SOBRE MENINO (AS) E LOBOS (AS).

É dever de todos zelar pela dignidade da criança e
do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento
desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor."

(art. 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente)

 

                Nas histórias infantis sempre há lobos e fadas. Lá os lobos nunca vencem. Na vida real só os lobos existem. As fadas não aparecem para socorrer as crianças indefesas nas mãos de ferozes lobos. A denúncia de Joana Maranhão trouxe de volta o debate sobre a pedofilia.  A nadadora, que rompeu a muralha da dor e rasgou o manto de silêncio que protegia seu agressor, mostrou-se corajosa e chamou atenção para um problema que é muito maior do que mostram as estatísticas, que acontece, quase sempre, onde deveria ocorrer a proteção, por isso o silêncio e o medo que segundo Anna Salter é a  "alma das Agressões Sexuais”.

 

                Todo crime sexual é insuportável, pois viola o ser humano não apenas em seu corpo, mas, sobretudo em sua alma, em sua dignidade, esfacelando seus sonhos, fragmentando sua auto-estima, transformando sua vida numa angustiante espera, num terrível medo do momento seguinte. Superar este trauma não é fácil. Falar sobre isso é dolorosamente difícil. Muitas vezes a vítima não tem a dimensão exata do que lhe acontece, sabe apenas que machuca, maltrata, mas sente dificuldade em verbalizar o que se passa em seu corpo e na alma.

 

São inúmeros os fatores que levam a criança a ocultar o abuso a que foi sujeito, mas destacamos: medo de represálias por parte do agressor; sentimentos de vergonha, culpa,  insegurança ou proteção (irmão mais novos); medo dos interrogatórios e da devassa da sua intimidade ou família; exposição pública; estigma social. Contudo, este silêncio permite que o abuso se perpetue, convertendo-se no pior inimigo do menor e no maior aliado do agressor.

 

                O trauma causado à criança depende não só do tipo do ato a que foi sujeita, mas também da idade que tinha no momento em que foi vítima, e do apoio que na altura lhe foi prestado. Normalmente, o pedófilo procura uma vítima indefesa que, por coação, é por ele silenciada, vítima essa que está normalmente muito próxima, embora possa também pertencer a um espaço exterior à família ou ao seu meio natural (padres, professores, médicos). 

               Não existe uma definição única do conceito de abuso sexual infantil, no entanto todas subscrevem que se trata de uma das piores formas de violência sobre as crianças. A maioria das definições de abuso sexual infantil faz referência a uma multiplicidade de atividades sexuais, incluindo situações em que não existem contactos físicos, propriamente ditos. Deve considerar-se abuso sexual quando se utilizam crianças e/ou adolescentes para a satisfação do desejo sexual de pessoas mais velhas. São ainda consideradas situações de abuso sexual todas as que vão do telefonema obsceno, até a penetração.

 

Neste contexto devemos relembrar ainda a questão da Exploração Sexual de Crianças, que está presente quando há uma das seguintes situações: assédio sexual, intra ou extra familiar; prostituição infantil; pornografia infantil, turismo sexual e tráfico de crianças. Não podemos esquecer que um pedófilo é sempre um abusador sexual, mas um abusador sexual pode não ser um pedófilo. Sempre que um adulto utiliza um menor para satisfazer os seus desejos sexuais deve, preferencialmente, ser considerado abusador sexual, e não pedófilo, porque o abusador sexual infantil vitima crianças de qualquer idade, enquanto o pedófilo abusa de crianças em idade prépubertária.

 

                Quando a agressão acontece por parte dos pais é ainda mais complicado e doloroso, pois vem exatamente de onde deveria vir o amor, a proteção, o carinho e a segurança. Psicólogos acreditam que agressores sexuais, em sua maioria, são ex-vítimas, e que eles também precisam ser tratados. O mais grave nestes casos é que não há um “perfil” do pedófilo, ele pode ser qualquer um, estar em qualquer lugar, e por mais que estejamos atentos, sempre podemos ser surpreendidos.

                Diferente do agressor, a criança vítima de abuso sexual, costuma apresentar algumas atitudes comuns. A presença desses sinais/sintomas, se muito intensos e combinados, devemos alertar para a possibilidade de abuso sexual: pesadelos, perturbações do sono, interesse especial pelo sexo, inapropriado à idade da criança, depressão, ansiedade, afastamento, tristeza, indiferença, auto-mutilação, tentativa de suicídio, fuga, mudança súbita de comportamento na escola, incapacidade de concentração, diminuição do rendimento escolar, mudança na personalidade, insegurança e necessidade constante de ser estimulada, falta de confiança num familiar adulto, ou não querer ficar sozinha com determinado adulto, isolamento de amigos, familiares ou das atividades usais, medo de algumas pessoas e lugares, excesso de limpeza ou total despreocupação com a higiene, incontinência para a urina e fezes, alterações dos hábitos intestinais.

               Estar atenta a estas mudanças é uma forma de perceber o que se passa com nossos filhos, qualquer alteração em seu comportamento deve ser acompanhado e investigado. 
Nunca devemos deixar de ouvir o que eles têm a nos dizer. Por mais fantasiosa que pareça sua história é preciso dar atenção e tentar decifrar o que eles realmente querem nos contar.  Uma criança ferida, machucada, ameaçada não reage naturalmente. Ela apresenta algumas pistas. Um dos maiores problemas é que nunca acreditamos que isso possa acontecer em nossas casas, afinal estamos cercados por pessoas de bem, gente que faz parte de nosso convívio, a quem conhecemos de longa data; entretanto não podemos esquecer que as estatísticas mostram que é exatamente em ambientes assim onde ocorrem o maior número de casos.
 

                Infelizmente não há receita, não existe uma fórmula que possamos usar. É ficar alerta, e rezar, pedir a Deus que nos livre desta imensa chaga social e nos proteja contra estes monstros vestidos em peles de cordeiros.  Ainda podemos fazer nossa parte denunciando casos suspeitos. O silêncio é o grande aliado destes monstros. Não vamos permitir que a impunidade continue destruindo sonhos, tirando crianças de seu mundo cor de rosa e jogando-as na negritude do medo e do pavor.
 

                Uma criança violentada é uma agressão que se faz contra a vida em sua fase mais marcante, é um crime hediondo contra um ser puro e indefeso, ainda construindo seus sonhos e que é arrancado com dor e sofrimento deste paraíso que sequer começou a desfrutar. A pedofilia é vilania pura, é covardia, violência em sua face mais negra e horrenda. É aborto forçado dos sonhos, da crença na vida.

                Não fique calado diante de evidências. Denuncie - 800 202 651. Proteja a vida. 



Mossoró, 24/02/2008.



* Da Série: As Muitas Faces da Violência.
* Imagem retirada do Google.

 

Ângela M Rodrigues O P Gurgel
Enviado por Ângela M Rodrigues O P Gurgel em 13/04/2008
Reeditado em 18/05/2012
Código do texto: T943624
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