Clécia Queiroz e o Samba da Bahia

Clécia Queiroz é uma cantora baiana que tem muito tempero.

Em seu terceiro CD, após uma temporada nos Estados Unidos, a talentosa cantora nos surpreende com samba brejeiro, de raiz, nascido no recôncavo baiano e as influencias e sabores musicais que trouxe do estrangeiro. Uma mistura provocante e saborosa.

Entre os compromissos da temporada encontrou um tempinho e nos concedeu a seguinte entrevista:

QG - Clécia, você foi apelidada de Dama do Samba da Bahia, concorda com esse apelido?

Clécia Queiroz - Acho carinhoso e me honra muito esse apelido. Creio que ele tem uma razão de ser: o fato das pessoas associarem a minha performance à nobreza do samba de roda, à simplicidade e riqueza das canções, que falam da cultura das suas comunidades, à elegância das dançarinas tradicionais que fazem a roda no interior do estado com brejeirice e charme. Apesar de trabalhar com a sensualidade e com muitos aspectos da nossa cultura, não uso roupas curtas e me valho sempre dos ricos textos da cultura popular e de compositores como Roque Ferreira, Jorge Portugal, Batatinha, ou Walmir Lima. Eles, sim, enobrecem o samba da Bahia.

QG - Você morou no exterior por vários anos, qual sabor musical se acrescentou às suas influencias?

CQ - Eu fui estudar na Howard University, que é a primeira universidade negra dos Estados Unidos e tem uma forte tradição do estudo do jazz. Então eu tive aula de música muito voltada para este gênero musical – que eu já adorava. Contudo, dentro do curso existe um gosto imenso pela bossa-nova e terminei me tornando assistente de bossa para minha professora de improvisação. E na verdade, eu nunca tinha cantado bossa profissionalmente. Então mais que nunca me apaixonei por nossa bossa nos Estados Unidos!!!! Fiz muitos concertos na universidade e fora dela, principalmente no Instituto Brasileiro/Embaixada Brasileira em Washington.

QG - Sua agenda está movimentada, quando virá para SP? E que outras capitais estão na sua mira?

CQ - Ainda não tenho data em São Paulo. Vou estar trabalhando, por enquanto, no interior da Bahia, pois acho que meu trabalho deve muito à herança do Recôncavo Baiano e eu preciso devolver a ele o resultado do trabalho. Quero muito ir pra São Paulo – adoro!!!, mas ainda dependo de patrocínio. Quero ir também ao Rio, Recife e Belo Horizonte.

QG - Você estudou teatro, dança, música, compõe, seu show é performático, tem mais algum dom artístico que gostaria de experimentar, como literatura ou pintura?

CQ - Antes de ser dançarina, pensava que me tornaria desenhista, desenhava muito durante toda minha adolescência, mas depois terminei deixando o lápis e me adentrando na dança. Desaprendi a desenhar. Mas nos Estados Unidos, como meus estudos eram dentro de Artes Visuais, acabei criando cenários, trabalhos de artes plásticas que jamais pensei em fazer. Foi um desafio enorme, mas os trabalhos ficaram muito legais. Então, mesmo sem ser uma área que queira investir, hoje também opino e influo no meu cenário e crio meus próprios figurinos.

QG - Seu professor de Jazz, Mr. Grade Tate, legendário percussionista e vocalista, a comparou com a controvertida Bilie Hollyday. Você concorda com isso?

CQ - (risos) A primeira vez que subi ao palco para cantar, uma jornalista baiana, editora do jornal A Tarde escreveu que eu era a Bilie Holiday baiana. Eu achei aquilo um absurdo, apesar de ficar lisonjeada. Do mesmo modo, Mr. Tate me apelidou e de verdade me assustou. Ele sempre foi muito generoso comigo, gostava da minha forma de cantar e me expressar corporalmente, dizia que eu tinha muita alma e achava que eu precisava ensinar aos meus colegas. E isso de algum modo acabou acontecendo, uma troca grande entre meus colegas e eu. No jazz as pessoas não se movem, mas meus colegas passaram a fazê-lo a partir de mim. E eu procurei absorver muito o jeito que eles têm de brincar com melodias. Quanto a ser Bilie Holiday, acho que as pessoas tem uma necessidade grande de comparar, de encontrar um parâmetro, uma referência. Em São Paulo, fui comparada a Zizi Possi... Certamente todo mundo tem influências, elas estão aí no mundo, e a gente nem nota o quanto nos chegam. Acho que tenho meu jeito próprio de cantar e isso é o que verdadeiramente importa.

