A JUSTIÇA ESTUPROU O JORNALISMO DE RONDÔNIA

Alguns dias atrás (30 de março de 2009) o Supremo Tribunal extinguiu a arcaica Lei de Imprensa (5.250/67). A visão de vanguarda dos ministros, também, aboliu a obrigatoriedade do Curso de Jornalismo para obtenção de registro nas DRTs (pilar do retrogrado Decreto-lei 972/69). Em outubro de 2005 foi publicada uma minha entrevista no site O Guaporé. Esse conteúdo profético é bastante esclarecedor.

Este é realmente um país de contrastes: a imprensa participou acirradamente de todas as reformas que aconteceram no país. Agora, que está acontecendo a reforma da liberdade de expressão no Brasil, a imprensa emudece sobre o relevante assunto. E os que se atrevem a comentar sobre o tema, demonstram uma ingenuidade que chega mesmo a doer. Parece que o longo estado de letargia afetou sobremaneira nossos caríssimos jornalistas brasileiros.

Portanto, não se deve, pois, gritar mais: “Viva a liberdade de expressão!” sem acrescentar: “Patrimônio da humanidade”.

Segue a entrevista, tal qual será publicada na segunda edição do meu livro - CENSURADO:

A JUSTIÇA ESTUPROU O JORNALISMO DE RONDÔNIA

Rondônia já foi palco do mais horrendo matricídio cruel, ocorrido na região norte do Brasil: o famigerado Massacre de Corumbiara. Foi aqui, também, no ano 2002, que ocorreu um dos fatos históricos mais escandalosos da América do Sul: o primeiro jornal foi fechado a mando da "Justiça". Até ontem, o Sindicato dos Jornalistas, os mecanismos de defesa dos direitos individuais e sociais e parte da Imprensa, permanecem omissos diante tamanha arbitrariedade. Nosso site entrou em contato com o ex-diretor responsável do jornal A Crítica de Rondônia, o escritor Jeovane Pereira, que nos concedeu esta entrevista com exclusividade. Detalhes da odisséia que ele viveu em Cacoal, um pouco sobre como estar sendo sua vida em Vilhena, sua passagem meteórica com empresário da comunicação, e a peripécia de ter conseguido a façanha de colocar em circulação o primeiro jornal em formato padrão, com doze páginas, capa e contra capa coloridas e de maior abrangência no interior do estado de Rondônia. Esta entrevista prende o leitor/internauta pelas declarações bombásticas de Jeovane Pereira, que, não deixa dúvida: o jornalismo de Rondônia foi e continua sendo “estuprado”. Saiba dos detalhes, na entrevista que segue:

O Guapore - Enfim, mais uma das poucas vezes que o Sr. teve oportunidade de falar sobre o que ocorreu em Cacoal?

Jeovane Pereira - (sorrindo desconcertadamente) Realmente! (agora ele ficou sério) Acompanhei estarrecido, a excessiva divulgação dos últimos acontecimentos políticos na mídia brasileira. Como se políticos ladrões nunca existissem, aqui nas terras "descobertas" por Cabral. Em Rondônia, enquanto se ocupavam da excessiva amostragem do que todo mundo sabe, a grande maioria dos meios de comunicação, deixou passar despercebido um fato histórico de relevância mundial.

O Guaporé - Mas do quê exatamente o Sr. está falando?

Jeovane Pereira - Ora, da vergonhosa censura enraizada no estado de Rondônia. Acompanhe meu raciocínio: quando acontece censura institucionalizada, ou qualquer outro tipo de censura, não ocorre somente um ataque contra a pessoa de um jornalista ou o seu mecanismo de imprensa. Mas sim um crime contra toda sociedade e como tal, esse crime odioso deveria receber o mesmo tratamento dos crimes hediondos. Assim, daríamos um longo passo para arrefecer de vez a intolerância praticada pelos adversários da liberdade de expressão e de todas as liberdades públicas. Em Rondônia, e no Brasil, centenas de jornalistas são processados aleatoriamente. Como se divulgar crimes dos bandidos de colarinhos brancos, ou outras mazelas de funcionários públicos, aqui falo dos três poderes em suas esferas, não pudesse ser realizado com dignidade. Um exemplo dessa opressão foi a proibição do programa Fantástico da Rede Globo, pelo desembargador Gabriel Marques, esse cidadão atacou as liberdades do povo rondoniense e nada foi feito. A "justiça" dissolveu minha empresa legalmente constituí¬da e nada aconteceu aos déspotas. Na Carta magna, dos Estados Unidos da América, no ato 5º, proíbe até mesmo a possibilidade de se criar leis ou obstáculos que impeça a liberdade de expressão.

