sexta-feira, 14 de maio de 2010

Entrevista com Benedita Azevedo
 
por José Marins (*) 
 
Admiro o trabalho haicaístico de Benedita Azevedo, porque vem com o traço significativo da vivência junto à natureza, marca registrada do haicai. Ela produz com espontaneidade generosa e a naturalidade de quem sempre foi haijin e (talvez) não sabia. Ela é um exemplo de quem busca o haicai clássico com boa vontade e dedicação. Acabo de editar o quarto livro de haicais dela pela Araucária Cultural, o Silêncio da Tarde; e, já estou editando o quinto, Rumor das Ondas. Esta entrevista é, principalmente, uma homenagem, um reconhecimento.

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José Marins - Como aconteceu o haicai em sua vida?
 
Em 2000, li o livro de Lena Ponte, “Na trança do tempo, haicai” que contém o posfácio “Uma poesia imigrante”. O haicaísta Luís Antônio Pimentel, me ofertou o livro “Poesia Budista Haicai” de autoria de Vinicius Sauerbronn, onde Pimentel, publica o artigo “Gênese do Haicai”, e me indicou o Jornal NippoBrasil que mantém uma página de haicais.

Comecei a escrever tercetos e a ler teoria do haicai. Em 2004 passei a participar do jornal NippoBrasil, os dois primeiros haicais a se classificarem foram:

Praia de Mauá.
O arrebol de outono vê-se
No espelho das águas.

Início da noite –
Na esquina da praia
O arrebol de outono.

Tornei-me assídua leitora da coluna “Pétalas ao Vento” de Edson Kenji Yura e ali iniciei o meu aprendizado sobre o haicai clássico. Seus artigos “O que é haicai?” do Nº 01 ao 10 foram fundamentais para meu aprendizado, a minha cartilha de alfabetização haicaísta.

Entusiasmada passei a escrever muitos tercetos, o kigo para mim, era apenas um tema. Queria aprender tudo sobre o assunto para escrever os meus haicais. Procurei a teoria nos livros de Literatura, nas gramáticas e dicionários, mas, eram poucas as informações. Mesmo assim, publiquei um livro em outubro de 2004 e o distribuí aos amigos.

Em julho de 2005, estive no Festival do Japão, em São Paulo, e conheci o Edson Kenji Iura, Hazel de São Francisco, Douglas e Alberto Murata que me convidaram para as reuniões do Grêmio Haicai Ipê.

Desde então, sou freqüentadora das reuniões mensais do Grêmio Haicai Ipê, que é a minha ESCOLA de haicai clássico. Lá, com a orientação da Teruko Oda, o estudo da obra de Mestre Goga, o rigor formal de Alberto Murata, dos questionamentos de Douglas, dos artigos do Prof. Franchetti e a disciplina do Edson, formei a minha visão haicaísta.

JM - Você vive cercada de natureza na Praia do Anil (RJ), como realiza seus haicais?

BA - A prática do haicai me ensinou a estar sempre ligada ao ambiente.
Em minhas caminhadas diárias tenho sempre um caderninho e caneta. Qualquer detalhe menos comum me chama atenção e vou anotando.
O voo das garças, o marulhar das ondas, os pescadores em sua labuta, um rastro na areia, um socó comendo peixe na mão do peixeiro, a sombra da igreja, um idoso ou uma criança andando pela areia, a visão do Pão de açúcar, do Cristo redentor, da ponte Rio-Niterói, as casinhas dos pescadores, o cheiro de peixe frito, o conserto de um barco, tudo vai se transformando em haicai. É claro, como diz o monge Francisco Handa, nem sempre são bons, mas é uma prática diária.

JM - Você tem uma grande produção haicaística. Já publicou Canto de sabiá, Praia do Anil e Gota de Orvalho, sem falar nos jornais e revistas. Está lançando agora o Silêncio da tarde, como é este livro?

BA - Neste livro estão os haicais da minha produção diária, aqueles compostos sem o compromisso de enviar para os grêmios, jornais, revistas e concursos. São mais espontâneos e brotam à minha visão da cena. É uma seleção. Tenho um arquivo com mais de quinhentos haicais a serem trabalhados; mas, acabo fazendo novos e nunca tenho tempo de revê-los; entretanto, tenho pena de deletá-los. São cinco anos enviando, mensalmente, 09 haicais para o NippoBrasil e mais os esparsos. O “Silêncio da tarde”, também edição da Araucária Cultural, tal qual os três citados na pergunta, está lindo. Fiquei emocionada com a apresentação de Douglas e o depoimento de Savioli. Tudo ideia deste amigo e editor, José Marins.

JM - Você tem também um trabalho com crianças e coordena dois grêmios (o Grêmio Haicai Sabiá,em Magé e o Grêmio Haicai Águas de Março, no Rio). Tudo isso é amor pelo haicai?

BA - Posso dizer que sim.

Com o primeiro livro, “Nas trilhas do haicai”, a intenção era usá-lo, com os alunos, nas oficinas de redação, prática iniciada por mim, desde 1977, nas aulas de Português, no Colégio Marista do Maranhão. Continuei este trabalho em todas as escolas onde lecionei.

Ao planejar minha aposentadoria, fiz o “Projeto Haicai na Escola”, objetivando continuar as oficinas nas escolas, pois já não teria minhas turmas, inclusive com ex alunas do Curso de Letras.
Em 2005, quase todas as oficinas foram de haicai, então, surgiu a idéia de fundar um Grêmio, para oferecer as oficinas nas escolas e um local onde pudessem tirar dúvidas, nas reuniões mensais. Conversei com um grupo de professores e com o apoio do Grêmio Haicai Ipê, representado pelo Edson e a Teruko, fizemos o grêmio em 2006.

O trabalho repercutiu e duas Academias de Letras solicitaram-me palestras sobre haicai culminando em mais oficinas. Após o resultado, um grupo de escritores perguntou onde poderia aprofundar seus conhecimentos. Indiquei o Sabiá. Eles acharam difícil ir a Magé e perguntaram por que eu não mudava o Grêmio para o Rio de Janeiro? Mediante tanto interesse, entrei em contato com Edson e Teruko falando da minha intenção de fundar um novo Grêmio. Mais uma vez, apoiada pelo Grêmio Haicai Ipê, e a vontade dos escritores de aprimorar sua composição de haicai, foi criado o Grêmio Haicai Águas de Março, em 2008.

O grande amor que sempre tive pelo ato de ensinar, foi transferido para o haicai.

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Alguns haicais de Benedita Azevedo, retirados do livro Silêncio da Tarde:

Ao romper da aurora
o sabiá dobra seu canto –
Só isso me basta.
-
Meados de outubro –
Da velha árvore tombada
surge um broto novo.
-
Jardineira em flor.
A beleza das rosas
agora esquecidas.
-
Chega o Ano Novo –
Acenam do portão
os filhos e os netos.
-
Os trilhos do trem
vazios sob a neblina...
Só resta a lembrança.
-
Silêncio da tarde –
Somente acordes de um piano
na reunião de maio.
-
Dia de Santo Antônio –
Será que há tantos solteiros
quanto velas acesas?
-
Sol fraco de inverno.
O casal de anciões
anda pela praia.

(*) Agradeço ao Rafael Noris a cessão deste espaço nesta sua revista de haicai.
José Marins
Enviado por Benedita Azevedo em 13/11/2014
Reeditado em 16/11/2014
Código do texto: T5034332
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