Céu Úmido de Cachoeira
      Fiquei fascinado com esta cantiga à inocência, à boa-fé, à beleza simples das pessoas e das coisas.  Com a truculência e piedade divinas, administrando toda a Criação.  Com o maestro Tempo a reger a orquestra de todos os seres, num concerto universal. 
  Balada dos sentidos em harmonia com a parcela celeste das coisas terrenas, celebrando singelamente a Natureza.  Habita neste poema a pureza das canções medievais, louvando a glória do Senhor.
  
 

 
           Ciranda Suspensa em Espiral do Pescoço
     Eis um poema denso, tenso, simbólico, ecoando sua dramaticidade...
 
  

 
                           Concebeu-se a Ave...
   Acho uma "injustiça" da Natureza: tanta inspiração para uma poetisa só... (rs)
    Talvez este poema paire sobre todos, talvez.
 
  

 
                                  Cortes I
                                  Cortes II
      O comentário que segue se reporta a Cortes I e II:
   O estilo é deliciosamente tumultuário, telegráfico, apenas vírgulas separando orações independentes, como em:

"Um olhar vago, neutro, nebuloso. Eu estava começando a ficar inquieto, afinal de contas, qual o motivo da sessão?"
 
  O adjetivo única, uma redundância explícita (e portanto um defeito de estilo) mantido pela autora com percuciência, propicia um reforço vocabular que enriquece o enunciado, confirmando assim a relatividade antagônica, contrastante de algumas figuras de linguagem:
     
"Não disse uma única palavra."
 
     Nota-se a figura denominada gradação, que pode ser crescente ou decrescente: o advérbio "nada", que introduz uma série de expressões que vão, num crescendo, subindo de tom até fechar a frase com "nada de nada":

“Não era uma sessão como as outras, nada de choro, nada de reclames, nada de infância, nada de nada!"
 
    Lady segue a senda do todos os ficcionistas do mundo, desde a Antiguidade, ao mimetizar fatos reais em ficcionais.  Sem essa metamorfose, fato é só fato; cito como exemplo o noticiário da TV ou os jornais, que se vê/lê uma, duas vezes, jamais uma terceira.  Já um conto, uma novela ou um poema se lê várias vezes, e parecerão sempre novos, não lidos, surpreendentes.
  O fato fala à razão, e a ficção, o poema, à sensibilidade.
 
     Encontra-se em Ducrot & Todorov (1972, p. 286) a seguinte observação sobre os habitantes dos livros:

“Esquece-se que o problema da personagem é antes de tudo linguístico, que não existe fora das palavras, que a personagem é "um ser de papel".  (tradução de Beth Brait)

 
     O narrador é também personagem: um psiquiatra de renome, consolidado na profissão, prestigiado em todos os círculos.  Bem construído, convincente, com uma inusitada carga de solidariedade, dúvidas, vaidades, ética profissional, vivência - de transcendência enfim.  Ele vive os sonhos e pesadelos dos pacientes - em especial da jovem que o procura e com ele inicia um tratamento. 
     As reflexões que ele faz sobre ela, secretamente, mais as atitudes de extrema ousadia da garota, condensam um comportamento singular da ficção ladyana: a perene insurgência dos seres face ao destino.
     Eis o homem, esse sonho finito sob o Infinito.
  

       Fontes de consulta:

A personagem, de Beth Brait. 8ª edição.
Editora Ática, SP, 2006.
Dictionnaire encyclopédique des
sciences du langage,
de Oswald Ducrot
e Tzvetan Todorov. Pág. 286. Paris, Seuil.
1972.

 
  
 
                                        Corvo
     A polissemia passa pelas figuras de linguagem, pelas imagens ousadas, inusitadas, pelo sonho que ancora no texto, esse porto universal.  Multissêmico, o pronunciamento literário encerra uma carta de intenções, a celebração de uma paz que o eu lírico deseja duradoura.
     A nós nos basta, para deleite e meditação, o poema.
 
