Um olhar matemático sobre o soneto

Segue compilação de um "papo" com a Nilza sobre "o olhar matemático sobre o soneto"

Nilza, meus sinceros agradecimentos pela disponibilidade, confiança e carinho.

Entrevista com Amargo

Reproduzo aqui o texto de uma consulta que lhe fiz por causa da dificuldade de construção das coroas de sonetos com o esquema de rimas “amarrado”.

Na primeira coroa, construímos os sonetos seguindo rigorosamente o esquema rímico, mas não obtivemos o mesmo resultado para a “Coroa”. Pareceu haver uma falha no planejamento, mas seguimos em frente, aceitando aquela “inadequação”.

Na segunda, em fase de elaboração, partiu-se de uma “Coroa” com o esquema rímico pretendido e com todos os cuidados para que os sonetos fossem executados dentro do mesmo esquema. A meio caminho, foi notado que a composição não podia constituir-se inteiramente dessa forma. Exponho então o seguinte:

1) Estamos diante de um impasse na construção das coroas de sonetos. Parece que há um erro, mas não creio nisso. Tentei uma inversão de posições, mas não funcionou. Chega um ponto em que o problema reaparece. Eu não sei qual é a saída, mas creio que existe uma e imagino que você que lida com Teoria da Informação deve saber qual a forma matemática de resolver a questão...

Amargo: Analisando matematicamente, e é assim que eu enxergo as construções literárias, como um quadro de Cartesius, sim há solução. Porém traumática. O que ocorre é o seguinte. Lembra de PA e PG? Progressões aritméticas e geométricas? Pois bem, é o seguinte. Não ligue muito se tudo parecer uma viagem minha, mas realmente é assim que eu enxergo tudo. Quando escrevo um soneto, planifico antes a sua forma (não o seu conteúdo, este vem no ato da escrita). Então, gosto de sonetos, cujas rimas criem uma PG, ou seja, o contexto de rimas cria um novo conceito e este um novo, em nível fatorial, ou seja, sempre exponencial. Sonetos em PA, criam o engessamento, e tendem a ter a forma quadrada (2). Por exemplo

ABC

CDE

EDC

CBE

EFD

DGB

BGD

DFB

BHG

GIF

FIG

GHF

FBI

IBA

Isto é o que eu chamaria de uma forma em PG. Claro, há uma infinidade de possibilidades com os fechos. No caso da Coroa, tenho encontrado:

ABC

CDC

CXF

F?F

Note que as rimas finais ficam AABB e isto fatalmente nos fará repetir palavras e nos conduzirá a rimas pobres, principalmente se aparecer uma terminação em "ou", "ai", "ar", etc.

2) Entendo em parte o que você quer dizer. Talvez seja por isso que esses exercícios de poemas com as rimas internas fazem bem. Devem mexer positivamente com os neurônios preguiçosos (ou dormentes...).

Tenho interesse por algumas questões da Física, das fractais. Intui que a fractal relaciona-se à PG, mas não sei se estou certa. Nesse campo, às vezes tenho alguns insights, mas não consigo verbalizá-los (o que então, não seria entendimento?). Aquela interrogação, a incógnita, corresponde àquela ausência de rima que eu identifiquei como marca de seus poemas? Já foi dito que matemática é poesia (e que Deus geometriza!).

Amargo: A interrogação no modelo PG, não interfere na continuidade, mas no modelo PA sim. Seria como gerar um quadrado sem um lado ou sem uma ponta.

Quando comparo a PG, por exemplo:

Aq' = 2, 4,8,16,32,n...

Ou seja, você começa um nível de rimas, no nosso caso, 2 e logo na primeira estrofe cria 8 possibilidades de rimas.

Em PA

Aq' = 1,2,3,4,5 ou 2,4,6,8,n...

Você terá como seguimento o mesmo número de possibilidades que tinha ao começar: por isso chamo de quadrado.

Em termos numéricos, temos o infinito como limite. Em termos lingüísticos não. Somos finitos na fala. Assim, fazer 200 versos com poucas possibilidades de rimas... não sei se teremos palavras suficientes para no mínimo não repetir alguma coisa. O que não descarta a possibilidade de se executar o projeto. Agora é o analista de desenvolvimento quem está falando.

3) Na procura de entender o que você começou a me transmitir, reli um artigo de Alan Lightman: O Físico como Romancista (O futuro do espaço-tempo). Como eu havia indicado um raciocínio indutivo você, que também é da área de educação, entendeu o processo e não forneceu detalhes, e sim uma gestalt, um todo sobre o qual eu pudesse deter-me. Imprimi todo o esquema da coroa e percebi o que um matemático já sabia antes de nascer:

Meu ponto de vista estava errado, Não adiantaria alterar a Coroa tomada como base.

As rimas são emparelhadas e vão determinar uma alternância de possibilidade e impossibilidade de seguir o esquema, conforme há a repetição e a mudança das mesmas. Isso recai na passagem de um soneto para o outro, e na passagem do penúltimo para o último verso, vez sim, vez não.

I

...............................................................................

Meu sim, digo a você. Desejo até, bem mais

Num zás deixar-se, enfim, sonhar co'ardor demais!

II

Num zás deixar-se, enfim, sonhar co'ardor demais!

.....

.............................................................................

Mal grado ter, sentir um dom de lá do céu:

Fugaz, o amor atroz, paixão que dói... Cruel!

*******************

II

...........................................................................

Mal grado ter, sentir um dom de lá do céu:

Fugaz, o amor atroz, paixão que dói... Cruel!

