Entrevista - HÉLVIO LIMA (Poesia & Artes Plásticas) - MG

Quem me apresentou o Hélvio Lima foi o poeta, ensaísta e tradutor Aricy Curvello, no início deste século. Ele em Uberlândia, eu na Sampalândia, aos poucos fomos afirmando nossa amizade, trocando cartas e postais, ele sempre mais prestativo que eu. As suas edições do "Fundinho Cultural" (jornal de memórias de Uberlândia, MG) ) e "Aeroplano" (revista com muito da melhor poesia brasileira no momento), primam pela qualidade das escolhas, dos assuntos e esmero no acabamento. Tudo isso, porém, seria apenas quantitativo, se ele não enriquecesse as edições com qualidade de interlocução com seus confrades que vivem o êxtase de ser "artista" real. Longe de ser pedante ou nominado por efemérides difusas, confusas e obtusas, que surgem aos borbotões por aí, apenas para consagrar "compadres", Hélvio Lima está além, produzindo substância para espíritos siderados.

Ao longo da entrevista, que fiz por e-1/2, ele foi pontilhando suas respostas com alguns poemas de sua lavra. Esse dado não previsto, muito enriqueceu essa troca de idéias. E agora lhes apresento: bem vindos ao mundo dele. Degustem-no.

1) Quem é Hélvio Lima?

RESPOSTA: Artista plástico, escritor e editor autônomo de algumas publicações de poesia. Companheiro da escultora Adélia há 33 anos. Pai de Isabela Cândida,21 e de Renan Leòn, 19. Descobri a paixão pelo desenho e a pintura, criança ainda. Sempre fui autodidata nas artes.

O exercício dos versos, aprendi no curso Clássico, quando compus o primeiro poema. A professora gostou, leu na sala e estimulado pela mestra fiz um punhado de poemas nascidos do mero entusiasmo. E a paixão pela literatura se intensificou ao cursar letras neolatinas, na década de setenta.

"rotina

sem requintes

me regalo

à solução

do prato feito

absorto

me coloco

à veneração

arroz de ontem

carne

feijão

falta alguma coisa?"

(poema publicado na década de oitenta, na imprensa alternativa)

2) Do que li e vi de você, sua práxis é fazer telas de poesia, ou fazer poemas de cores e traços?

Navego pelos caminhos da palavra e da cor e me satisfaço com esta forma de expressão. Sempre gostei de literatura. Nos tempos de criança enveredava pela biblioteca pública municipal para ler e gostava muito dos autores franceses. A poesia complementa a pintura. A cor, para mim, se integra à poesia. Uma coisa precisa da outra.

Quanto à inscrição de versos nas telas, meus ou de outros poetas, desenvolvi a partir de 1986, em alguns trabalhos da exposição individual realizada na Galeria Itaú, em Brasília. Esta fase retornou a partir de 2001, quando realizei a série "O chão que a gente pisa", com versos do poeta natural de Uberlândia, Aricy Curvello. Com a parceria deste poeta realizei uma série de postais que tem se divulgado muito bem pelo país e por outros lugares do mundo.

"conclusions

Jeudi et plus personne ici

dehors la pluie tellement

le pâturage reverdit

le troupeau passe

et les souvenirs du passé aussi"

...(extrait Conclusions)

"Aux yeux d'Hélvio Lima, dessinateur, peintre et graveur, et qui s'exprime en français, une pincée de lassitude s'insinue dans le bréviaire des jours." Jalons. Vichy. França 2008

3) A condição ser-se (ou "estar-se") artista, corrobora para vincular -se ao mundo, ou antes, cria um distanciamento para tentar entendê-lo primeiro em suas formas e composições "externas"? Para resumir, como você, enquanto artista, "pensa" o mundo?

Muito bom ser artista! Melhor ainda, estar neste mundo, que podemos renovar com as nossas ações. Privilegiada, mas custa um certo preço, é a condição "ser artista", em todos os níveis, neste mundo... Apesar da realidade e da violência dos fatos contemporâneos que movem o mundo e nos jogam contra a parede, nós, artistas e poetas, temos armas sutis para lutarmos, se quisermos, contra as adversidades que surgem a cada instante.

Penso o mundo de maneira positiva e acredito na solidariedade. A arte e a poesia são porta-vozes dos sentimentos do mundo.

"há

uma porta

atrás da outra

atrás dos outros

e janelas que espiam

movimentos

na sala de estar

a comida exposta

a fome voraz

os corações nem tanto

tanto fez

tanto faz"

4) Mas podemos admitir que o artista não possui "obrigações" com a felicidade, sua e da sociedade? Esse estado altruísta e elevado a que você se refere não seria apenas congruência de quem está "de bem com a vida"?