O Guaporé - Se o Sr. diz que no Brasil não existe a plena liberdade de expressão, então o que é preciso ser feito para existir de fato?

Jeovane Pereira - É muito "simples": a lei 5.250/67 (Lei da Imprensa), foi instituída em pleno exercí¬cio do poder autoritário, não se vislumbrou qualquer possibilidade desse poder ser questionado. É esse autoritarismo que está arraigado na Lei de Imprensa brasileira. Portanto, se faz necessário mudar a Lei. Hoje, no Brasil, é imperativo sistematizar punição para os que ousarem censurar a liberdade da Imprensa. Não importa se a censura vier de um juiz, desembargador, promotor, ou até mesmo de um presidente. A liberdade de expressão, seja ela intelectual, artística ou cientí¬fica, é patrimônio da humanidade. Ninguém tem o direito de cercear os direitos adquiridos de todos os seres humanos. O bom exemplo de mudar a Lei no Brasil foram os modos trans-loucos usados para fechar meu jornal. Atos como esses deveriam, deveriam não, devem ser repudiados veementes e expostos seus executores. Referente ao meu caso, a maioria da Imprensa permanece muda. Percebeu a gravidade desse silêncio? É utópico acreditar que no Brasil exista plena liberdade de Imprensa.

O Guaporé - O Sr. Concorda que o silêncio por parte da Imprensa é também responsável pela censura no Brasil?

Jeovane Pereira - Sim! Concordo. Mas há outros fatores. Falando no caso especí¬fico de Rondônia: o Sindicato dos jornalistas é totalmente inoperante. A Delegacia Regional do Trabalho não fica atrás nesse despreparo. Que fique claro aqui, que eu não nutro qualquer aversão às pessoas do presidente do Sindicato dos Jornalistas e do diretor geral da DRT de Rondônia. O fotógrafo Marcos (presidente do Sindicato dos Jornalistas) pode até ser um bom homem. Mas quanto à sua postura com relação a classe jornalística, ele deixa muito a desejar. Eu estive falando com o Marcos alguns meses atrás sobre o que aconteceu com o meu jornal. Ele me deixou a impressão de que jornalista é só quem estiver associado ao Sindicato. Um pensamento assim enquadra-se em retrocesso. Existem também os pseudo-jornalistas que militam na Imprensa de Rondônia, que tornam as coisas ainda muito pior, porque minam a credibilidade dos profissionais sérios. Salvo raras exceções, o jornalismo em Rondônia está entregue ao "deus-dará". Atente para o meu caso: a intransigência, o poder abusivo e a intolerância, têm me feito refém do cárcere e não será novidade, se me levarem ao martírio. Contudo, aceito alegremente ambas as condenações, pela honrosa causa da liberdade de expressão. Mesmo diante de tantas dificuldades, eu não pouparei esforços para responsabilizar perante a História, as pessoas que me atacaram, e farei isso não como ato de vingança, mas de justiça. Aqui está a diferença: sou motivado por uma causa nobre. Eu tenho um ideal. Isso não se compra com dinheiro, é conquista de quem zela por sua integridade.

O Guaporé - Então, podemos admitir que os jornalistas muitas vezes excedem no exercício da profissão?

