Sobre o livro "Bandeiras da Galiza"

«Qualquer país normal que lute pola sua dignidade nacional nom pode ter por bandeira um símbolo daquele outro país do qual tenciona libertar-se»

Valentim R. Fagim.- Há uns dias saiu a estampa o último trabalho do investigador José Manuel Barbosa, desta volta afastado de questões linguísticas mas ligado, mais uma vez, à Galiza e ao seu trabalho de trazer à tona questões relativas à sua história e à sua simbologia. Estivemos com ele e contou-nos algumas das chaves do seu «Bandeiras da Galiza», livro editado pola AGAL que tenciona ser «um trabalho desmitificador e gerador de debate».

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A maioria das vezes, um novo livro implica preencher um espaço vazio ou contestar obras já publicadas. Onde se situa Bandeiras da Galiza?

Acho que sem qualquer dúvida este livro preenche um espaço vazio. Na realidade há livros do passado recente que falam do tema mas cingidos ao espaço temporário da contemporaneidade e nom a épocas passadas do que resulta a simbologia mais próxima no tempo ser muito mais facilmente conhecida, nom assim a da época medieval, época totalmente ignota e nom tratada polos estudiosos da vexilologia galega.

Com a nova concepçom da historiografia galega dos últimos anos do século XX vemos que a ideia de Reino da Galiza tem tomado umha força grande e diferente com o qual a simbologia correspondente poderia parecer-nos nova e revolucionária, muito em contradiçom com a que nos tem dado o ensino castelhanista fornecido polo Estado e que está baseado na soberania política e cultural de umha Castela que vampiriza o conceito da Galiza como protagonista da história peninsular até bem entrado o século XIV.

A simbologia, nomeadamente as bandeiras, tenhem feito parte dos interesses da nossa historiografia?

Pois acho que nom, mas como a simbologia é parte fundamental da identificaçom de um povo, acho fulcral levar a cabo um trabalho como este pois é umha forma interessante de umha galega ou um galego se reconhecerem com certas bandeiras que numha primeira vista de olhos poderiam nom se identificarem como galegas.

É umha forma bem acaída de re-introjectar a própria história esquecida, negada, distorcida no nosso inconsciente colectivo de povo com um protagonismo histórico que nom só nom se reconhece pola oficialidade espanhola mas que mesmo chega a ser um elemento quase clandestino o facto de falar dele. Como jogo com a experiência de eu ser reintegracionista, sei bem o que significa pensar contrariamente ao promovido polo poder e ao que acredita a gente do comum, mas acho que as cousas devem estar no seu lugar...

Que parte(s) do teu livro pensas que podem ser mais chocantes para o leitor e a leitora da Galiza?

Provavelmente a simbologia que nom se reconhece como galega. Estou a falar das bandeiras da Coroa Galaico-leonesa. Das duas representaçons, a da bandeira púrpura existe ainda hoje como bandeira provincial leonesa. Portanto hoje nom pode ser considerada como galega mas na altura sim o era; a outra, a bandeira do leom púrpura sobre fundo branco que provavelmente reconheçamos no escudo do Reino de Espanha e que mesmo poda causar um sentimento de desindentificaçom.

Ora, se conectarmos com a ideia que nos dá a historiografia galeguista recente e temos em conta que esse reino com capital em Leom pode ser identificado com a Galiza medieval nom deveria haver qualquer dúvida quanto á sua galeguidade.

Por outra parte, a bandeira do Rei Ordonho I ou Ramiro I também pode chocar. Acontece o mesmo do que com a anterior, mas neste caso é quando os reis tinham sediada a sua corte na actual Astúrias. Mesmo de um ponto de vista asturianista nom deveria oferecer problema, já que se esse reino ocupava a actual Galiza a bandeira era de todos. Todos lutavam sob o mesmo símbolo. As propostas de bandeira da língua e de escudo de Galiza podem mesmo ser interessantes... Tudo é exprimir os porquês.

Na tua obra fazes umha crítica à actual bandeira oficial. Por quê?

Simplesmente fago umha reflexom no que diz respeito da mesma. Acho que ao nom se conhecer a sua origem aceitamos tudo sem qualquer crítica mas devemos ter em conta que os que somos nacionalmente galegos devemos pensar a partir de umha situaçom mental de independência em todos os sensos, mesmo simbólica.

Nesse caso, ao vermos que temos umha bandeira originada num símbolo dependente da monarquia bourbónica do século XIX, do Ministério da Marina, temos posto um problema que devemos atender, já que qualquer país normal que lute pola sua dignidade nacional nom pode ter por bandeira um símbolo daquele outro país do qual tenciona libertar-se.

Lembremos os países bálticos, que quando puderam recuperar a sua soberania imediatamente desterraram as insígnias que Rússia lhes tinha assignado e regressaram às suas tradicionais; o mesmo passa-se, embora à inversa, no Tibete vendo-se a sua populaçom na obriga de aceitar umha simbologia imposta pola China contrariamente ao desejo das suas elites nacionais que desejam apresentar a bandeira tradicional do país.

Países como o nosso que perderam a memória vem-se em situaçons como a actual e estou a pensar na própria Euskadi que conta com simbologia nacional tradicional como as cadeias de Navarra ou a «Arrano Beltza» que nom foram adoptadas como bandeiras do país. Ao contrário, a Ikurriña foi criada «ex novo» polos irmaos Arana porque nom tiveram em consideraçom quaisquer das outras que bem poderiam representar o seu projecto político.

Penso também na bandeira de Astúrias que na Idade Moderna era umha bandeira dividida em quatro partes (como a de Castela e Leom) mas com um castelo, um leom e em dous quarteis opostos, um graal. Acho que mesmo hoje nom há conhecimento da mesma nem na própria Astúrias por parte da gente do comum. Se há por parte dalgum estudioso, este nom o comunica.

Deve haver muitos casos de desmemória e esta é umha arma muito efectiva para desindentificar um país, sobretudo no que diz respeito à simbologia, a língua e a história e dos vínculos que a naçom deve ter com outros povos com que, por razons de irmandade, teria que se relacionar. Justamente o é o que acontece connosco.

Existe algumha bandeira candidata para substituir a actual banda azul?

Eu acredito na soberania do povo galego e há ser ele quem tenha a escolha nas suas maos ou simplesmente nom escolha nada ficando contente com o que tem. Sim há propostas minhas, mas ficam nisso, em propostas, nunca como escolha iniludível e como único caminho que os galegos devamos apanhar; ninguém vai afastar as águas das terras em procura da terra de promissom. Há também qualquer proposta de bandeira da língua e mesmo um escudo resumo de todas as simbologias históricas, mas afinal é o povo quem mais ordena.

Jomaba
Enviado por Jomaba em 13/09/2008
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