III

Fugaz, o amor atroz, paixão que dói... Cruel!

...............................................................................

Mas crente estou que devo usar um bom chapéu!

O céu é mesmo assim: azul perfeito, véu.

O que ocorre é conseqüência da forma escolhida.

Tal questão configura um padrão de interessantes

quebras ocasionais por toda a construção...

Não mencionei inicialmente a sua ajuda, porque não conseguia expressar claramente o que entendi, não sabia de sua opinião e temi falsear alguma idéia. Também não analisei com calma a primeira coroa, mas suponho que se todos os sonetos seguem o esquema rímico, então a Coroa, deveria apresentar, ela mesma, um padrão de ruptura.

Amargo :...a Coroa deveria apresentar, ela mesma um padrão de ruptura...

Vamos brincar de matemática: você sabe o que é o pi, com certeza. Deve saber também que se dividir a circunferência de um átomo pelo seu diâmetro o valor será o mesmo que se dividir a circunferência da Terra pelo seu diâmetro, ou seja 3,14...

Qual a relação com a coroa? É que o pi é o mesmo, ou a coroa possui o seu esquema, assim como o soneto. Porem, o soneto se completa por versos e a coroa por sonetos. Assim, variamos a grandeza, mas o produto é o mesmo.

4) A Coroa (a Sextina, cuja soma sempre dá 21), são formas especiais porque lidam com matrizes, talvez com arquétipos, mas parece-me que ter o conhecimento de um modo de fazer pode ser suficiente, e pronto...

Amargo:A receita sempre me faz lembrar Pragmatismo e a essência pode ser comprometida. Porém, esta é uma opinião totalmente pessoal, e pode não corresponder a realidade alguma

5) O que você acha de colocarmos estas questões no fórum?

Amargo: Acho ótimo. Mesmo que não haja um interesse coletivo, o que for postado deverá ser aproveitado na posteridade. Teremos feito nossa parte.

6) Até agora falamos sobre o que já ocorreu. Mas a nova pergunta é: quais são esses padrões que se repetem e quais esquemas rímicos permitem o quê?

Amargo: Bom, se o fim proposto não é senão o seguimento do que já encontra feito, acredito que o mais plausível seja a própria repetição de rimas, mas não em versos e sim em troncos de dois versos. Estranho? Vamos lá. Notemos que há uma tendência:

X-A

A-A

A-B

B-B

B-C

C-C

C-D

D-D

D-E

E-E

E-F

F-G

G-G

Com base nisto, sugiro que o esquema de rimas se repita por soneto:

Esquema do Soneto 1

Esquema do Soneto 2

Esquema do Soneto 2

Esquema do Soneto 1

E que as próprias rimas sejam repetidas (terminações). Assim, o tal medo que cito anteriormente, de repetição de palavras, seja propositalmente exposto.

(7) O soneto ora em andamento foi completado assim:

Por guia a disciplina. E sempre a mais-valia

Magia que sublima o não ter sido um rei...

Se eu tinha e não mais tenho, e nunca mais terei,

se é minha a vez, eu busco a solidão de um frei.

Com fel me fiz prazer, não mais que um gosto, eu sei.

Eu achei que não seguia o esquema e ousei mudar:

Por guia a disciplina. E sempre a mais-valia

Magia que sublima o não ter sido a vinha...

Se eu tinha e não mais tenho...............................

Por minha escolha, eu sigo a solidão de um frei

Com fel me fiz prazer, não mais que um gosto, eu sei.

A exposição proposital seria manter como estava? Deixar quatro versos com rimas iguais?

Amargo: Sim. Um recomeço significa um novo trabalho e a desistência do anterior. Se considerarmos cada soneto com o poder de um verso em função da coroa, acredito que devamos dar seguimento como está. Desde que as rimas (terminações) se mantenham iguais em cada soneto, e não em todos.

Entendo que: embora haja várias formas de construir a Coroa, enquanto técnica, conceitualmente, a “Coroa” é resultado da construção dos sonetos e vem a coroá-los, emerge ao fim deles. Mas trabalhamos com conceitos e técnica o tempo todo. Existe um esquema rímico que possa ser aplicado igualmente tanto para os Sonetos como para a Coroa? Você pode nos dizer algo a respeito?

Amargo: O que citei na questão anterior, pode sim, ser uma forma. Particularmente, ainda não fiz uma coroa porque sempre me pego planejando como ela seria. Já planejei, por exemplo, que todos os versos sejam novos sonetos: O primeiro de cada soneto (todos) formariam um novo soneto, e assim por diante. O primeiro até já está pronto, mas faltou coragem para dar seqüência:

Fiat Lux

Quando não existia um começo

E que o berço da treva reinava,

Eis que a lava que eleva no avesso,

Era o preço que havia por trava.

Mas a clava que chama por Eva,

Não revela, sequer fantasia

Nalgum dia mulher, a que enleva

E que leva uma chama por cria.

Pois o dia é a fagulha que quer,

Ou quiser, neste acaso que clama,

Noite ou dama em seu caso mister.

Quem vier por patrulha verá

Que mais há nesta cruz que ora lavra,

Pois palavra antecede ao que é luz.

Conclusão: Eu poderia dizer ainda muitas coisas, mas minhas perguntas já foram bastante longas. Acréscimos seriam redundâncias. Alessandro (Amargo) é um

jovem talento e mais vale apreciar suas colocações.

Sou-lhe grata. Parabéns.