Eutanásia

Eutanásia significa “boa morte”. O termo deriva do grego: “eu” = boa; “tanathos” = morte. Assim: boa morte, morte suave, morte calma, sem sofrimento, sem dor. Morte digna, com nobreza. Na verdade, é aquela morte que alguém proporciona a alguma pessoa que sofre de uma enfermidade incurável, a seu próprio pedido, com o objetivo de abreviar agonia muito intensa e dolorosa, mediante o espírito de humanidade e piedade, de conformidade com prévia regulamentação legal.

A história nos conta os primórdios desta prática. Muitos povos, como os celtas, mantinham em sua cultura o hábito de os filhos matarem os pais quando estes estivessem muito velhos e doentes. Por sua vez, os doentes incuráveis na Índia eram conduzidos até a beira do rio Ganges, onde suas narinas e bocas eram obstruídas com lama sagrada, sendo, de imediato, lançados ao fundo do rio. Em Esparta, os deformados, os monstros, os doentes incuráveis de toda a sorte eram lançados com ímpeto do alto do monte Taijeto.

Da Grécia ainda temos notícia de Platão, Sócrates e Epicuro que defendiam o princípio segundo o qual o sofrimento advindo de uma doença dolorosa justificava o suicídio. Ao contrário, Aristóteles, Pitágoras e Hipócrates condenavam peremptoriamente o suicídio. No juramento de Hipócrates consta: “eu não darei qualquer droga fatal a uma pessoa, se me for solicitado, nem sugerirei o uso de qualquer uma deste tipo.” Aqui no Brasil, nossos índios abandonam à própria sorte os filhos enfermos e incuráveis, e os recém-nascidos desgraçados.

A discussão a respeito de tão polêmico tema prosseguiu através da história da humanidade. Aí constatamos a participação de ilustres personalidades, como Martinho Lutero, Thomas Morus (Utopia), David Hume (On suicide), Karl Marx (medical Euthanasia) e Schopenhauer. No século XX, esta discussão viveu momentos mais intensos entre os anos de 1920 e 1940. Na Europa, em especial, a eutanásia foi associada à eugenia, surgindo uma proposta que procurava justificar a eliminação de deficientes, pacientes terminais e portadores de doenças consideradas indesejáveis. Enfim, nesta hipótese, a eutanásia constituía-se em um instrumento de “higienização social”, com o objetivo básico de buscar a perfeição ou o aprimoramento de uma raça. Neste contexto, não havia compaixão, piedade, ou o direito de acabar com a própria vida.

Verificando os anais históricos do ano de 1934, descobrimos que no Uruguai foi incluída, no Código Penal, a possibilidade do “homicídio piedoso”, legislação que continua em vigor até hoje. E em 1939 foi iniciado o “Programa Nazista de Eutanásia”. O real objetivo deste programa era eliminar todas as pessoas que tinham “uma vida que não merecia ser vivida”. (E quem decidia isto?) Este famigerado programa materializou a anterior proposta de “higienização social”.

A Igreja Católica, no ano de 1956, posicionou-se categoricamente contra a eutanásia, por violar a “Lei de Deus”. No entanto, em 1957, o Papa Pio XII, num discurso dirigido a médicos, aceitou a possibilidade de que a vida possa ser abreviada como efeito secundário à utilização de drogas para diminuir a angústia de pacientes com dores insuportáveis. Em resumo temos que, com a utilização do “princípio de duplo efeito”, a intenção é diminuir a dor, porém o efeito, excluído o vínculo causal, pode vir a ser a morte do paciente. No entanto, no ano de 1968, a Associação Mundial de Medicina adotou uma resolução contrária à eutanásia. Ao chegar o ano de 1980, o Vaticano divulgou uma “Declaração sobre eutanásia”. Aí existe a proposta do “duplo efeito” e o abandono de tratamento considerado inócuo, ou fútil.

A Holanda tornou-se, em maio de 2003, o primeiro país a legalizar a eutanásia. Por 46 votos a favor e 28 contra, o Senado aprovou a lei que permite aos médicos abreviar a vida de doentes terminais. No entanto os médicos deverão obedecer a regras rigorosas para praticar a eutanásia. Cada caso deve ser submetido ao controle de comissões regionais encarregadas de fiscalizar se os requisitos essenciais foram cumpridos. Estas comissões são integradas por um médico, um jurista e um especialista em ética. Os requisitos são os seguintes: 1) o paciente é portador de uma doença incurável e sofre de dores insuportáveis; 2) o paciente deve pedir, voluntariamente, para morrer; 3) um segundo médico deve emitir sua opinião sobre o caso.

