A eterna Garota de Ipanema

O ano era 1962. A jovem Heloísa Eneida de Menezes Paes Pinto passava pela Rua Montenegro, em Ipanema – às vezes a caminho da praia, vestindo o maiô de duas peças confeccionado por sua avó, às vezes em direção ao ponto de ônibus, vestida de normalista, seguindo para o Instituto de Educação. Mal sabia ela que, na esquina da Montenegro com a Prudente de Morais, no Bar Veloso, onde os intelectuais e músicos se encontravam para beber e filosofar, Tom Jobim se apaixonaria por seu balanço e comporia em sua homenagem, e em parceria com Vinicius de Morais, a música Garota de Ipanema, desde então uma das mais tocadas no mundo. Hoje, aos 70 anos, Helô Pinheiro conta a Seleções como o presente que recebeu de Tom e Vinicius mudou o rumo de sua vida, e como

é ainda carregar esse título.

Quando foi que você descobriu que era “a” garota de Ipanema? Você se via como a canção a descrevia?

O fotógrafo Yllen Kerr, para quem eu havia posado como parte de uma matéria de revista sobre a juventude de Ipanema, virou-se para mim um dia e falou: “Vi o Tom e o Vinicius no Bar Veloso, e eles disseram que fizeram uma música para você.” Fiquei com aquilo na cabeça, mas não acreditei. Pensei: Por que para mim? Sou uma menina comum, minha mãe diz que tenho perna fina, minha vó diz que tenho cara de faca, porque meu rosto é comprido... Eu achava que não era essa beleza toda. Três anos depois, em 1965, a música estourou no exterior e todo mundo começou a perguntar: “Quem é a musa inspiradora?” Vinicius e Tom ficaram meio receosos de dizer que era eu porque meu pai era militar, mas o pessoal da revista Manchete interveio: “Vocês precisam contar. Todo mundo quer saber.” E tinha gente que pensava que a musa era a Astrud Gilberto, que havia gravado uma versão da canção, então o Vinícius resolveu contar. De próprio punho, ele fez um texto maravilhoso para a revista Manchete, revelando que eu era a inspiração para a música Garota de Ipanema. Nesse dia, meu mundo virou de pernas para o ar.

A ficha demorou a cair?

Eu era muito inocente, e não enxergava o além. Eu enxergava aquele momento. Naquele instante fiquei feliz: Nossa! Uma música para mim! Que bonito! E pronto. Mas só que não foi assim. Demorei a entender que eu era realmente o estopim de uma história.

Que tipo de conflito isso trouxe para você?

Ah, o conflito era que eu achava que tinha de ficar com um corpo escultural. A música dizia: “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça, é ela menina que vem e que passa, num doce balanço a caminho do mar.” Então comecei a me preocupar: Puxa, quando eu andar, tenho que ter um balanço. E as pessoas vão prestar mais atenção ao meu corpo. E aí? E se eu tiver celulite? E eu queria mostrar aquilo que estavam dizendo. Não podia engordar, não podia cortar o cabelo... Eu queria que as pessoas olhassem e dissessem: “Ela merece esse título.”

E você ainda sente essa obrigação?

Hoje dou um desconto por causa da idade. As pessoas precisam ver que a idade chega. A gente tem de aceitar.

Porque não é só a beleza que conta...

Minha mãe e meu pai sempre diziam: “A alma da pessoa é o que mais brilha.” E outra frase que meu pai dizia sempre era: “Minha filha, tenha consideração e respeito com o próximo.” Eu fui criada assim e passei isso para meus filhos. Acho muito importante, porque a vida é uma passagem. Se você fizer coisas boas aqui, talvez, no outro mundo, se é que ele existe, você possa se sentir melhor.

Qual foi o papel dos seus pais na sua trajetória?

Eu tinha uma relação de obediência muito forte com meus pais. Deixei de fazer várias coisas porque eles diziam: “Essa coisa de artista não é legal, porque eles fumam, bebem, têm uma vida desregrada. Esqueça isso.” Eu era obediente e queria meus pais felizes. E isso brecou muito a minha vida. Antigamente era não, e acabou. E eu não sabia o por quê do não.

Seus pais provavelmente queriam apenas proteger você...

É. Naquela época, todas as famílias queriam que a mulher fosse professora, e o filho, militar. Quem conseguisse passar na Escola Militar e no Instituto de Educação era abençoado por Deus.

Então você estava destinada a ser professora?

Eu era professora primária do Estado, dava aula em Padre Miguel. Estava destinada a dar aulas mesmo, que era o que minha família queria. Mas sabia que, dentro de mim, existia uma vontade de ser atriz. Não sabia se era de televisão, ou de teatro, mas eu queria o palco. Além disso, desde pequena eu fazia balé com a Iara Vaz, mas tinha bronquite asmática, então chegava um momento que eu não aguentava. Acabei desistindo.

Mas você participou de algumas novelas. E hoje é apresentadora de TV.

É, eu fiz novela, mas via que meu personagem não crescia muito. Então me perguntei: Será que sou boa atriz? Foi quando estabeleci a meta de ser apresentadora de televisão.

E se sente realizada?

Hoje me sinto realizada porque tenho mais segurança e estou fazendo aquilo de que gosto. Conquistei o que eu queria, que é ouvir das pessoas: “Estou gostando do seu programa. Você está levando informação importante para o público.” O De cara com a maturidade está vestindo o meu jeito de ser, porque eu falo sobre saúde, culinária, moda... Ele atende a tudo o que eu queria, com foco na terceira idade, que é a fase que vivo agora. Também faço outro programa com a Ticiane, minha filha, em que ensino jovens senhoras a se maquiar e pentear – é uma coisa mais para a beleza, para a estética. Os dois programas se complementam.

Falta algo a conquistar?

Tenho vontade de montar um musical. Hoje faço aero jazz, no qual danço e realizo um pouco o sonho de ser bailarina, que ficou para trás. Com a idade, a asma sumiu! Também gostaria de declamar poemas do Vinicius num espetáculo. Não vou dizer que tenha conquistado tudo, mas estou perto disso

Ben Rogers
Enviado por Ben Rogers em 29/04/2014
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