CRISTAIS DO TEMPO: história da fotografia no interior do Estado de São Paulo, da última década do século XIX à primeira metade do século XX - CAPÍTULO II (obra em andamento)

CAPÍTULO II (obra em andamento)

_ Paulistas, por mercê de Deus!

Sertões abençoados. Outro pouso: Freguesia de São João Batista, de Capivari...

Estou voltado para tudo. Desejo inicial: descrever alguma coisa. Eu desejo e vejo brilhar nas águas do Rio Capivari miríades de formas do passado, de um passado comum, às margens do Rio Piratininga. É o meu desejo nas asas do desejo, correnteza de desejos...

“Abre-se ao romper do dia

A porta do novo templo,

E, n´um bellissimo exemplo,

A trabalhar principia

A classe bemdita e honesta

Dos queimados proletarios;

Ás vezes, dos operarios

Corre o suor pela testa...

Ha pela fabrica o ar morno,

O tom violento, amarello,

Da incandescencia do forno...

Quem quizer entre e perlustre-a:

Parece a voz do martello

Elevar hymnos á Industria.”(Chromos - B.LOPES)

Sr. Tuta*:

Eu nasci em 25 de setembro de 1907. Meu nome é Álvaro de Barros Cautella. Eu nasci na “Estação João Tavares”, perto de Tapiratiba, em São Paulo, divisa com Minas Gerais.

Eu comecei a estudar em Jardinópolis. Fiz até o terceiro ano primário; saí pra trabalhar na Mogiana. Eu fui bagageiro na Mogiana. Depois de bagageiro, fui mensageiro. Eu entregava telegramas, essas coisas de frete. O bagageiro de lá morreu, então o papai arranjou um emprego na Mogiana. Eu fiquei no lugar dele. Ele era chefe da Estação; trabalhava ele e os irmãos. Ele foi transferido de cidade em cidade.

Na Mogiana, eu trabalhei só de mensageiro, mas só dois anos. Depois que eu saí da Mogiana, eu entrei na “Oficina dos Irmãos Nicola”, aqui em Mococa. Papai foi removido pra cá, e não podia me deixar sozinho, lá em Jardinópolis, pois eu era criança, tinha 7 ou 8 anos. O nome do meu pai era Antônio Gonçalves Cautella. Ele foi chefe de Estação durante muitos anos. Ele foi chefe de Estação em Tibiriçá, Jardinópolis, Uberlândia, João Tavares, Mococa; uma porção de estações. Ele se aposentou aos 75 anos, acho que em 1918 ou 1920.

Meus irmãos nasceram em Mococa. Então, eles foram embora, depois que ela, a mamãe, faleceu, contou meu pai. Meu pai, daqui, foi pra São João da Boa Vista e, depois, deixou a Mogiana, aqui em Mococa. Então, daqui de Mococa ele foi pra São João da Boa Vista. Daí, lá em São João da Boa Vista, ele se aposentou e lá faleceu.

D. Julieta (mulher do sr. Tuta):

Porque o pai do Tuta ficou viúvo; aí ele se casou outra vez, teve uma filha: minha irmã, por parte de pai. Aí eles se mudaram para São João da Boa Vista, e os irmãos ficaram aqui, inclusive meu irmão, esse que foi pra revolução, que eu falei pro senhor. Ele é casado com a irmã do Tuta! Eu me casei com dois irmãos! Um irmão com irmã, você está entendendo? Então, já morava aqui o Arlindo, a Flor. Jorge, o filho dele; ele viajou muito, foi até pra Gália, para esses lados assim. Em Gália, ele trabalhou por aqueles lados.

Sr. Tuta:

Eu trabalhava lá também, nas máquinas de café, máquinas de ar. Eu morei em muitos lugares, em muitos. Durante 30 anos, removendo, sempre removendo, sempre de trem. As locomotivas eram movidas todas à lenha. Não tinha trem elétrico naquele tempo, era tudo à lenha. Mas era muito bom “andar de trem”, era bom demais! Existiam poucos automóveis, então, você tinha que “andar de trem”. A gente viajava um dia inteiro. Eram longas as viagens, eram demoradas, demoradas, e o trem não podia correr muito. O trem parava em muitas estações.

Em 1920, comecei a trabalhar como aprendiz de mecânico nos “Irmãos Nicola”, aqui em Mococa. Depois, uma promoção e passei a trabalhar no escritório. Na época de fazer balanço, eles me puseram pra fazer o serviço; a minha caligrafia era boa, me passaram pro escritório. Tiraram-me da mecânica e me passaram pro escritório. Eu trabalhava lá. Eles produziam máquina de café, máquina de arroz, turbina elétrica... Trabalhei lá 57 anos. Eu trabalhava lá 10 horas, de dia, e 5, de noite. Folgas? Só tinha no domingo, que era feriado. Não tinha mais nada. Nós trabalhávamos 15 horas por dia. Tinha serviço, hoje não.

