Entrevista - ARICY CURVELLO (Poesia) - MG

Mineiro de Uberlândia, o poeta e ensaísta Aricy Curvello é um atleta incansável em favor das letras brasileiras. Autor de vários livros de poesia, entre os quais cito “Mais Que os Nomes do Nada” (1996, Ed. Escritor, SP); ensaios (destaque para “Uilcon Pereira: no coração dos boatos” ( 2000, Ed. Giordano – SP, Ed. AGE – RS), pelo qual recebeu o prêmio Joaquim Norberto de Ensaios Editados/Biografia, da União Brasileira de Escritores, RJ; consultor para a 2ª. Edição da Enciclopédia de Literatura Brasileira; Aricy também é nome certo nas principais coletâneas que tratam da poesia brasileira, aqui mesmo na terra de Cabral, ou então no exterior. Residindo há muitos anos em Serra, ES, ainda assim Assis Brasil o incluiu na antologia “A Poesia Mineira no Século XX” (1998, Ed. Imago, RJ), assim como Mariazinha Congilio em “Antologia dos Poetas Brasileiros” (2000, Universitária, Lisboa). Também Xosé Lois García contemplou-o na “Antologia de la Poesia Brasileña” (2001, Edicións Laiovento, Santiago de Compostela); e mais Federico Nogara e Aitana Alberti em “Poemas y Relatos desde el Sur” (2001, Ediciones Carena, Barcelona); além de Jean-Paul Mestas em suas três obras bilíngües “Um Mundo no Coração / Um Monde au Coeur” (2001, Universitária, Lisboa).

Tive a oportunidade de conhecê-lo quando remeti a ele um exemplar de meu livro hardrockcorenroll (1998), e desde então temos trocado cartas, cartões, postais e literatura diversa, onde tenho aprendido muito com sua argúcia, dedicação e seriedade, dedicadas à literatura, brasileira e universal.

Propus a ele esta entrevista abaixo, via e-mail, e ele polidamente cedeu-me um pouco de seu tempo e atenção, numa viagem pela sua prodigiosa memória. Aqui está aquela que considero a primeira parte de uma conversa que quero que se prolongue por mais vezes. Desfrutem-na:

1) Escobar Franelas: O que é poesia? Como ela foi escrita, lida e interpretada através dos tempos?

ARICY CURVELLO: Há uma quantidade muito grande de definições do que é ou não é poesia. A preferência por uma ou outra definição liga-se à visão filosófica e/ou estética de alguém. Quanto ao que me toca, considero muito boa a definição proposta por Ezra Pound de que poesia é condensar linguagem ao máximo.

De Homero, o primeiro poeta registrado pela História (cerca de 1.000 a. C.) até hoje, são mais de 3 mil anos. Para se responder à pergunta de como foi a poesia escrita, lida e interpretada através dos tempos, alguém teria de resumir bibliotecas. Ainda assim, nem tudo está registrado ou preservado, pois se perdeu bastante da melhor poesia grega antiga e mesmo da romana antiga, por exemplo.

2) EF - Lembro-me que o Uilcon Pereira sempre o citava como "o bibliotecário de Babel"; imagino que você possa falar ao menos de sua experiência pessoal. Como a poesia "entrou" em sua vida?

AC: No período de alfabetização, mostraram-me e leram alguns poemas curtos para crianças. Vinham em álbuns coloridos, de grande formato, porém de poucas páginas. Geralmente, eram pequenas fábulas com animais falantes. O que me ficou na memória dizia respeito a uma ave, uma pata branca que havia botado um ovo. Era um mundo fascinante e novo que se abria para mim. Depois, na escola fundamental vieram poemas patrióticos, a inevitável letra do "Hino à Bandeira", etc etc... Na infância, o que mais me marcou foi mesmo um livro que pertencia à minha mãe, de Olavo Bilac, com encadernação inteira em vermelho, com o apelido da dona escrito na página de rosto: Nhazinha. O soneto bilaqueano que mais me impressionou foi aquele sobre as velhas árvores. Meu contato com a poesia foi ocorrendo aos poucos, ao longo do tempo de criança e de adolescente, fazendo-me absorver a noção de intensidade e rigor da linguagem poética, ao contrário do vale-tudo comesinho da prosa.

3) EF - E quando foi que você cuidou de escrever o que se passava à sua volta, o mundo que o envolvia?

AC: Não ocorreu dessa forma. Na verdade, sofri um choque muito grande com a morte de minha avó materna, a quem era muito ligado, inclusive porque era uma grande leitora e me dava livros. Foi a primeira vez que perdi alguém íntimo, e ela era muito importante para mim. Levei tempo para assimilar a perda e passei por uma crise de misticismo.

4) EF - Como assim, a experiência mística trouxe um alumbramento?

AC: Era ainda criança, onze para doze anos... Minha mãe era uma pessoa enérgica, meio autoritária, e eu nunca fui impelido a abraçá-la, mas sim à minha avó, uma pessoa meiga que me era muito importante e minha amiga. Foi um grande choque para mim ficar sem ela... Foi preciso algum tempo mais e compreendi o que é a morte, a perda de alguém para sempre, para que eu despertasse para o fato inexorável de que tudo se vai, tudo passa, inclusive as pessoas, e que este mundo de nada vale, e sofri uma intensa crise de misticismo. Desejei ingressar num seminário jesuíta. Meu pai, oficial do Exército, era materialista, porém não a família de minha mãe. Chegou-se a escrever para um estabelecimento jesuíta e um dos superiores da Companhia de Jesus veio visitar-nos em casa, em Uberlândia (MG), o Pe. Murilo Moutinho... Eu seria aceito de pronto no seminário, porém meu pai impôs a dura condição de que só autorizaria isso quando eu terminasse o curso de segundo grau: ele acreditava que o tempo me modificaria...

5) EF - Pelo visto, o tempo encarregou-se de dar a notícia que seu pai intuitivamente estava certo...

AC: Não, não estava... Ele agiu durante todo o tempo, impedindo meu ingresso no seminário. Ao completar 18 anos, ainda assim eu teria de ter o consentimento dele que foi negado. Seria preciso também ter um enxoval pronto conforme a relação fornecida e seria necessário que minha família contribuisse para com a minha manutenção no seminário. Meu pai veio com outra exigência: que eu me formasse em Direito e aí sim ele concordaria. Fazer o quê? Quando me preparava para ir para a casa de uma tia estudar no Rio de Janeiro, meu irmão se pôs a dizer (veja só) que meus pais faziam todas as minhas vontades e as dele não. Deixei que ele fosse para o Rio e fui para Belo Horizonte entrentar o desconhecido e o golpe militar de 1964...

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(poema de Aricy Curvello)

"Outra vez"

Sempre estamos a reconstruir.

Estamos sempre recomeçando num caminho que se destruiu,

sempre se destruindo ainda.

As coisas mais que perfeitas

duram apenas a construção

no instante: vamos adiante.

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(Fonte bibliográfica 1: Literatura – Revista do Escritor Brasileiro, “Aricy Curvello – Um Poeta Antiburguês”; Taveira, João Carlos; nº 22, jan/jun 2002, ISSN 1518-5109)

(Fonte bibliográfica 2: http://www.protexto.com.br/texto.php?cod_texto=51)

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