Entre tantos, Cineas Santos

Entre tantos, Cineas Santos

Para nós, aqui da terrinha [ Teresina-PI ], Cineas Santos dispensa apresentações. Todos os que o conhecemos, pessoalmente, sabemos do seu valor, enquanto “fazedor de Cultura”, escritor e pessoa humana. Cineas é personalidade pública – como ele mesmo diria, nós, fãs e amigos, já nos “adonamos” dele. É um irmãozão querido. É lógico, ou dialógico, que isso implica na avaliação da “qualidade da sua canção”, do verbo suave, cheio de ternura e do substantivo forte. Tem nome e renome – como os valentes do Rei Hebreu, profeta e guerreiro, David. Tenho razões subjetivas e enigmáticas para fazer essa comparação, fruto de anos de pesquisa sobre a posteridade de Israel, brasilizada sertão nordestino a dentro, desde a colonização do País.

Se pensamos no homem-Escritor, poeta e prosador de estirpe – sempre percebi no Cinéas, mesmo antes da “iluminação”, um quê de elegância e brusca nobreza –, poderíamos salientar-lhe algumas qualidades, oriundas de profundas e boas confluências literárias. Entretanto, a “melopéia” de Cinéas é singular, aproxima-o de “canções” antigas e modernas, desfaz as fronteiras entre conversa, letra de música e o melhor cancioneiro literário português-brasileiro. Tem o ouvido “fino” e a “pena” afiada. Miudezas em Geral, Nada Além e Ciranda Desafinada, além do Menino que Descobriu as Palavras, que o digam e deixem bem clara a “fala” poética do Professor.

Cinéas Santos tem o dom da palavra, cantada, escrita e falada. É capaz de, ludicamente, usar as “licenças poéticas” e os “ornatos de estilo” de uma forma pessoal e inconfundível. Basta abrirmos um livro seu (melhor prosador que jogador de futebol), e eis aí, o Poeta, o Professor, o Homem de Cultura, o Cidadão Comum, o Cigarra, a Formiga, o Vira Lata (Que beleza!)... E o jeito dele, só dele, de ver as coisas – olhares que se cruzam num cadinho de confluências. Sensibilidade estética contemporânea, atual, ou seja, tão antiga quanto a própria trajetória da humanidade no Planeta.

Quanto ao Homem, ele se diz sempre. É o que o barro pode moldar, à maneira do Criador. Corajoso. (Ir)reverente. “Tinha que Acontecer” mesmo, têm Razão a dona Purcina e seu Liberato, de braços dados nos céus. Convinha que o Professor viesse ao mundo – e viva tantos anos quantos o Eterno lhe permita –, nordestinadamente, do Sul dos Piauís. Bem humorado, feliz, espirituoso – não confundir a gaiola da religião com o pássaro da espiritualidade, inerente a todos Ser Humano, genético –, às vezes áspero, um “filho do barro” diferente.

Conheça-o, internauta! E boa viagem literária!

Entrevista - Cineas Santos

Elias Paz e Silva - Tinha que Acontecer as Despesas do Envelhecer?

Cineas Santos - Com certeza. Tudo, de alguma forma, se interliga.

EPS - Miudezas em Geral, o Menino Descobriu as Palavras e deu uma Ciranda Desafinada?

CS - Se você olhar bem, alguns textos da Ciranda já estão no Miudezas. O Menino é um cordelzinho lírico com rimas emparelhadas. A essência é a mesma: poemas líricos que adultos e crianças possam ler com algum prazer. Nada além, pra fechar o cerco.

EPS - Entre cãs e cães, como é estar à direitura de uma instituição Cultural municipal?

CS -.Uma experiência complicada. Não tenho nenhum traquejo com serviço público. Não bastasse isso, o ritmo é lento, tortuoso, complicado. Por sorte, estou cercado de um punhado de pessoas competentes, que me ajudam a fazer o trem andar.

EPS - Animal movido à ternura, o carinho é uma arma do coração?

CS - Meu profeta, muita gente não acredita que num "animal tosco" como eu possa haver alguma ternura. Você me conhece e sabe que sou movido a isso, meu combustível é o afeto. Prezo mais as amizades que os amores. A couraça de espinho é uma proteção. Nada além.

