Arlene de Katende (entrevista concedida a Elaine Cristina Marcelina Gomes)

ARLENE DE KATENDE (YALORIXÁ)

A entrevista concedida por Arlene de Katende , à Elaine Cristina Marcelina Gomes, gravada e transcrita. Na Rua, Centro de Nova Iguaçu, em Agosto de 2008.

Bom dia, estou aqui fazendo uma entrevista com Mãe Arlene de Katende, uma mulher histórica no Município de Nova Iguaçu, e eu quero saber as contribuições desta mulher nas questões políticas e como foi sua iniciação na Religião, que é o Candomblé.

ARLENE, O QUE VOCÊ FAZIA EM 1975?

Bom em 1975, eu estava recém iniciada, tinha apenas três anos de iniciação e pensava em mudanças para nossa cultura, porque quando eu entrei pro Candomblé, tinha vindo da igreja Católica, cheguei a ser noviça, ia ser freira e sai da Igreja Católica não por vontade, mas até acredito por uma escolha dos meus orixás, dos meus inkices, por essa nova realidade que é a minha religião, o Candomblé. Abracei esta religião com amor e carinho, estou dentro dela há 36 anos, que vai fazer dia 27 de outubro que sou iniciada e me sinto muito feliz por estar contribuindo para o crescimento e evolução da minha cultura, todo o trabalho que tenho feito e com todas as lutas, me sinto com uma divida com minha religião, por não ter começado antes, e por ter ficado tantos anos desenvolvendo essa idéia. Antes de 75, em 1972 quando me iniciei eu já pensava em fazer alguma coisa, via as dificuldades, quando eu via a discriminação, porque sempre existiu a desigualdade, todo esse comprometimento que temos com a nossa causa, a guerra e a luta, devia ter começado antes, mas por ter me casado cedo, ter tido filhos, enfim acabei me envolvendo mais com a família e acabei deixando de lado esta vontade, só agora em 2002, com a fundação da minha ONG, o CISIN e do Afoxé Maxambomba, eu retornei estas atividades de luta, militância, em prol da minha cultura.

VOCÊ COMO MULHER TEVE DIFICULDADES?

Com certeza tive, não só por ser mulher, mas pelo gênero, infelizmente é uma luta muito grande, encontrei muito preconceito, até por eu ser branca e estar militando numa cultura Afro, uma cultura só de negros, que eles consideram ser só deles, que na realidade eu sempre falo, eu fui uma escolhida pelo meu inkice e com certeza quando ele me escolheu ele sabia o que estava fazendo. Minha mãe de santo, Mãe Eleci, que em 72, ajudou na minha iniciação, e que na época eu fui iniciada por mãe Dineui, lá eu estava presente e ela disse assim “Dileui, esta menina vai levantar esta bandeira e ninguém acreditou, porque esta menina vai levantar o nome da Goméia”, e hoje eu tenho certeza disso, porque eu bato pé e enfrento todas as lutas e estou ai nas guerras, ontem mesmo nós tivemos uma reunião com o ministro Edson santos, lutando para conseguir o nosso espaço, pedindo, reivindicando, então o nosso trabalho é esse, nós não estamos trancados, escondidos, não estamos dentro de casa, escondidos atrás dos nossos inkices, nós gritamos, nós mostramos a cara. Em 1972, minha avó de santo na época, que hoje eu agradeço a Gagalunga, por ter ela ainda viva, ela disse essas palavras e eu na época pensei comigo, Porque esta senhora esta dizendo isto? Ela esta é louca, pois eu só quero saber de seguir a minha vida e, no entanto eu vi que ela naquele momento, deu as diretrizes da minha vida e dos meus caminhos.

EM QUE MOMENTO VOCÊ COMEÇOU A PERCEBER QUE ESSA SUA VIDA RELIGIOSA, ESTAVA SE MISTURANDO COM O SOCIAL, ATÉ VOCÊ ABRIR SUA ONG, ATÉ VOCÊ RESGATAR A QUESTÃO DO AFOXÉ, ENFIM QUANDO TUDO ISSO SE MISTUROU NA TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE?

Olha só, na realidade Elaine, eu percebi isso quando a minha mãe de santo faleceu, eu tinha apenas 14 anos de iniciada e a partir daí eu tinha que juntamente com o filho dela, que veio a falecer dois anos depois, assumir a casa dela, então eu vi que realmente eu não podia, mas fugir deste compromisso e que não era só um compromisso religioso era também um compromisso social, foi quando eu comecei a ver a minha religião de uma forma diferente, como algo que era o sustentáculo da minha vida, já que era assim eu tinha que lutar por essa religião e não poderia deixar aquela casa fechada, acabar, entendeu, ai eu vi que a religião não é só a parte religiosa, inclusive tem a parte social, cultural, política principalmente, que é o que o nosso povo de candomblé e de umbanda tem que ter, ter uma consciência, uma consciência política, saber votar, saber em quem votar e como votar.