Aos domingos, eu ainda trabalhava na Companhia de Seguros, era uma firma de São Paulo. Era “um bico”, “um bico”, que eu peguei pra ganhar um pouco mais de dinheiro; era mais divertido. Trabalhei 43 anos. Eu me aposentei em 1975.

Quando veio a lei de Getúlio Vargas, aí acabou. Daí eram 8 horas de trabalho, só. Foi o Getúlio Vargas... antes, não existiam leis trabalhistas. Eram quantas horas o patrão queria. Para os operários, o Getúlio foi uma beleza: regularizou 8 horas e, aos sábados e domingos, não se trabalhava. Tudo, todos, todo operário, outrora humilhado, gostava do Getúlio. O Getúlio regularizou a situação deles.

D. Julieta:

Trabalhava 18 horas. O pai e a mãe do Tuta moravam na “Estação da Mogiana”; a mãe fazia coalhadas, essas coisas, e vendia tudo na Estação. Moradia e estação: era tudo junto. Os parentes do chefe da Estação... Moravam todos os homens e mulheres na “Estação da Mogiana”; uma parte era armazém, outra, escritório, salão de espera....

Sr.Tuta:

À noite passava o trem noturno; não tinha trem, só de dia. O final da linha era Canoas. Tinha comerciantes, cargas, transporte de cargas... Em vagão de passageiros, ia só passageiros; e tinha “as coisas” de carga, separado. Tinha horário certo. Olha, tinha três horários: um cedo, um mais ou menos meio-dia, e outro à tarde. O trecho terminava em Canoas. Chegava de Canoas, depois, no outro dia, voltava...

Vinha de São Paulo, trazia até Casabranca. Depois de Casabranca ia pra Ribeirão Preto, e vinha pra cá. E aí fazia baldeação. Tinha o ramal de Jardinópolis, que vinha de Minas Gerais: Jardinópolis, Guaxupé, Muzambinho... e passava tudo por lá, ia até Ribeirão Preto. Tinha mercadorias, é! Café, cereais, gado, vinha de Casabranca...

D. Julieta:

Aqui, em Mococa, o Tuta trabalhou pouco tempo. Depois, ele viajou. Quando ele voltou, nós nos casamos, em 1941.

Sr. Tuta:

Fui até Gália, eu viajava, ia para um lado, para outro; viajava de um lado para outra cidade, era assim, trabalhando, todos os lugares. Na cidade de Gália, eu não me lembro o nome da firma...?! “Carmargo Correia”!

Eu sei que eu saí daqui, de Mococa, e fui pra São Paulo; lá, tinha um amigo que trabalhou comigo e me levou pra essa firma de estrada de ferro, e também me mandaram pra Gália; eu trabalhava no armazém de fornecimentos de uma sociedade. Aí terminou o serviço lá de Marília, que foi até Marília, até Marília! Aí eu comecei a trabalhar no Banco de Gália, fui trabalhar no Banco de Gália, fiquei trabalhando no banco. Então, o banco quebrou e eu vim embora pra Mococa. Eu vim pra casa, outra vez...

Depois, eu trabalhei no Morro Azul. Trabalhava com meu amigo, Manuel Rodrigues, no armazém da fazenda. Eles tinham um negócio lá, eu trabalhava lá.

A minha família ficava em Mococa e na fazenda tinha loja, lá na fazenda. Eu trabalhava lá, na fazenda, num “negócio” lá. Eu voltava pra Mococa aos domingos, e às segundas eu ia embora pra Três Barras.

D. Julieta:

Aí, depois, o Tuta voltou pro J. Nicola; ficou 44 anos no J. Nicola.

Sr. Tuta:

Entrei lá em 1920. E aposentei em 1975. Na Mogiana, eu era mensageiro, e mais nada. Papai foi removido de Jardinópolis, eu não podia ficar em Jardinópolis, sozinho; eu era menino, então pedi a demissão da Mogiana em 1918. Não podia, porque o papai foi removido, eu também... só remover... o papai! Eu não podia ficar sozinho lá, eu era menino, então, o papai pediu demissão. Eu perdi o emprego da Mogiana. Vim pra cá e entrei na J.Nicola, nos “Irmãos Nicola”... eu trabalhei muitos anos.

BIBLIOGRAFIA

LOPES, B. “Chromos”. 2 ed. Rio de Janeiro: Fauchon & C. Editores, 1896.

*ENTREVISTA concedida em 03 de setembro de 1999, no lar do sr. Tuta, em Mococa/SP.

PROF. DR. SÍLVIO MEDEIROS

Campinas, é outono de 2007.