EPS - Nestes tempos apocalípticos, finda o dia: anoitece ou amanhece?

CS - Certa feita, de brincadeira, durante uma aula, escrevi essa baboseira: E apesar de tudo/ o sol ainda teima em nascer/ chama, clarão de alegria/ certeza do amanhecer/ só no coração do homem/ onde não mora a esperança/ não para de anoitecer. 30 anos depois, uma ex-aluna me procurou para mostrar esse trem. Quase morri de vergonha e de felicidade. Em mim, sempre amanhece.

EPS - Globalização, uma nódoa de província ou campear nuvens e apreciar chuva branda?

CS - Já não me sobra tempo para campear nuvens, mas a chuva me comove, me fascina, me alegra a alma. Eu encaro uma chuva com o prazer de um moleque vadio.

EPS - Negar-se a si mesmo como poeta - embora já nos tenha dado algumas pérolas -, é uma tática de (des)compromisso com a poesia?

CS - É algo muito complicado. Quando digo que gostaria de ser Elias, William ou Climério, estou sendo absolutamente honesto. Vocês conseguem ser simples sem descer a rampa da vulgaridade. Eu tenho dificuldades, não me sinto muito à vontade para me imaginar poeta. Gosto mais de poesia do que de música, por exemplo, mas entre gostar e escrever, há um abismo muito profundo.

EPS - Cultura do abacaxi, pepinos e manga ou um cadinho de ação e palavras?

CS - Palavra sempre. Sou falastrão compulsivo. Onde não se pode prosear, eu não entro. Paradoxalmente, sou comedido e quase tímido ao escrever. Não existe arte mais complicada do que escrever. Millôr, um craque da palavra, já afirmou isso antes. Sem o labutar com as palavras, a vida perde muito do seu encanto.

EPS - Estás partindo para o próximo sonho enquanto a senectude bate à porta e tudo é festa?

CS - A senectude é cruel: impõe algumas limitações. Um exemplo: me tirou dos campinhos. das "peladas". Ninguém imagina o quanto isso me faz sofrer. Mas ainda me resta algum alento para ler, andar, conviver, apreciar a beleza das mulheres, o que não é pouco.

EPS - Palavra, palavrão, palavrinha?

CS - Tudo misturado. Eu posso dizer um palavrão com a mesma naturalidade com que digo uma palavrinha.

EPS - Do sertão à cidade grande, que Brasis ardem-lhe na alma?

CS - Há um Brasil que se distancia do povo. Um país com aspirações de primeiro mundo, fincado em palafitas. É uma contradição terrível. Queremos assento no Conselho de Segurança da ONU; queremos entrar para o clube dos ricos, mas não resolvemos ainda o básico em matéria de alimentação, saúde, educação. O Brasil, às vezes, me assusta muito.

EPS - Bem humorado, feliz, alegre, áspero - cultor de campos de esperança - tudo vale a pena quando a alma não é pequena?

CS - Às vezes, terrivelmente áspero. Eu daria tudo para ser mais suave, mais paciente. Tenho uma alma sertaneja que me faz assim. Um pouco de delicadeza não faz mal a ninguém. Mais uma vez invejo você, Climério, William. Eu tento, acredite.

EPS - A Cara Alegre do Piauí está no SaLiPi ou revolve algum riacho interior?

CS - O SALIPI é só aporrinhação. Trabalho, despesas, agressões de todo lado. Os caras que estão fora acham que a gente nada num mar de dinheiro e que tem poderes para mudar o canto dos galos. Nada, nada, nada. Curiosamente, ninguém quer fazer algo parecido. De minha parte, passo o bastão a quem interessar possa. Este ano, não estarei na coordenação. Um grilo a menos. O Cara Alegre, ao contrário, é só alegria. Trabalho voluntário, mas muito, muito prazeroso.

EPS - A sua Aldeia é universal em seu coração?

CS - "Universal no meu quintal", acho que você conhece isso. Minha aldeia está onde estou.

EPS - Bola de meia, de couro, sei lá, como chutar o planeta preservando-o ecologicamente correto?

