Travesti – Vida fácil... Nada fácil

A história e o cotidiano das figuras exóticas do Reduto nas noites de Belém

O travesti

Uma vida colorida com pingos acinzentados. Uma vida acinzentada com pingos coloridos. O colorido se faz na alegria que estampam em seus rostos e no modo de encarar a vida com otimismo. O cinza está no preconceito que têm de conviver a cada momento que saem às ruas. Eles são objetos de desejo para alguns. Para outros, são motivos de piadas. Personagens exóticos que fazem parte obrigatória das noites das cidades. Indivíduos que fascinam pelas suas histórias. Estes são os travestis.

É difícil definir este estilo de vida. É cheio de incertezas. Mas é certo que não é nada fácil, apesar de ser chamada de “vida fácil”. Em Belém, quando chega a calada da noite, são suas vozes que tomam conta de vários pontos da cidade. Um destes locais é o bairro do Reduto, onde ficam agrupados nas ruas 28 de setembro, Manoel Barata, Quintino Bocaiúva e Municipalidade.

Alguns são verdadeiras alegorias. Em cada detalhe da composição do travesti: rimel, blush, batom, peruca devidamente colocada, roupas e adereços femininos, existe por trás um homem. Homens que se fantasiam de mulher, mas que têm noção do que são: homens. Eles não se consideram mulher. Sabem perfeitamente a diferença do personagem que criam para a profissão de “prostitutas” e do que são durante o dia. “De manhã eu sou um bofe bem bonito. Eu sou cabeleireiro. Já trabalhei em vários lugares. Eu gosto de mim como os dois, tanto homem quanto travesti”, assim começa o relato de Latifa, um dos travestis do Reduto.

O travesti L. F. M., 18 anos, que fica na esquina da Quintino com a Municipalidade, conta um pouco sobre sua história. “Meu nome profissional é Latifa Guadalahara. Eu comecei na verdade com 16. Meus pais descobriram que eu era homossexual e tivemos uma discussão, então fui embora de casa. Eu já conhecia umas amigas de pista que moravam todas juntas numa quitinete. Elas me convidaram e perguntaram se eu estava disposto. Hoje em dia, eu já estou lá com elas há um ano e meio”, diz Latifa.

Preconceito

Os travestis estão nos cantos escuros da boemia. Consome o “serviço prestado” apenas quem quer. Então, não fica claro o porquê de tanto ódio em torno deles. Acabam se tornando um tema em que há dificuldade por uma parte da sociedade para compreender e respeitar o modo de vida deles.

São seres humanos. Cidadãos com histórias boas e ruins, que possuem pessoas que amam e muitas vezes, pelo próprio preconceito delas, são obrigados a deixar para trás. “Hoje em dia falo malmente com a minha mãe. Mas ela não sabe que faço programa. Meu sonho não era ser gay, meu amor. Por mim, eu preferiria não ser gay. É muita discriminação. Sofre demais”, desabafa Latifa.

São jovens que enfrentam literalmente uma selva de pedra, porque de vez em quando levam pedradas dos carros que passam nos guetos em que se concentram. Durante a entrevista, foram incontáveis os números de carros que passavam mexendo com os rapazes. “Tá vendo só, tá vendo como é? Às vezes a bicha tá com uma TPM desgraçada. Dá uma pedrada num carro desses e a polícia vem aqui em cima da gente. Tem gente que passa e joga ovo podre. Gritam ‘Viado, tu és muito feio!’. Pegam pau pra dar na gente”, relata o travesti.

Eles batem de frente contra a perversidade, a violência e o preconceito para ter uma vida melhor. Segundo Latifa, é apenas uma questão de sobrevivência. “Quem começa nessa vida, ou é porque é muito pobre ou então é que nem meu caso: é expulsa de casa por ser gay. E para não roubar, a gente procura outros meios. Porque tem muita bicha que ao invés de se prostituir vai roubar com arma. E a gente não quer isso”, conta Guadalahara.

Cotidiano

O travesti tem que encarar todos os dias uma realidade bastante cruel. Apenas homem que é homem consegue. E o que impressiona é que, geralmente, ele não é um homem. Não pelo fato de ser homossexual. A média é de 14-15 anos. Quando se olha de longe, alguns parecem, realmente, mulheres. Misturam inocência com maturidade. Eles têm que se manter fortes para agüentar essa vida. Latifa conta que de vida fácil, não tem nada. Tem de enfrentar os dois lados: polícia e bandido. “Tem gente que pede dinheiro pra gente. Dois marginais. Eles pegam o que é nosso e se tu não deres, eles te batem. Às vezes, a gente dá uma desculpa e dá uns cinco reais. Já os policiais fazem arrastão, pedindo identidade. Se não tiver, adeus maquiagem e make-up. É tapa na cara”, denuncia.

