Entrevista com o poeta Carvalho Neto

João Ribeiro de CARVALHO NETO nasceu em Amarante (PI), em setembro de 1944. Estudou em Teresina, São Luís, Salvador e Fortaleza, participou do movimento estudantil e graduou-se em Odontologia na Universidade Federal do Ceará.

Funcionário público, reside em Teresina (PI) onde trabalha no Programa Saúde da Família.

É autor dos livros: Variantes do Berro (1978); Arquitetura do Ser (1982); Da Oportuna Claridade (1997); no prelo Remansos (2008).

Participou das antologias: Baião de Todos – Editora Corisco (PI); Visão Histórica da Literatura Piauiense – Herculano Moraes; Nordestes – Fundação Joaquim Nabuco (Recife – PE); Antologia Poética – Projeto Mão Dupla (PI-CE); A Poesia Piauiense no Século XX – Assis Brasil.

Entrevista com o poeta Carvalho Neto

Elias Paz e Silva – Como nasceu o “poeta” em ti? Em que momento “houve luz”?

Carvalho Neto – Quando entendi que ao ser escolhido pela poesia, a eterna linguagem do mundo, o ser poeta significava compartir. Fiat lux!

EPS – Testemunha e participante ativo da militância estudantil nos “anos de chumbo”, o que nos tem a contar à nossa geração?

CN – Que a educação é fundamental na formação de uma sociedade livre e democrática.

EPS – Você já se libertou dos fulgores da década explosiva de 60 ou relâmpagos de sonhos ainda reverberam agora, depois dos 60 anos?

CN – há que se falar da aurora

da minha

da tua vida.

EPS – Como se dá o seu processo criativo, como nasce a poesia em ti?

CN – Só escrevo quando tenho vontade. Para mim é importante o gesto, o ser-em-si, meu quintal.

EPS - Companheiro-amigo de Torquato (Neto) na adolescência, o que nos tem a testemunhar do agora nome de Campus Universitário?

CN – Devo ao Torquato o gosto pela poesia, quando apresentou-me versos de Vinícius de Moraes. Ícone do movimento tropicalista, merece a homenagem. Poetar é correr o risco (Torquato Neto).

EPS – Você diz mais em prosa ou verso?

CN – Um dedo de prosa

O verso é meu universo.

EPS – De “Variantes do Berro” (1978) até “Alegoria” (2008), o que permanece, esteticamente, no Homem-Poeta e qual o fio de continuidade ou ruptura em sua poesia?

CN – O espaçamento entre livros é grande porque produzo pouco. A gente renasce em cada livro, portanto não há ruptura. Há sim, hiatos de agonia.

EPS – Entredentes, é bom desafinar o coro dos tristes? Ou você não rima poesia com alegria?

CN – uns fazem versos na argila

outros no aço

eu me satisfaço

em fazer versos sem cor

se é que faço

está na flor?

na tua boca

no teu delírio...

como posso

se já é um martírio esse morrer de amor?

EPS – Qual o maior (ou os maiores) presente que a vida-poesia lhe deu?

CN – O de poder mergulhar no universo interior abrindo trilhas para a sensibilidade, respeito às diferenças, musicalidade e principalmente para liberdade.

EPS - Dono de um estilo singular, reconhecidamente bem elaborado, de ti se pode dizer “o estilo é o homem”?

CN – Segundo Graciliano Ramos, estilo é o jeito. Concordo.

EPS – Ex-boêmio, líder estudantil, bêbado de sonho, dentista, pai de família, como conciliar o estro artístico com a ética humanista?

CN - Procurando ser transparente, ético, com compromisso social.

EPS – Leitor de clássicos da literatura rebelde sessentista, o que você diz ao leitor atual e à geração de leitores do futuro?

CN – dos corredores do tempo

saí batido, deserto, verdadeiro.

ansioso

digo para mim

em verso quase inteiro

confesso

faria tudo de novo.

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Alguns poemas do livro Alegoria, de Carvalho Neto:

pianíssimo

te afogo nos olhos

te guardo no peito

e meio sem jeito

te faço canção

ao piano

meus medos, meus dedos

segredos

correndo vadios

sobre o teclado

me dão arrepios

me deixam marcados

por grande aflição.

te afogo nos olhos

te guardo no peito

e meio sem jeito

te faço canção.

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prelúdio para quem ama

uns fazem versos na argila

outros no aço

eu me satisfaço

em fazer versos sem cor

se é que faço

está na flor?

na tua boca

no teu delírio...

como posso?

se já é um martírio esse morrer de amor

.....................................................................................

via sem estação

não fazia dia

e ganhei o mundo

desatando sonhos

vomitando dores

esquecendo amores

fora de mim;

não fazia dia

e ganhei o mundo

lutando, aprendendo

plantando auroras

na via sem fim.

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o poeta

o poeta é um bruxo

tira por encantamento

o vago som das palavras

pra traduzir um momento.

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alegoria

no azuluzente terreiro do céu

desse tamanho assim

pensa Cida que mais não sabe

que tirante as vantagens

é lugar duro de largar

onde mancha salta

tempo bonito, sobra

aveluz!

fosse assim em lugar perto

já estaria lá

onde asa de anjo dá respeito.

Elias Paz e Silva
Enviado por Elias Paz e Silva em 24/04/2009
Reeditado em 30/04/2009
Código do texto: T1556637
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