CS - A ecologia, que ninguém nos ouça, é uma causa perdida. A história do homem na Terra será a mais breve e a mais desastrosa de todos os viventes. As baratas, que já estavam há milhões de anos no planeta quando descemos das árvores, passearão sobre nossos cadáveres com o maior prazer. Não há saída. Mas eu ainda estou vivo e viva a vida sempre.

EPS - Tem sangue novo no veio literário da província dos Piaus?

CS - Com certeza. Há muita gente fazendo coisas bonitas nos subúrbios da Chapada.

EPS - Negro atrevido, sem patrão nem senhor, é uma forma toda pessoal e irreverente de encarar a vida e seus percalços?

CS - Sou sarará, bicho sem futuro, Os negros estão por cima. Sarará nunca chegará a lugar nenhum. Para me ofender, um freguês já afirmou que nem sou "negro direito". Fazer o quê?

EPS - Nada Além dos seus limites, até os Bagaços?

CS - Nada além do que posso. Não forço a barra. Não arrombo portas. Vivo aqui e agora.

EPS - Algo mais a declarar, assim, de repente?

CS - Cada um faça o seu ritmo se puder. O pé faz a estrada.

EPS - O público infantil é receptivo à ternura leve de sua poesia?

CS - As crianças leem e, às vezes, me fazem perguntas muito curiosas. Uma delas me perguntou, certa feita: "Você come o quê?" Para não desencantá-la, afirmei estrelas estreladas. Ela sorriu e, pelo jeito, entendeu que eu falava de ovos fritos.

EPS - Que contradições o assistem em você mesmo?

CS - Aquela do Sá de Miranda: "Não posso viver comigo/ não posso fugir de mim".

EPS - A Oficina da Palavra, a Corisco - empreender em cultura satisfaz ou é, sempre, negócio de risco?

CS - Negócio de altíssimo risco. Estou falido e mal pago. Só não fico desesperado por que o Monteiro Lobato, que era brilhante, foi à falência um porrilhão de vezes.

EPS - Depois dos 60, viver é "tão bom como respirar"?

CS - Respirar é sempre o melhor que morrer. Fecho com a Glória Perez: "Viver/Vicia".

EPS - Olhando assim, de baixo para cima, da estatura dos seus mais de 1m80, Cineas Santos é um paizão, mano querido ou amigo bem quisto de todos os que o conhecem pessoalmente?

CS - Meu filho, de sacanagem, afirma que discorda de mim só para provar que não sou "essa unanimidade toda". Quanto aos amigos, esses moram em mim. Justificam minha atuação nos palcos da vida. Sem amigos, desisto de tudo.

EPS - Como você se define em relação ao "temor dos Céus" e ao "Amor ao Próximo"?

CS - Só entendo de amor ao próximo. O céu fica muito além do azul e eu só vou até o azul.

EPS - Monogamia (monotonia), bigamia ou poligamia - ou, platonicamente, poeta de todas as musas que aparecerão?

CS - Monogamia é uma invenção de algum sádico impotente. Vai contra a Natureza. Platonicamente ou não, olho, vejo e, se pudesse, comeria.

EPS - O que não se vende e nem se negocia?

CS - Carinho, afeto, respeito.

EPS - De repente, escreva um poema-filosofia de vida...

CS - Enquanto estiver, estou/Não estarei entre os vivos /para ver o que sobrou.

EPS - E a vida Eterna, que pensa em sua breve idade?

CS - "Eterna enquanto dure".

Alguns poemas do livro “CIRANDA DESAFINADA”:

CANTIGUINHA

Pra Lu

Como faz o pássaro

Ao tecer seu ninho,

Fiz esta cantiga,

Que te dou,

Feita de ternura,

Tecida com carinho.

Ternura (pura)

Carinho (zinho)

Como o alegre

Cantar de um passarinho.

Página 08

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CIRANDA DESAFINADA

Diz o peixe, na lagoa:

- Vida boa é a do marreco,

Que nada, mergulha e voa.

Diz o marreco, sorrindo:

- Melhor vive a corujinha,

Que passa os dias dormindo.

A coruja espicha a asa:

- Feliz é a tartaruga,

Que aonde vai leva a casa.

