Respostas à Dra. Martha

Perguntas da Dra. Marta Borges (Setembro de 2004)

1. A primeira pergunta é a seguinte: O que acontece com o nosso espírito quando morremos? Para os Kardecistas vamos para o outro plano, reencontramos nossos entes queridos, reencarnamos, devo dizer que já li livros espíritas e que este pensamento não deixa de ser um grande consolo, li até um artigo na revista Veja do ano passado, se não me engano, que existe comprovação de vida após a morte, contatos do mundo de lá com o de cá! Padre me dê uma orientação a este respeito, não posso imaginar que existe uma fila de almas aguardando CRISTO ressuscitar, sem nada para fazer!!! SERÁ QUE VOCÊ ME ENTENDE E PODE ME EXPLICAR?

Resposta: A teoria da re-encarnação é uma concepção antropológica antiga, já presente em alguns aspectos na filosofia grega de Platão e n’outros de seus discípulos. Trata-se de uma concepção um tanto irrelevante por ser esta uma mentalidade tipo “elixir” que acalma ou acomoda a racionalidade diante dos desafios gritantes da existência, inclusive a morte. A morte é uma conseqüência do pecado, da desobediência e da relutância da criatura frente ao Criador. Para os crentes, especialmente os cristãos, a morte ou tanatos é um processo decorrente da decrepitude do humano, somos condenados a este processo único e irrepetível; morremos uma única vez. Contudo, não fere a lógica da racionalidade acreditarmos na vida após a morte ou na imortalidade da alma. Para responder à esta sua preocupação, temos que adiantar que a realidade da morte põe fim ao processo histórico da pessoa; no pos mortem a alma ou espírito se torna a-temporal, sobrenatural e fora da nossa lógica humana de calcular o tempo ou subdvidí-lo em frações de séculos, anos, meses, dias, horas e segundos. A subsistência após a morte se dá no nível do ser e da essência ontológica que escapa ao empirismo dos sentidos. Os cristãos chamam-no de kairós o tempo do espírito, ou “existe-ente” fora do tempo e dos aquilates da história. A teoria da re-encarnação e da comunicação com os mortos é de todo insustentável filosoficamente, embora a sua compreensão e assimilação se torna muito fácil e consolante para os ouvidos inquietos com as percas de parentes e pessoas amadas. Somos ainda pigmeus na fé e na esperança e, portanto, não aceitamos a morte com facilidade e nossa subjetividade afetiva, apegada às coisas e às pessoas, acalenta-se com a teoria re-encarnacionista que nos dá possibilidade de conversar com os supostos espíritos, além de nos consolar diante das agruras da vida, entendendo que o sofrimento e a alegria estão ligadas às situações passadas do espírito quando da sua estada em outros tempos, mundos e corpos. Há uma esperança de poder continuar se re-encarnando em via da purificação. Os espíritos que vêm a este mundo em estado de agonia, devem ser evangelizados pelos médiuns a fim de se consolar com as sentenças de sofrimentos e possíveis re-encarnações de grande sofrimento, podendo até se encarnar num animal. Acontece que as invocações dos mortos e as pretensas manifestações mediúnicas dos espíritos não passam de suposições de cunho psíquico ou mesmo transes religiosos que exercem um fascínio nas pessoas. Há uma certa manifestação lógica nesses fatos que os fazem convincentes, mas não passam de uma certa ilusão do ato cognoscível da própria mente. Portanto, é lógico que os dois mundos são próximos e eqüidistantes, simples e complicados e necessita de um mínimo de substrato filosófico para a compreensão dos mesmos. O mundo humano é simbólico e o conhecimento se processa mediante o fenômeno do embate do sujeito e do objeto, ambos nos limites da materialidade circunscrita na dinâmica da história e, portanto, incapaz de se processar sem a corporeidade; por outro lado, o mundo espiritual é sem corpo, sem história e sem o convexo do tempo e do espaço. Portanto, entendo que a relação nossa com os espíritos que se orbitam no além de Deus se dá apenas mediante um horizonte ontológico que podem ser intermediado pela expressão da oração. Talvez o filme “A cidade dos anjos” possam nos ajudar a compreender a distonia da linguagem e da forma de conhecer que singulariza cada uma das proposições: o ser histórico e o ser meta-histórico. “Não há notícia de quem tenha vindo da região dos mortos”(Sab. 2,1). “Está determinado que os homens morram apenas uma vez e em seguida vem o juiz”(Heb. 9,27). Mundando de assunto: Para os cristãos a temática do pecado original ou opção fundamental foi um posicionamento humano, decorrente do mau uso do livre arbítrio e da liberdade, contra a proeminência da bondade divina. Tal opção atraiu a chamada maldição cósmica que teve como conseqüência a desgraça (falta de sentido) que redundou na solidão e na náusea de não possuirmos a satisfação completa da existência. Somos inquietos e nada neste mundo nos satisfaz, tudo parece pouco para nos plenificar. Cristo, o Filho de Deus, é a solução capaz de nos preencher; morreu para nos religar a Deus, morreu por nós, no nosso lugar. O tempo da espera para a ressurreição é kairótico não se mede com nossas categorias humanas temporais, portanto as almas que aguardam a ressurreição não se cansam, pois a eternidade no paraíso ou no céu e a unificação de toda criatividade; enquanto que no inferno, lugar da desunificação e da fossa espiritual a alma vive a eterna ojeriza de Deus. O Juízo Universal, será a manifestação de Cristo Ressuscitado que irá patentear a perpetua luz aos eleitos e a perpetua obstinação aos que usando mal sua liberdade escolheram a tortuosidade do cominho da ira contra Deus. No paraíso e no céu as almas se contenta no eterno louvor e adoração à Luz Divina; no inferno as almas se emborcam num movimento de total e eterna ira e frustração a ponto de não querer ver a face de Deus.

