AINDA E SEMPRE: NAVEGAR.

Vale ler, navegar num mar de informações; memorizar: incorporar saber ao próprio ser...

Nos meus quinze anos de idade o professor do Vernáculo determinou à classe se decorassem as três estrofes do poema épico "Os Lusíadas". E conheci Luís Vaz de Camões.

Eis o primeiro verso:

"As armas e os barões assinalados,"

Eis o vigésimo quarto:

"Que outro valor mais alto se alevanta."

Constituindo-se a Proposição do poema, são vinte e quatro versos decassílabos heróicos, ou seja: com a sexta e a décima sílabas tônicas.

Quarenta e um anos após se acenderia em mim a chama da inspiração para versos de tal formato.  Mais de dez anos  passados, o percebi.

Camões foi uma pessoa ousada e de espírito aventureiro, aplicado nos estudos, um pensador a refletir sobre acontecimentos sociais, políticos, culturais, individuais; reflexões sobre os destinos da pátria, sobre o amor, o saber, o tempo, a salvação.

Autor da epopéia "Os Lusíadas", dotado de inegável genialidade, atingiu também excelente performance no soneto.

"... à proporção que avança em sua peregrinação interior, o poeta vai desintegrando o próprio "eu" a fim de erguer o retrato do "Eu", ou do "nós", isto é, composto da soma de todos os eu-individuais alheios que lhe ficaram impressos na inteligência e na sensibilidade. Serve de exemplo a canção "Junto de um seco, fero e estéril monte", verdadeira obra-prima de auto-análise realizada num plano de grandeza cósmica. Dessa angustiosa perquirição no "eu" nasce o problema em que se debate Camões: ser e não-ser. O dilema, que seria universalizado por Hamlet, já se revela em Camões como uma torturante e especial questão." "A Literatura Portuguesa", Massaud Moisés, Cultrix, pg. 69/70.

São particularmente admiráveis três versos de "Os Lusíadas", a concluir um soneto de minha autoria adiante.

Freud, a confirmar a intuição de Camões a respeito dos referidos três versos, escreveu:

"Seja qual for o caminho que eu escolher, um poeta já passou por ele antes de mim".

A Psicologia Contemporânea, – já não era sem tempo –, insiste no crescimento contínuo. Navegar!  Navegar para dentro de si, com a mesma audácia dos Navegantes, arrostando o desconhecido, profundezas e tufões.

A referida afirmação de Camões, estrofe final do poema adiante, já ressaltava a necessidade do crescimento continuado e também o papel da vontade nesse crescimento. Útil ferramenta, a vontade, quer capacidade para decidir, quer para manter a decisão de mudar, mudar para melhor, - crescer -, na qual se deverá prosseguir.

Uma das coisas que impedem o crescimento humano é a resistência à mudança. quer por teimosia, quer por ignorância. Vamos espantar a teimosia com o soneto adiante e, ao mesmo tempo, transcrever os referidos três versos de Camões:


 

SEM TEIMOSIA

Sim: sou fiel comigo. Há hierarquia
em minhas preferências e escalão
em todos meus valores. A alegria
tem posto de destaque e o coração
 
decide quase tudo. Eu poderia
até dizer que acima da razão
eu ponho o coração. No dia a dia,
amigos, quero agir com decisão;
 
amigos, quero agir, estando atento,
e aprender de Camões, sem mais tardança,
o que entendera o Vate àquele tempo:
 
«Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Todo o mundo é composto de mudança
Tomando sempre novas qualidades..."

Diógenes Pereira de Araújo

Aí está: um caminho por onde passou um poeta no futuro dizer de Freud.

 

"Os Lusíadas", uma epopéia, um poema narrativo com intuito de enaltecer os Navegantes, os navegantes lusitanos, nobres alguns mas na coragem todos.  Um poema apto a consolar, animar e soerguer os ânimos dos Lusitanos.

"Os Lusíadas servirão perpetuamente, como até agora serviram, a manter coeso o sentido heróico e realizador da nacionalidade." (Tasso da Silveira, crítico literário)

O mar tem muito a ver com os portugueses, tanto mais em se tratando de seus poetas.

Os primorosos versos de Fernando Pessoa,

"Vale a pena? Tudo vale a pena
se a alma não é pequena",

fazem parte de um poema a respeito do mar e das epopéias e tragédias de que o mar é inspiração ou palco.
 

Mar português

Fernando Pessoa

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o Céu.

A este poema e a tudo o mais pertinente celebro com o poema adiante:
 

AVANÇAR, AVANÇAR, AVANÇAR.
 
Eis, Portugal, Luís Vaz de Camões:
nos mares, na poesia, sem temor
com barcos com poemas ousam pôr
- seja no mundo ou mar -, embarcações.
 
Avança o barco, o verso, avança o amor
Constrói-se a vida, enfrentam-se tufões
Num só se tornam muitos corações
Se há sofrimento tem sentido a dor
 
A voz das velas no ar inda ressoa;
"Adiante, Portugal, à frente avança,
leva a saudade e planta a esperança!"
 
Foi com razão que assim falou Pessoa:
"Valeu a pena? Tudo vale a pena"
Se a alma avança é por não ser pequena.

 

Diógenes Pereira de Araújo

 

A mais de quatro décadas após ter memorizado três estrofes de versos decassílabos heróicos, eis-me escrevendo-os, pois.

"Os Lusíadas"?, Apenas ontem foram escritos.

Valeu a pena. Tudo vale a pena.

Diógenes Pereira de Araújo

Diógenes Pereira de Araújo
Enviado por Diógenes Pereira de Araújo em 31/03/2008
Reeditado em 19/07/2008
Código do texto: T925096
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