defende, com todas as forças, o sagrado princípio da liberdade, em todos os sentidos. E também o princípio de que a Filosofia é um bem que não pertence a uns poucos afortunados, mas algo que pode e deve ser proporcionado a todos, pois, em tese, em maior ou menor grau, todos detêm a capacidade de compreensão e reflexão. Por isso, é preciso embasar a filosofia em elementos que todos possam compreender e discutir, comunicar e transmitir.

- Uma atitude democrática.

- Neste sentido, o filósofo é aquele que justi-fica suas idéias por meio de regras universais de pen-samento. Ele não admite idéias pré-concebidas, generalizações. Cada questão deve ser objeto de profunda investigação, análise, indução, abstração, síntese.

E, assim, continuaram ainda por algum tempo a refletir sobre a vida e a melhor forma de usufruí-la.

No início da semana, Samyra retornou a suas habituais atividades. Robym e a família permaneceram por mais alguns dias na praia.

Do livro: "Encontros ao Entardecer"

Ramiro Sápiras
Enviado por Ramiro Sápiras em 29/12/2005
Código do texto: T91646