                             Figuras de linguagem:
M
etáfora - "A minha alma é um corvo";
Metáfora (e aposto explicativo) - "um pássaro negro";
Metáfora (e aposto explicativo) - "nuvem dentro do corpo" - belíssima imagem;
Reiteração (e locução adverbial de companhia) - "com a minha alma". Essse "com a minha alma" repete, reforçando, o verso: "Vivo com ela, com a minha alma" - uma construção poética perfeita, para dizer o mínimo;
Antítese - "caminho encarpetado de farpas". Antítese, pois encarpetar nos passa a noção de maciez felpuda - é encarpetados.
    Diga-se, a favor da autora, que não encontrei no Houaiss Eletrônico o verbo encarpetar: achei acarpetar, atapetar, carpetar e carpetear.
     Ora, e qual a relevância disto?
    Simples: evidência de que ela, no auge da criação, ousou inserir no léxico o termo "encarpetar", certamente sem se importar se rasgava dicionários ou iria melindrar os puristas, esses quixotescos guardiões do vernáculo.
     Não notei qualquer intertextualidade com "O Corvo”, de Edgar Allan Poe - uma façanha e tanto dela, tendo em vista a fama mundial desse poema.
     Quanto a outras intertextualidades, de imediato não as detectei.
  

                 Fontes de consulta:

       Dicionário Eletrônico, de Antonio Houaiss.
      2006.
       Novo Dicionário da Língua Portuguesa,
      de Aurélio B.H Ferreira. 1840p. 2ª edição.
      Editora Nova Fronteira, RJ, 1986.
      Minigramática, de Ernani Terra. Editora
      Scipione, SP, 2012.

 
 
  
                                    Cumplicidade
     O texto se classifica como pertencente ao gênero ensaístico, que engloba ensaio, crônica, oratória, carta, apólogo, máxima, diálogo e memórias. (Cf. Coutinho, 2008, p. 42)
     A estrutura do gênero ensaístico se dá de forma direta, sem quaisquer recursos (artifícios) artísticos.  Difere portanto dos demais gêneros, em que predomina a forma indireta de expressão, com o emprego de recursos (como as figuras de linguagem) e processos (como a narração e a descrição).
     Trata-se o presente texto de uma carta, pois que a locutora se dirige específica e diretamente a um locutário, bem definido e unívoco, inequívoco, embora não mencionado. Meio confissão, meio oração, meio súplica, carregado de subjetividade, de sutilezas emocionais, dotado de uma linguagem superpoética, afirmaria sem medo que se trata - não obstante sua classificação como carta - de um poema em prosa.  A polifonia (diversas vozes modulando harmonicamente um enunciado) se presentifica, reforçando o discurso lírico.
     Já sob a perspectiva da Análise do Discurso, cito Pauliukonis & Santos (2006, p. 18):

"Escolhemos diferentes formas de textos de acordo com as intenções e finalidades de nossos atos comunicativos".
  
          Fontes de consulta:

      Notas de Teoria Literária, de Afrânio
     Coutinho. Editora Vozes, RJ, 2008.
     Estratégias de Leitura: Texto e Ensino,
    de Maria Lino Pauliukonis e Leonor Werneck
    dos Santos. Editora Lucerna, RJ, 2006.

 
                 
 
                       De corde non ex ore tantum

Ignem veni mittere in terram, et quid volo, nisi accendatur?

      - Viste, noite! Enganas-te!
      Não vês uma sombra apenas
      desenhada em minha paisagem.
      Fez-se a sinfonia,
      vinda de seus nervos que mais pareciam
      cordas vibrantes de uma harpa aflita!
      Como um vampiro, em meu pescoço,
      sugou minha vida
      ao mesmo tempo que, em meu ventre,
      foste como água em meio à terra!
      Engula tuas agulhas, cravadas em tua língua,
      ele tomou forma!
      Eu estive envolta pela bruta criatura.
      Sorveu-me, como o lobo sorve a água,
      ainda que exausto no tempo que lhe restava,
      encharcando a boca com a imagem da lua.

      Crua, fui o sol sobre seu corpo,
      enquanto ele sussurrava: _ Ah, minha vida!
      Estilhaça e leva contigo tuas mentiras, noite!
      Pois ele é um rei que me visita!

      Antes que eu me dissolva em sangue,
     respira de minha boca toda esperança,
      toma-me agora, poeta,
      olhe-me de novo...
      e de novo
      e de novo!

      Antes, tua carne cinza
      era uma mortalha pesada sobre teus ossos,
      agora existe uma flor noturna à tua espera
      depois de tuas lidas...

      Cale todos meus reclames com tua boca,
      construa suas formas sobre meu corpo,
      eu me encaixo submissa aos teus castigos,
      quando me invades e invocas sobre os céus da cama.

     Peito que colado ao meu dorso,
     largo e forte sobre mim
     vai ganhando terreno,
     homem antes desabitado de carícias,
     machuca-me numa ânisa pelo teu gozo.

     E a forma rude faz-se líquida,
      onde toda minha natureza
      parece ter vindo das trevas!
 