Após esta sucinta passagem pelos principais pontos da história, vamos agora abordar mais de perto a questão da ética e da moral, que envolvem a eutanásia. Já vimos que esta prática abrange a provocação da morte com o objetivo de atenuar os sofrimentos do enfermo, também de seus familiares, tendo em conta seu inexorável falecimento, em virtude de uma situação incurável, sob o ponto de vista médico.

Precisamos neste momento definir mais acuradamente acerca da diferença entre eutanásia ativa, eutanásia passiva e eutanásia de duplo efeito. A primeira significa o ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do paciente, por fins humanitários. A segunda ocorre numa situação terminal quando não se inicia uma ação médica ou se interrompe uma medida extraordinária, com o objetivo de diminuir o terrível sofrimento. Por sua vez, a última hipótese ocorre quando a morte é acelerada por via de conseqüência indireta de ações médicas que são postas em prática visando o alívio do sofrimento de um doente terminal, como a administração de doses elevadas de morfina.

As principais justificativas para a prática da eutanásia são:

a} Dores e sofrimentos insuportáveis. Sabe-se que a Medicina não dispõe de remédios eficazes para eliminar, razoavelmente, as dores e sofrimentos.

b) Doenças incuráveis. Considerando a inexistência de possibilidades de cura de certas doenças, quando no estágio terminal, o argumento parece justificável.

c) Vontade do paciente. É importante considerar a vontade do enfermo que solicita o encurtamento da vida cujo fim próximo é inevitável. Seu desejo deve ser manifesto de forma consciente e real.

A questão da ética e da moral no tocante à Eutanásia pode ser discutida “ad infinitum”. Mesmo assim, podemos apreciar alguns depoimentos:

Caio Rosenthal, infectologista e membro do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo conta que “...os familiares dizem: ‘Doutor, deixe nas mãos de Deus. Só não queremos que ele sofra.’ É um eufemismo que equivale a pedir que não se prolongue sua vida desnecessariamente. Já quando é um plano de saúde que está bancando a internação, o que ouvimos é: ‘Doutor, faça tudo o que estiver ao seu alcance para mantê-lo vivo.’ Não dá para levar em conta esse pedido. O que eu aceito é deixar de investir em um tratamento que está sendo fútil, que não está trazendo benefício ao paciente que jamais vai se recuperar... É correto diminuir ou interromper um tratamento que está prolongando a vida inutilmente. O difícil é estabelecer o critério.”

Flávio Monteiro de Barros Maciel, médico da UTI de um hospital municipal de São Paulo, declarou que: “Há hospitais em que os pacientes são levados a uma situação de sofrido prolongamento da vida por motivos econômicos. O paciente fica parecendo uma árvore de Natal, tantos são os pinduricalhos tecnológicos que são colocados. Eu acho correto tirar alguns suportes de vida, desde que haja um consenso da equipe médica e da família de que isto deve ser feito, quando o paciente não tem condições de opinar. O médico tem de estar com a consciência tranqüila no momento de decidir tirar um tratamento que não está sendo eficaz e só está prolongando a vida do doente.”

Mariza D’Agostino Dias, chefe de UTI em dois hospitais, disse o seguinte: “Em medicina, usamos índices baseados em estatísticas para saber se um paciente vai morrer ou se tem chance de recuperação. Só que você não pode simplesmente encaixar a vida de uma pessoa em estatísticas. Por isso, analiso cada caso e decido, sempre junto com outros médicos da equipe, quando interromper um tratamento que está sustentando a vida de um paciente de forma artificial.”

Muitos outros depoimentos poderíamos descobrir sobre tão importante e polêmico assunto. No entanto, vamos deixar que cada leitor reflita sobre esta questão, coloque-se no tenebroso lugar de um paciente terminal, sofrendo dores insuportáveis. Ou então, na posição de parentes de uma pessoa nesta situação. Cada um, certamente, haverá de concluir de uma forma ou outra, a favor ou contra a prática da Eutanásia. Enfim, o bom senso é que deve imperar, caso a caso.

Do livro: "A Arte de Viver"

Ramiro Sápiras
Enviado por Ramiro Sápiras em 03/01/2006
Código do texto: T93869