Jeovane Pereira - Hoje é raro jornalismo autêntico. O que lemos é muita notí¬cia direcionada. Muita versão e descomedimento por parte de alguns profissionais da Imprensa. Nada que umas boas horas de cursos de aperfeiçoamento e um pouco de ética não resolvam. Por outro lado, a aleivosia e o recalque dos pseudos-jornalistas têm que ser combatidos não somente pelo Judiciário, mas pelo Sindicato dos Jornalistas e empresários da Comunicação. Não estou falando de reprimi-los com violência ou cercear seus direitos de atuarem na Imprensa, mas é necessário criar meios para torná-los capazes. A aleivosia e o recalque dos pseudos-jornalistas existem normalmente por faltar-lhes o conhecimento. Raramente há um jornalista com caráter totalmente reprovável. Já quanto a colocar jornalistas na prisão, isso é se valer de leis retrógradas de civilizações passadas é total desnecessário. O que é preciso, caso um jornalista venha a se desviar da conduta ética profissional, será promover uma ampla divulgação da retratação desse erro, caso seja confirmada as informações interesseiras e desabonadoras a qualquer pessoa honesta. Que fique bem claro: pessoas comprovadamente honestas. Fora isso, qualquer tipo de censura deve ser tratada como algo abominável.

O Guaporé - O Sr. é muito positivo e me parece que está muito seguro de seus objetivos, embora eles sejam insólitos. Já não lhe passou pela cabeça a possibilidade de ser considerado por alguns como sendo um homem louco?

Jeovane Pereira - (uma longa gargalhada) Esta tua pergunta me faz vaguear pela História. Desde que o homem conseguiu fazer brotar o fogo, reter a água e captar o vento, todo o progresso da humanidade foi essencialmente idealizado e realizado por homens que os cidadãos comuns, o Estado e a Igreja, insistem em taxá-los de loucos. Se a minha árdua luta por liberdade de expressão e o meu idealismo for tratado por alguns como sendo um ato de loucura, aceito de bom grado, porque sei que a histeria desses é falta de paciência e é sempre passageira. Afinal, quem estiver de posse da razão é quem vai prevalecer.

O Guaporé - O Sr. está privado de sua liberdade, o que tem a dizer sobre isso?

Jeovane Pereira - Nos processos e na forma como esses foram conduzidos é evidente que sirvo de bode expiatório. Não ter dinheiro me torna uma presa fácil de meus algozes. E eles não deixam por menos, usam e abusam de prerrogativas controvertidas, certos da impunidade que lhes é assegurada em nome da Lei. Mas no seu devido tempo e a contento, trarei à luz a verdade, desmascarando os que pousam de moralistas, a hipocrisia desses, e aqueles que se escondem atrás do manto do Estado, para defender interesses escusos; onde encontram motivos para me atacar.

O Guaporé - O Sr. deve guardar muitas mágoas do passado, estou certo?

Jeovane Pereira - Errado! Se eu fosse guardar algum rancor na minha alma teria que descer a escala mais baixa da dignidade humana e me tornar igual aos meus algozes. Como já disse antes, repito, em outras palavras: se os meus oponentes estivessem escolhidos outra pessoa para escalpar eles teriam se sagrado vencedores. Felizmente, apesar de pagar um alto preço e dos dissabores, luto por um ideal. A única coisa que pode me impedir de realizar meus objetivos é tirarem a minha vida. Caso contrário, todos que me perseguiram e os sórdidos motivos, eu deixarei um registro, para quando no futuro tivermos a plena liberdade de expressão, as futuras gerações saibam que aqui na Amazônia a luta foi árdua.

O Guaporé - Concluindo esta entrevista, fica o espaço reservado para suas considerações finais.

Jeovane Pereira - Primeiramente, gostaria de agradecer aos responsáveis pelo site O Guaporé, por ter me concedido espaço para que eu falasse um pouco das minhas idéias e do que ocorreu comigo. Concluindo, me amparo nesta declaração, para justificar minha persistência: ainda que muito eu sofra, pela ação dos espoliadores que me perseguem; mesmo que o meu espírito fosse minado por anos de desonra no ócio do cárcere e o meu corpo lentamente definhado na prisão, não poderia deixar de me alegrar, por ter lutado em prol da liberdade de expressão.