Já a travesti Evelyn Haveli Vanusa, 15 anos, conta que tem policial que cobra sexo. “Teve uma história duma colega nossa, que o policial desceu da viatura e pediu pra ela abaixar a calça, que ele queria fazer sexo oral nela. E pediu pra ela não contar nada pra ninguém. Ela ficou traumatizada”, diz Vanusa. Haveli perdeu a mãe aos 10 anos e o pai aos 13. Atualmente mora com os irmãos.

Os travestis do Reduto não possuem cafetão. Cada um tem o direito de cobrar o quanto quiser. Latifa detalha o seu dia a dia. “Eu trabalho de terça à sábado. Todo dia tem cliente. Mas a gente tira alguns dias de folga. Porque a gente tem que se arrumar, fazer compras. Tem que fazer a unha, ajeitar a peruca, comprar maquiagem. Até porque a gente divide tudo. Eu chego em torno de 21h e saio por volta das 4h. Se eu bater quatro portas e conseguir tirar meus R$200, eu vou embora, mesmo se tiver cheio de clientes. E tiro fácil! Eu sempre cobro o mesmo preço, R$50. Tem gente aí que dependendo se o cliente é lindo, cobra mais barato. Eu não. Pode ser lindo como for ou podre, eu cobro o mesmo preço. Ele pode fazer tudo. Uma hora no motel. Mas eu sou passiva. Quem faz tudo, cobra mais caro”, diz Guadalahara.

Perfil dos Clientes

As pessoas que procuram os serviços dos travestis, em sua maioria, são homens que possuem dinheiro. São maridos e pais de família. Alguns contratam o travesti apenas como companhia para ir às boates ou jantar em restaurantes finos. O travesti também serve como psicólogo ou uma “amiga” para desabafar as dores do casamento que vai mal, ou de homens que sentem por não poder contar para suas próprias famílias, também, que são homossexuais. “Normalmente o cliente é alguém que tem bastante dinheiro. Tem carrão. Celulares bons. Andam bem vestidos, com roupas de marca. Tem um cliente nosso que paga R$150 pra não fazer nada. Só pra ficar no motel bebendo com ele. Também já recebi R$200 só pra ficar uma noite praticamente inteira com um cara pra ele desabafar as dores dele, porque a família não sabia que ele era homossexual. Eu fiquei um dia super feliz. Era um cliente europeu, alemão ou francês, porque ele era muito branco e falava uma língua muito esquisita. Ele veio, me pegou num conversível e me levou pra jantar num restaurante chiquérrimo. E me deu R$200. Na Europa isso é normal”, afirma Latifa.

Outros que procuram com frequência o travesti são os casais. Cansados da rotina ou por puro prazer, eles chamam um travesti para irem ao motel. Lá, dependendo do gosto do casal, fazem de tudo. “Algumas vezes é a mulher que quer assistir a gente com o homem, outras é o marido que quer a gente com a mulher”, diz Vanusa.

Latifa complementa: “Geralmente se vai ou pro drive-in ou pro motel de preferência deles. Eu não tenho caso com clientes. Mas tem alguns que pedem o telefone e quer ter algo mais íntimo. Já outros gostam de fazer maldade. Não quer pagar, quer agredir. Mas aí a gente fica louca e dá uma tapa”.

Figuras públicas de Belém e do Estado, também, estão incluídos na lista de clientes, segundo os travestis do Reduto. Luana, 16 anos, a única transexual do grupo, é uma das que já tiveram esta experiência. A transexual diz: “Já saí com integrantes de uma banda de pagode, deputados e prefeitos”.

Sonhos

No meio de uma realidade difícil, ainda há espaço para sonhar. Alguns dos sonhos deles:

Luana: “Colocar silicone nos seios e conseguir dar um conforto aos meus pais”

Latifa Guadalahara: “Um dia ter minha própria casa e dar conforto aos meus pais. E ter alguém ao meu lado que goste de mim de verdade”

Sonhos normais de pessoas comuns. Sonhos comuns de pessoas normais.

Delano Almeida
Enviado por Delano Almeida em 26/01/2011
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