 
    Texto não só polissêmico, plurissignificativo, mas polifônico, isto é, contendo várias vozes dirigidas a diferentes interlocutários.
Na primeira estrofe, a autora invectiva a noite, que parecia não acreditar na sua capacidade de sedução:

     "Viste, noite! Enganas-te!
      Não vês uma sombra apenas
      desenhada em minha paisagem.
      Fez-se a sinfonia,
     vinda de seus nervos que mais pareciam
     cordas vibrantes de uma harpa aflita!"

 

Na segunda estrofe, dirige-se ao amado:
      "Como um vampiro, em meu pescoço,
      sugaste minha vida
      ao mesmo tempo que, em meu ventre,
      foste como água em meio à terra!"

 
 
E novamente, já na terceira estrofe, apostrofando a noite:

     "Engole tuas agulhas, cravadas em tua língua,
      ele tomou forma!
      Eu estive envolta pela bruta criatura.
      Sorveu-me, como o lobo sorve a água,
      ainda que exausto no tempo que lhe restava,
      encharcando a boca com a imagem da lua.
 
      Crua, fui o sol sob seu corpo,
      enquanto ele sussurrava:  --- Ah, minha vida!
      Estilhaça e leva contigo tuas mentiras, noite!
      Pois ele é um rei que me visita!"

 

Agora, já na quinta, sexta e sétima estrofes, ela se dirige ao ser que a conquistou, suplicando:
     "Antes que eu me dissolva em sangue,
      respira de minha boca toda a esperança,
     toma-me agora, poeta,
     olha-me de novo...
     e de novo
     e de novo!
 
     Antes, tua carne cinza
     era uma mortalha pesada sobre teus ossos,
     agora existe uma flor noturna à tua espera
     depois de tuas lidas...
 
     Cala todos os meus reclames com tua boca,
     constroi tuas formas sobre meu corpo,
     eu me encaixo submissa aos teus castigos,
     quando me invades e invocas sob os céus da cama."
 

E então se dirige ela a um possível leitor, ou mesmo a si, na oitava e nona estrofes, monologando:
     "Peito colado ao meu dorso,
     largo e forte sobre mim
     vai ganhando terreno,
     homem antes desabitado de carícias,
     machuca-me numa ânsia pelo seu gozo.
 
     E a forma rude fez-se líquida,
     onde toda a minha natureza
     parece ter vindo das trevas!"

                                           

      A escritora, talvez sem o perceber, deu corpo neste poema à sua doutrina wiccanna, ao seu satanismo, ao seu culto do deus do Mal que dominará a Terra nos últimos dias.

      Fascinada e endeusando o ser que a possui todas as noites, e que a princípio era visto com temor, visualiza enfim esse ente no comando dela e dos outros humanos.
Após a leitura desse pesadelo, pelo medo das chamas do Inferno, fazemos uma mea culpa, consertamos os nossos atos, procurando nos pautar pela bondade e a justiça, tentando conseguir assim o perdão de Deus e um lugar no Paraíso.
  Falo como ateu que ficou aturdido pelo poder estupendo de tão redentora mensagem.
    Este poema equivale a uma semana de pesadelos, tal a sua conotação com a “A Bela e a Fera” - bela e fera num sentido muito mais íntimo e aterrador que o singelo filme. 
   Talvez me expresse melhor: poema um tanto profético, apocalíptico, final dos tempos em fogo e dor universal.
Um verso levita, extremamente encantador, flor dos reinos sobre a Terra:
     
“Pois ele é um rei que me visita!”
 
   Estou lendo "Antologia Poética", de Carlos Drummond, organizada pelo próprio.  Por tudo que já li dele, mais esta antologia, inclino-me a apontá-lo como o maior poeta brasileiro de todos os tempos, quase comparável a Camões e Pessoa. Falta ler muita gente e muita obra, claro.
    Mas aonde quero chegar: os poemas da Lady possuem uma robustez tão poderosa que ousarei aproximá-la dele.  Dele e de Cecília Meireles, para não avançar muito em terrenos desconhecidos.
 
                                         ***
 
       Tradução das expressões latinas:
Ignem veni mittere in terram, et quid volo, nisi accendatur?

(Eu vim trazer fogo à terra, e que quero eu, senão que ele se acenda?)
 
Sincere, id est, de corde, non ex ore tantum.

(Com sinceridade, isto é, do coração, não apenas da boca)

 
          Fonte de consulta:
     "Dicionário de Expressões e Frases Latinas",

     de Henerik Kocher.
     (www.hkocher.info/dicionario/)
 
  
 
              Delicioso é o Homem de Peito Aberto!
          