QG - Com relação ao samba, seu recente CD é “Samba Roque”, com sambas de Roque Ferreira, quais são suas influencias e como foi a escolha desse repertorio?

CQ - Sou uma apaixonada do samba desde menina. O samba entrou no meu corpo primeiro, muito antes dele se transformar em canto dentro de mim. Foi através do samba-de-roda ensinado por meus professores de dança e depois na universidade Federal da Bahia onde me graduei em Dança. Lá estudei muito as manifestações populares e o samba-de-roda sempre foi destaque pra mim. Na música, venho trabalhando com samba desde 2001, fiz um projeto que se chamava “Casa do Samba” que aconteceu entre 2003 e 2004, interrompido por minha ida aos Estados Unidos. Nessa época, quase nada se falava sobre samba na Bahia, o samba era visto com muito preconceito. Reuni os sambistas da velha guarda baiana, chamei atenção da imprensa, trouxe artistas que não eram sambistas para cantar samba comigo toda sexta-feira, numa casa grande e bonita. Foi um projeto lindo e acho que deu o primeiro passo para que o samba fosse visto de outra maneira em nossa cidade.

Retornando a Salvador, quis continuar trabalhando com o samba e resolvi gravar um CD todo de samba de roda, mesclando-o com ritmos da tradição africana na Bahia, especialmente do candomblé. Conhecia Roque de nome e ouvi uma música dele cantada por um amigo, que adorei. Então resolvi procurá-lo. Inicialmente ele me deu 6 músicas, somente 1 era samba-de-roda. Mas adorei todas e achei que as letras falavam coisas que eu queira falar e tinha a ver com meu projeto. Pedi a ele que me desse mais samba-de-roda. Ele me deu mais 11 canções onde outros tipos de samba estavam presentes. Eram todas lindas!!! Terminei resolvendo gravar um CD com canções de Roque Ferreira e o batizei de “Samba de Roque”. Para mim, Roque é simples e sofisticado ao mesmo tempo. Lembra Caymmi nesse sentido, embora sejam de gerações bem diferentes. Mas, como o mestre Dorival, Roque fala da sua terra, da sua gente, seus costumes, sua cultura... Tudo isso de forma tão genuína... Com um olhar muito atento à identidade do seu povo. Sinto-me absolutamente honrada de cantar suas músicas e muito feliz da generosidade dele de me presentear com canções inéditas para meu disco Samba de Roque. Sinto que está na hora da Bahia se ver em Roque do mesmo jeito que ele tem dedicado sua vida a revelá-la.

QG - Já tem previsão de temporada de lançamento deste terceiro CD?

CQ - Como disse, vou estar na Bahia acredito por todo este final de ano. Ainda não tenho temporada, mas já estou articulando ida para São Paulo, Rio, Minas, Recife e Estados Unidos.

QG - Você é também compositora, qual sua musica preferida de sua autoria? E de outros autores?

CQ - Gosto muito de “Morango e Nata”.

QG - Seus projetos para o futuro envolvem ida ao exterior ou pretende consolidar sua carreira no Brasil?

CQ - Envolvem, sim. Pretendo ir para Europa e Estados Unidos também e, se Deus quiser, para a África.

QG - Gostaria de deixar alguma mensagem para os sambistas que estão começando sua carreira?

CQ - O samba é a nossa grande matriz. Ele deveria estar nas escolas de música, nas universidades. Infelizmente nossa cultura não dá o verdadeiro valor ao que é nossa. Então, pra você que está começando, acredite que ele pode e deve ser sua régua e compasso. Mais que isso, sua prateleira, sua base.

QG - Tem alguma mensagem para os leitores do QG do Samba?

CQ - Gostaria muito que conhecessem meu trabalho e, portanto, peço que acessem meu site www.myapace.com/cleciacanta, e meu blog http://cleciaqueiroz.blogspot.com/, ouçam as canções, opinem!

QG - Obrigado pelas respostas.

CQ - Muito obrigada você Almir. Sucesso para o QC e muito axé procê... ih! rimou! (risos)

Almir Ramos da Silva é advogado em São Paulo e colunista do QG do Samba

Almir Ramos da Silva
Enviado por Almir Ramos da Silva em 08/01/2010
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