DEPOIS QUE VOCÊ ASSUMIU ESSA CASA, O QUE TE FEZ TER TANTAS RESPONSABILIDADES COMO, SUA CASA, SUA FAMÍLIA, SUA FAMÍLIA ESPIRITUAL, COMO CONSEGUIU UNIR ESSAS DUAS FAMÍLIAS?

No começo foi muito difícil, muito difícil mesmo, mas depois eu percebi o seguinte, que era tudo uma questão de organização e eu consegui me organizar, eu não morava em Nova Iguaçu, morava em Vicente de Carvalho e tinha aquele compromisso com minha casa de santo, de vir toda segunda –feira para Nova Iguaçu, e ter que ficar dois ou três dias, então como é que eu fazia com filhos pequenos, porque meu filho mais velho tem 28 anos e com dois enteados do meu segundo casamento, eram quatro crianças numa casa e eu consegui me organizar, me organizei para isso, e consegui organizar a minha família, claro que devo muito, muito ao meu falecido esposo, foi um grande homem, apesar de não ser do santo, e por ser um negro ele via a minha religião com muito respeito, e também com o apoio dos meus filhos apesar de serem crianças, aceitavam e respeitavam a minha escolha, acho que tudo começou ai, tudo é a organização, quero te dizer o seguinte, há três anos atrás, quando organizei a minha instituição, eu ouvi isso do Lindberg, o nosso atual Prefeito, quando fui procura-lo para reivindicar uma ajuda de custo para trazer o afoxé pro desfile e ele virou pra mim e disse “Não tem ajuda de custo, você tem que se organizar, organize-se”, e daí eu parei e pensei, é verdade, se eu consigo organizar minha vida religiosa e social , porque que eu não consigo organizar a minha vida cultural? Hoje eu tenho certeza disso, que a principal coisa na nossa vida, seja na nossa vida social, religiosa, política ou cultural é a organização.

E O AFOXÉ, COMO FOI REUNIR ESTAS PESSOAS DESEJOSAS DE SE UNIR NESTE PROJETO?

Eu levei muito tempo pensando, levei 10 anos para organizar esta instituição, para organizar este Afoxé, desde 1993, muito tempo, porque eu gosto de fazer as coisas conscientes do que estou fazendo, porque não gosto de fazer as coisas assim e voltar atrás e quando eu tomo uma decisão, isso sempre foi na minha vida assim, gosto de ter consciência e tive apoio das pessoas da minha casa de santo, dos meus ogans, ekedes, filhos de santo, obtiveram o apoio de amigos da comunidade, que é muito importante e de pessoas religiosas, tem pessoas que são de outras religiões, católicas e até pessoas que não tem religião, mas que estão ali porque admiram o meu trabalho e admiram a cultura, estão ali não por um cunho religioso, porque o Afoxé não é religião é cultura.

COMO MULHER, COMO É TER ESSA FORÇA DE LUTAR PELA SUA RELIGIÃO NESTA CIDADE, OU MELHOR, NA SOCIEDADE EM GERAL?

Às vezes se torna um pouco difícil, mas eu não desanimo, eu vou lá mesmo e o primeiro passo, Elaine, é que trato as pessoas de igual para igual, não quero saber se é o prefeito, se é o Doutor ou o Advogado, não quero saber quem é, se tem mais cultura do que eu, não quero saber se tenho pouca cultura, se falo errado, quero saber que vou lá, bato na porta mesmo e acho que é isso que todos nós temos que fazer, não aceito um não, um não tem que ser muito bem explicado, porque se não eu bato na mesa e vai ter que ser do meu jeito, e brigo mesmo e não quero nem saber.

COMO SURGIU A IDÉIA DE FAZER O Iº CENSO DE TERREIROS DE UMBANDA E CANDOMBLÉ DA CIDADE DE NOVA IGUAÇU E QUE SABOR TEM PARA ARLENE DE KATENDE O CENSO DE TERREIROS?

Acho que é muito bom, é uma conquista com todas as dificuldades é uma grande conquista que nós conseguimos, estamos tendo aqui em Nova Iguaçu, este Governo que nos abriu muitos caminhos, o Censo começou na realidade por iniciativa de um grande amigo meu e que me convidou, que é o Roberto Braga, a idéia partiu dele e daí fizemos as reuniões juntamente com as secretarias, a COPPIR e foi desenvolvido este trabalho que eu considero, da nossa cidade o melhor trabalho direcionado as casas de matrizes africanas e acho que quando nós terminarmos este trabalho, será um trabalho muito bom e de muitos proveitos, grandes frutos e nós estamos ai na luta e me sinto muito honrada de fazer parte desta comissão, na qual também tem aberto outras portas pra mim, como ontem mesmo, na reunião em que estivemos com o Ministro Edson santos, eu e a Claudia Perluxo, sem medo que é também uma das coordenadoras do censo e com o Carlos Santana e outras autoridades, onde nós podemos discutir de igual para igual e é muito importante ter essa abertura sem medo.

Elaine Marcelina
Enviado por Elaine Marcelina em 14/11/2010
Código do texto: T2615744
Classificação de conteúdo: seguro