 "De sangue e pó é feito todo homem,
           mas o que o torna um deus é a sua alma!"

 
    Salvo engano, estou diante de dois versos antológicos, plenos de verdade e delicadeza, linguagem bíblica e teor filosófico.


   E abaixo, uma primorosa mescla de descrição e narração.  Dramaticidade, angústia iminente: 
     "Marcha [a morte] lentamente,
      Ao som dos passos desesperados,
      Os pés,
      Por mais ligeiros,
      Por mais rápidos que sejam,
      São insuficientes,
      Sempre!"


E na estrofe que segue, a s
inceridade confessional, a atitude de quem nada mais teme:

     "Mas o meu altar é a Vida!
      É a Morte!
      Os dois únicos deuses reais e que me guiam!
      Todo o resto é ensaio,
      É vulto,
      Eu inclusive!"

     
      Conclusões:          
  A poetisa buscou longe as palavras mais banais, corriqueiras - e contundentes, nocauteantes, hipnotizantes.  Não vejo, neste poema, uma elegia; vejo-o como algo inquieto, pulsante, imantado, agarrante, um segredo compartilhado sem perder o
status,
a digna condição de segredo.
    Confirmado: quando o artista fala profundamente de si, fala de todos.
 
 

  
                   Desertos de Improváveis Sonhos
  Este poema nos leva a evocações paralelas, inesperadas, chamando a nossa atenção pelo seu despojamento.
 
  

 
                                    Devorar Almas!
    John Keats, poeta inglês (falecido aos 26 anos), deixou-nos uma definição de beleza jamais superada:

       "A beautifull thinc is a pleasure forever". 
       (Uma coisa bela é uma alegria para sempre)

 
     Assim, leio e releio algumas escritoras do Recanto das Letras, sentindo-me também belo e jovem. "Redevoro" produções de Ana Bailune, Lúcia Constantino, Jeane Caldas, Lu Cavichioli e Ziza Saygli, além da Lady.
     O pequeno poema acima nos coloca, nadas mínimos, diante do Tudo supremo.
 


 
                               Devoradora de Almas
Rosário - na liturgia católica, prece em louvor de Nossa Senhora, intercalando aves-marias e mistérios sacros, rezado geralmente por várias pessoas, com terços (rosários) entre as mãos.  Essa nossa modesta definição servirá para iniciar a reflexão sobre este quinteto, em que a poetisa, sincera, afirma não ser religiosa, muito menos beata, e portanto prefere carpir seus sofrimentos sem súplicas ou genuflexões.  Daí cria a metáfora "Minha alma não é um rosário", quer dizer, não implorará nada a ninguém, "embora as dores / me estrangulem feito heras".
     Na sequência, fala de aves amigas, descrevendo-as elogiosamente:

       "quando os corvos me rodeiam,
        vejo-os como inexplicáveis flores!"

 
      Cf. “Ameyn!”:

     “Não desejo nem um pouco tornar-me anjo
     nem digna dos céus...
     Prefiro agonizar e gemer,
     se de prazer for!”

  
 
 

                             Diálogo com a Morte
    Sem pretensão alguma à presciência crítica, como leitor mais comum possível, confesso que não alcancei os objetivos literários da Lady neste poema. A não ser que ela apenas salvou um rascunho inicial (faço muito isto!) para depois lapidá-lo.
     Agora, que possui assunto (conteúdo) de sobra para um bom poema, ou conto, isso possui!
 

  
 
                                Distribuídas Cinzas
   Difícil lê-lo sem admirá-lo. Fala de finitude e renascimento. Possui este poema um encanto secreto que nos arrebata e nos escapa. Inspiração pura numa construção estilística sólida.
 
 
  
                               Dueto de Anjos
     Este poema encerra uma pequena alegoria: tal o entrosamento da poetisa com o outro anjo, que ela vê nele as suas asas; e vê também, na agrura árida dos poemas dele, o seu corpo brotando em triunfo.
     Unidos até na "morte": metaforicamente, ela percebe a sua alma como um corvo velando a lápide onde ele jazerá um dia...
     Isso até os olhos dela "anoitecerem" (entenda-se: quando ela adormecer); desse momento em diante, serão tais olhos ingênuas e indefesas aves que os sonhos, senhores e amos, dominarão inexoravelmente.
     Em resumo: ele nos instiga a refletir, sentir as coisas e fatos do ponto de vista da escritora, ocorrendo então inúmeras conclusões surpreendentes.

 
Enviado por Jô do Recanto das Letras em 09/08/2013
Reeditado em 29/08/2013
Código do texto: T4427339
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