2. A outra pergunta é: se JESUS morreu para nos salvar, porque pecamos, que pecado é esse, o de Adão e Eva? Como somos pecadores se não vivíamos na época de CRISTO???

Resposta: Como já disse, o pecado de nossos primeiros pais aconteceu no nível do ser e da essência da sobrenaturalidade humana. Assim como geneticamente podemos herdar traços dos antepassados, também a nível espiritual herdamos essa chaga aberta ao concupiscente; tendemos sempre ao que é mais fácil e vil e temos dificuldades de adentrar os átrios do que é difícil e penoso, embora seja o certo. É mais agradável à carne irmos à sorveteria numa tarde quente de domingo que participar da missa; após o empanturramento com sorvete podemos ter a ressaca da indisposição do tubo digestivo para acolher e digerir tudo que enfiamos no estômago, ao passo que ir à missa, antes uma empreitada difícil, nos dá sempre a paz e uma alegria do dever cumprido (Kant) e o interior satisfeito. Participamos por solidariedade e descendência espiritual do pecado de Adão e Eva. O perdão nós o tivemos em Cristo, mas as marcas e as conseqüências continuam vivas até o último suspiro. Participamos do pecado de Adão e Eva por solidariedade e não por uma compulsoriedade de algo externo. O perdão nos tira da pena eterna, mas não extrai a tendência periclitante da concupiscência que é aquela danação medonho pelas coisas que não são agradáveis à Deus. O filósofo Aristóles, cerca de quatro séculos antes de Cristo já lançava as base da reflexão moral e da matização ética; na obra “Ética a Nicômaco” o estagirita elabora a logicidade do comportamento moral e nos leva a entender que o homem nasce para ser educado, inclusive nos valores - a realidade axiológica. A pedagogia nasceu como a ciência da educação e o caminho organicamente elaborado para formar a pessoa no caminho da verdadeira liberdade. Concluindo: nascemos com o jugo do pecado original e com uma vontade interior que exige maturidade e senso de acolhida para superar as conseqüência deste opróbrio. O homem é uma tensão entre o finito e o infinito, entre o relativo e o absoluto, entre o bem e o mal. A beleza está em superar as imposições interiores da concupiscência (vontade erronia, força que nos impulsiona a fazer o que não é certo e que não queremos) Para compreender melhor esse jugo hereditário, podemos fazer uma comparação com a dívida externa do Brasil, onde cada brasileiro que nasce já traz consigo uma parte da mesma para pagar.

3. A última pergunta é: os médicos e os padres cuidam do corpo e da alma das pessoas, porém, como todo ser humano tem suas dificuldades e fraquezas, com quem os padres desabafam com amigos, outros padres, com o bispo, já que não podem ou não devem demonstrar suas as dificuldades junto aos fiéis?

Resposta: o desabafo do padre é sempre com alguém que ele confia e criou laços de liberdade e segurança, como qualquer outra pessoa. Naturalmente isso acontece entre padre e padre, ou com um(a) psicólogo(a) que demonstre maior maturidade. Com os fiéis nunca é recomendável esses desabafos dada a pouca capacidade de entender o problema de um padre que possa estar em graves e profundos conflitos. Lembro que os padres são de carne e osso e têm os mesmos conflitos humanos que a todos ferem e machucam. Embora se requeira de um padre o mínimo de amadurecimento e profundidade para encarar as drasticidades da vida. É natural e humanamente compreensível que uma pessoa se afeiçoe por este ou aquele modo de celebrar; confesso que não daria conta de ficar participando de certas missas que retratam mais tristezas e desalento do que a celebração da grande esperança do amor do Cristo Ressuscitado. Muitos padres são avacalhados no exercício do seu ministério e não tem aquele carinho e amor pelo sagrado que devemos ter. Importa que temos que entender que a Igreja é Divina e humana, é o mistério de Deus manifesto na precariedade do humano. Resta-nos rezar pelos padres, especialmente por aqueles cujos problemas de ordem psicológica e familiares os oprimem e atanazam. São vasos de argila, fáceis de se quebrarem, mas que contem a preciosidade do tesouro de Jesus Cristo.

Adair José Guimarães
Enviado por Adair José Guimarães em 08/03/2007
Reeditado em 09/03/2007
Código do texto: T406205