Fotografando as árvores

Não acredito que aqui conseguirei expressar tudo que pensei sobre os poucos textos que conheço de Kafka, afinal, penso não ter entendido muita coisa, pois ao ler o belo texto de Walter Benjamin “Franz Kafka A propósito do décimo aniversário de sua morte”, admito que fiquei um pouco perdido.

Ao ler o curto conto “As Árvores” foi como se estivesse vendo uma fotografia, não só pelo fato de ser uma leve descrição de uma paisagem, mas por parecer que a narrativa começa em seu meio. O começo, “Pois somos como troncos de árvores na neve”, com o “pois” iniciando a narrativa, me fez ter a impressão que deveria haver algo ali, antes desse início. Assim vejo uma fotografia, sei que ao redor da moldura da imagem há muito mais que não aparece, como também sei que havia muito mais antes da foto ser batida.

Quando comecei a ler esse conto senti um estranhamento devido a esse “pois” e alguns dias depois lembrei de uma passagem escrita por Walter Benjamin sobre a fotografia, “A contemplação livre não lhes é adequada. Elas inquietam o observador, que pressente que deve seguir um caminho definido para se aproximar delas”. Nesse trecho Walter falava, espero não estar enganado, sobre uma fotografia de Atget de 1900. Essa inquietação de que Benjamin fala parece a mesma que senti ao ler “As Árvores”, pois ao ler parece que só há um caminho mesmo a seguir, o caminho das aparências, mas tenho certeza que há muito mais nesse pequeno texto, assim como tenho certeza que sempre a muito mais ao redor do que posso ver de uma fotografia.

Não me parece muito correta a afirmação que eu fiz acima dizendo que o único caminho possível é o das aparências, essa palavra “aparência” não revela o que realmente quero dizer, pelo menos para quem não chegou a ler a pequena narrativa “As Árvores”. As narrativas de Kafka são textos que aprisionam, não te dão saída, não há mais esperança, “Kafka é como o rapaz que saiu de casa para aprender a ter medo” (Walter Benjamin), como se pode ter esperança num mundo desses? Em um lugar onde até a natureza te engana com sua aparência,

Pois somos como troncos de árvores na neve. Aparentemente eles jazem soltos na superfície e com um pequeno empurrão deveria ser possível afastá-los do caminho. Não, não é possível, pois estão firmemente ligados ao solo. Mas veja, até isso é só aparente.

Uma foto em muitas maneiras pode ser comparada com um texto, do mesmo jeito que pode diferenciar infinitamente do mesmo, afinal são duas coisas diferentes, feita de modos distintos e com finalidades distintas. Mas ainda quando lia Benjamin achei outra passagem muito interessante “Com a representação do homem pelo aparelho, a auto-alienação humana encontrou uma aplicação altamente criado”, acredito que essa auto-alienação humana é uma constante do mundo de Kafka, um mundo dos arquivos e funcionários públicos que agem como parasitas, imundos e degradantes, em outras palavras, estorvos. Assim como as árvores dessa pequena narrativa que trato aqui, aparentemente fáceis de se mandar embora, jogá-las para longe, mas ao tentarmos vemos que é pura aparência. Nesse ponto as narrativas de Kafka marcam bem os protagonistas do Romance, os imperfeitos, os estúpidos, aqueles que não são capazes de absorver experiências. Um bom exemplo disso é Odradek, ele não é nada alem de um incomodo, uma preocupação sem utilidade, “Odradeck é o aspecto assumido pelas coisas em estado de esquecimento” (Walter Benjamin).

Não é fácil dizer bem, ou muito em poucas linhas, há um grande trabalho na produção dessa narrativa, um trabalho de extrema exatidão, como li no texto com o mesmo nome, “Exatidão” de Italo Calvino, “A obra literária é uma dessas mínimas porções nas quais o existente se cristaliza numa forma, adquire um sentido, que não é nem fixo, nem definido, nem enrijecido numa imobilidade mineral, mas tão vivo quanto um organismo”.

Falar de Kafka não é fácil, seus textos são tão belos quanto complexos, mas valem a pena.

Citações e Referencias

BEMJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. 4 ed. Editora Brasiliense. Págs 144, 158, 174, 175 e 180.

KAFKA, Franz. Contemplação e O Foguista. 1991, Editora Brasiliense.

CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio. 2 ed. Companhia das Letras. Pág 84.