E a tartaruga calada,

Morre de inveja do peixe,

Que nada faz, nada, nada...

Página 13

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TREM DA VIDA

Uma lagarta se arrasta

Carregada de amanhã.

Enrosca-se para dormir

Como um novelo de lã.

Uma borboleta acorda,

O azul inaugura o dia:

Pétala ao sabor do vento

Na manhã que se inicia.

Página 14

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O DONO DAS RUAS

Vira e mexe, ele aparece:

Desconfiado, arredio...

Nem parece um vira-lata,

Irresponsável, vadio.

Há muito não toma banho,

Ninguém lhe faz um carinho...

Sempre mal acompanhado:

“Melhor que viver sozinho”.

Olho vivo, bom ouvido;

Faro fino, pé ligeiro,

Pra fugir da carrocinha,

Chegar antes do lixeiro.

Nada tem; muito precisa:

É dura a realidade.

Só três coisas não lhe faltam:

Tempo, fome e liberdade.

Páginas 31 - 32

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A CIGARRA E A FORMIGA

(a fábula revisitada)

No tronco de uma palmeira,

Uma Cigarra faceira

Canta, canta sem parar...

Canta o sol, a chuva, o vento,

Canta o esplendor do momento,

Pelo prazer de cantar.

Quase morta de fadiga,

A diligente Formiga,

Trabalha, sofre e assunta

O ziziar da Cigarra,

Não se contém e pergunta:

- Por que cantas no verão?

- Essa é minha profissão.

- Nada mais sabes fazer?

- Canto é trabalho e lazer.

- O que farás no inverno?

- Guardo a guitarra e hiberno.

- E quem te dará sustento?

- Do meu canto me alimento.

- Não temes por teu futuro?

- Viver é um salto no escuro.

Sem mais tempo pra conversa,

A Formiga, toda pressa,

Volta a mergulhar na lida.

E outra vez a Cigarra

Empunha sua guitarra

E canta em louvor à vida.

Moral:

A moral dessa historinha?

Faça a sua; eu faço a minha.

Páginas 34 -36

Livro “Ciranda Desafinada” / Cineas Santos & Antônio Amaral [ilustrações]. São Paulo : Escala Educacional, 2008. – (Paixão medida)

Alguns poemas do livro “NADA ALÉM”:

CANTIGA SINCOPADA*

Você olha nos meus olhos

E o que vê é pouco,

Que não sou louco

De mostrar tudo.

E “tudo é bem melhor que nada”,

Já nos dizia um velho camarada.

Mas é que a noite,

Com o medo, envelheceu,

Criou raízes e nunca amanheceu...

E todos pardos, gatos escaldados,

Acostumamos a miar calados.

Mas tanta coisa eu tinha pra dizer...

Deixa para lá...

Deixa clarear;

Deixa amanhecer.

* com música de Geraldo Brito

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ENIGMA

O que me separa de mim

Me aproxima do irmão,

Que nem conheço.

O meu caminho eu não traço,

Do que não sou me abasteço;

Entre sustos, me desfaço;

Finda o dia ou anoiteço?

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BENS DE FAMÍLIA

Para Leila Miccolis

Meus avós vivem de rendas:

vovó faz

vovô vende.

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NADA ALÉM

O amor bate à porta

e tudo é festa.

O amor bate a porta

e nada resta.

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VERITAS

Sem você,

eu viveria, sim.

Mas seria eu,

sem mim.

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RESPEITO É BOM E EU GOSTO

Nazinha usava saias curtas,

não o bastante para satisfazer

a gula juvenil dos nossos olhos.

Ao sentar-se,

punha a mãozinha entre as coxas,

gesto que nos enchia de doce fúria.

Ao cumprimentá-la,

os mais afoitos, beijavam-lhe a face;

eu, respeitosamente, beijava-lhe a mão.

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COLÓQUIO LÍRICO-PATÉTICO

- Os teus olhos são lindos, amor.

- Os meus olhos?!

- Os teus olhos!

- São os teus olhos, amor.

Elias Paz e Silva
Enviado por Elias Paz e Silva em 04/02/2012
Reeditado em 04/02/2012
Código do texto: T3479405
Classificação de conteúdo: seguro
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