Ao artista cabe a total liberdade para criar o seu mundo e ser, cada qual do seu modo. A arte para mim é uma necessidade interior de expressão. Tímido, a arte sempre foi desde criança, a minha ponte de ligação com o próximo. Senti de perto o verdadeiro significado da arte em minha vida, quando perdi em 1981, em inexplicado incêndio numa moldureira, noventa por cento das obras da exposição individual "Operários", fase social, fruto de um trabalho de 3 árduos anos. Naquele instante as obras se transformaram em seres humanos, cuja perda me causaram grande sofrimento.

Não posso dizer que eu seja um artista temperamental e de mal com a vida, nem posso afirmar que eu esteja permanentemente de bem com a vida. Me revolto sim com as injustiças do caminho e todos os preconceitos que existem entre as pessoas, isto é um tropeço à evolução humana. Cidadão comum que luta diariamente para realizar o seu trabalho e sobreviver numa cidade ainda pequena para a arte, preocupo-me bastante com o que ainda virá. Mas no atual momento estou bem e numa fase de cores alegres, como eu gostaria que o mundo estivesse pintado.

"robot

caravan

velocity of light

babel

alternated voices,

others make silence

swift

the itinerary blog

elapse

and a new commandment

reviews

and translate

varnish hands"

(translated by Teresinka Pereira . EUA . 2008)

5) O que você está produzindo, seja como artista plástico, poeta ou como editor?

No ano de 2008 aconteceram muitos fatos interessantes em minha carreira. Desafios que trouxeram novas possibilidades para minha caminhada em 2009. Fatos que nos levam a acreditar cada vez mais na arte e na poesia, como ponte de comunicação com a vida, meu verdadeiro caminho. É inegável a importância, em minha carreira, do apoio e prestigiosa contribuição que tenho recebido de todos os amigos e colecionadores, durante todo este tempo.

Neste instante, agradeço ao poetamigo Escobar Franelas a oportunidade desta entrevista. E destaco o incentivo da poeta e editora Ilma Fontes, do jornal "O Capital", de Aracaju. A poeta Teresinka Pereira, desde o princípio da década de oitenta até os dias de hoje, nos prestigia ao publicar e traduzir para outras línguas, o nosso trabalho, direcionando-o para vários jornais e revistas do mundo.

A arte postal das pinturas da série "O chão que a gente pisa" com a inscrição dos versos do poeta Aricy Curvello, repercute e continua levando a muitos lugares a presença da minha obra. Em princípio de abril deste ano terminou a mostra retrospectiva da poeta Perpétua Flores em Buenos Aires, onde os postais desta série foram expostos. Foram publicados também na Coréia do Sul na revista "The Moon Light of Corea" e mereceram destaque na revista "Jalons", na França. Neste ano ainda, participarei de uma coletiva e individual com temas figurativos em Uberlândia. O meu poema "Tudo" foi inserido no livro didático "A Aventura da Linguagem" - 9º ano, dos autores, Luiz Carlos Travaglia, Maura Alves de Freitas Rocha e Vânia Maria Bernardes Fernandes.

Como editor planejo lançar o Aeroplano 5 até julho deste ano. Novos números do jornal Fundinho Cultural virão em 2009. Assim é o caminho deste taurino, este seu grato amigo aqui do Triângulo das Minas Gerais, um guerreiro nascido no dia de São Jorge.

"nina

sollozando blues

tarde sin nombre

um tanto soul

um poco jazz

paro en la tarde

nina simone

um techo de cristal

esse lugar común

tarde sin sentido

inédita cancion

algo nos consume..."

(versão de Teresinka Pereira. Publicado em Clarin, Espanha 2007)

6) Já que penetramos no mundo do editor Hélvio Lima, gostaria que você versasse sobre as idéias que resultaram no Fundinho Cultural e do Aeroplano, essas duas publicações tão díspares e ao mesmo tempo complementares à sua obra?

Comecei na década de setenta, no curso de letras, a editar um jornal, junto com as colegas. "Xuxu Beleza" (uma gíria muito em voga na época), era o nome do jornal artesanal que eu diagramava, ilustrava e colaborava com algum texto de minha autoria. Editado em pequena tiragem, mimeografado a àlcool, em várias cores, fazia um grande sucesso, pelo bom humor e os bons artigos. No fim da década de setenta e princípio de oitenta, ao trabalhar no setor de publicidade de uma empresa de produtos veterinários, fui o responsável pela criação, diagramação, ilustração e redação do jornal "Valléentão".

O jornal circulou durante 7 anos e entre artigos sobre a febre aftosa, brucelose e outros asuntos veterinários, havia espaço para a poesia e a arte, colaborações que começaram a chegar de todos os lugares do país e do exterior. O "Valléentão" foi um dos veículos de divulgação da poesia dos anos setenta, da geração mimeógrafo, e mereceu citação no livro "Poesia dos anos setenta", da série Literatura Comentada da Editora Abril, que era vendida nas bancas. Depois da pausa de alguns anos editei, sem finalidade comercial, "Artstação", "Letra&Arte" e mais recentemente,"Fundinho Cultural" e "Aeroplano". No "Fundinho", os assuntos do bairro onde moro e a poesia de todos. No "Aeroplano", somente poesia e arte, onde tenho a oportunidade de divulgar meus queridos amigos literatos que enviam-me seus livros.

"...

essa dança interna

é site na internet

sete véus"

(Aeroplano. Poésie et Art cet livret joliment illustré par Hélvio Lima donne la parole à des poetes choisis. Heureuse réalization." Jalons 93. Vichy. França)

"Fundinho Cultural", biscoito fino para paladar exigente! De Uberlândia vem com perfume de pequi e araticum o jornal Fundinho Cultural." Ilma Fontes. O Capital. Aracaju. SE

7) Sua poesia, Hélvio, tem uma suavidade meio aveludada e às vezes permeada por um fino traço irônico, de confronto com as circunstâncias, dela extraindo um humor a meio caminho entre corriqueiro e o êxtase. De onde vem essa exultação? Como o poema se apodera de você, e como você o gesta para a luz?

Difícil conseguir explicar este movimento interno que nos orienta, inspira e nos motiva a escrever. Surge de repente, às vezes, no mais insólito momento em que a realidade nos remete às iras do dia ou no mais recôndito e tênue instante de calma. Uma palavra nos inflama, repercute em nosso âmago e o poema nasce.

Este encantamento pelo jogo das palavras ganha forma e os poemas, seres mágicos e independentes, afloram. Maravilhoso alumbramento este estado de alma que nos leva a compor palavra por palavra e expressar-nos. Caminho pelas descobertas, a poesia é alimento para viver.

"aeroplanos

cacarecos

leio chapadões

cerradões

nunca dantes olvidados

congadeiros andam longe

batucadas nunca mais

retenho comigo este perfume

internalizo

a luz"

8) Essa mesma luz que pode ser "diluída" em suas telas?...

Uma paleta de tons terrosos, sóbrios, atravessei um corredor escuro em minhas primeiras fases de pinturas e desenhos. Mais do que comer e beber, a insaciável sede e a fome da arte. A paixão febril pela arte. A necessidade maior da cor. Figuras humanas de traços marcados em preto. Urgentes paisagens da minha mente. Naturezas mortas escuras...

As primeiras obras, figurativos que nasceram nas horas vagas, noturnas, que se estendiam pelas madrugadas, após exaustivos dias de suor, trabalho braçal diurno para ganhar a vida. A claridade chegou devagar, após muitos anos de exercício pictórico diário.

A luz no final do túnel é distante e é difícil distingui-la. É um flash, um mínimo instante. Mas, apesar da abertura de matizes, ainda resvalamos em cinzas e sépias para conjugar reflexão, espanto e êxtase.

"aroma

vago pela casa das dores

até que a luz se faça

duendes à procura de alguém

pela casa viajam comigo

frequentam multidões de afetos

desafetos

meu bem - meu mal

giram

em torno

desta casa perene

em vagos sons

perfumes nauseantes

manhosas vozes

envolvimentos

que não acabam mais"

9) Com o advento da internet e essas novas possibilidades em todos os campos do relacionamento humano, como ficou o papel do artista, enquanto produtor de sensibilidades? Isso afeta o seu trabalho?

A minha experiência pessoal com a internet é muito recente, nem sei se eu poderia tecer um comentário objetivo sobre ela. Tenho inúmeras dificuldades com a tecnologia. Vou adaptando-me muito vagarosamente, mas considero todas estas possibilidades oferecidas via computador e internet, algo fabuloso. Este fantástico e intrigante universo multifacetado e ultra rápido oferecido pela internet, acredito, há de possibilitar ampliação do universo dos artistas nas comunicações modernas. Um valioso instrumento, uma ferramenta que se disponibiliza. Mas, sei de muita gente de imenso valor e sensibilidade que não se veicula à internet, e muito menos se rende aos aparelhos celulares. Respeito a escolha destas pessoas, e reflito sobre esta questão: será que isto poderia constituir-se em barreira ou seria uma abertura a mais à criação?