O MUNDO CONTRA A FOME

O MUNDO CONTRA A FOME Promover a efetivar ações integradas e intersetoriais para o acesso ao alimento

A fome deve nos incomodar, levando-nos a atitudes emergentes e concretas. O Dia Mundial da Alimentação (16 de outubro) é uma alerta de que todos os atores sociais são convidados, em todos os dias, ao debate do compromisso e responsabilidade para transformarem-se em agentes protagonista das ações. O compromisso coloca todos (governos, empresas e sociedade civil) no objetivo comum: erradicação da fome e promoção da alimentação saudável.

O nosso entrevistado é Hélder dos Santos Félix Monteiro Mutéia. Ele foi representante da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (Fao), no Brasil. Hoje em Portugal, o Moçambicano de nascimento, representante da Fao, naquele pais, assumiu e desenvolveu importante trabalho em território brasileiro. Mutéia é Mestre em Economia Agrícola pela Universidade de Londres. Ele foi Ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural e Vice-Ministro de Agricultura e Pesca em Moçambique, no continente africano.

Mutéia, em entrevista exclusiva ao jornalista Antônio Coquito, destaca que para se combater a fome é preciso centrar nos pilares de 1. Produzir alimentos; 2. Combater a pobreza; 3. Trabalhar a economia, possibilitando o acesso aos alimentos por todos e, com mais ênfase, pelas populações mais vulneráveis e 4. Eliminarmos barreiras sociais e culturais de acesso à produção dos alimentos.

A Fao tem assumido posições de que o mundo deve ter uma posição concreta contra a fome. Neste sentido, a entidade mobiliza o mundo na Campanha Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ONU 2030 – Objetivo 2 Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável. Acesse: https://nacoesunidas.org/pos2015/ods2/

ANTÔNIO COQUITO: Como a Fao encara o desafio de unir as forças (governos, empresas, igrejas e sociedade) em todo o mundo para erradicar a fome do planeta? Como efetivar a corresponsabilidade desta agenda? Onde devem se concentrar as investidas?

MUTÉIA: A Fao tem claro que unir esforços é unir força. A problemática da fome e da subnutrição é complexa. Ela tem vários fatores e várias nuances de manifestação; bem como tem causas diversificadas e muitas vezes conjugadas. A forma para solucionar este problema é abordando as opções nas suas diversidades. Então, a participação de todos é fundamental. É importante que os governos tenham políticas de segurança alimentar. É fundamental que as políticas adotadas estejam embasadas em amplo debate entre os diferentes atores da sociedade. E é imprescindível a participação da população mais carente e mais vulnerável. Todos devem estar envolvidos nos processos da formulação e implementação da política. Deve haver dedicação de esforços de todos os setores e de todos os atores na promoção do desenvolvimento social e humano. Caso contrário, não teremos bom resultado.

ANTÔNIO COQUITO: Nesta perspectiva, a FAO tem algum trabalho prioritário para a erradicação da fome?

MUTÉIA: Não há fórmula única que solucione todos os problemas. Sendo assim, para a Fao, algumas questões são fundamentais: 1. Temos que produzir os alimentos. E eles têm que estar disponíveis. Neste sentido, é importante investir no campo da produção. 2. Temos que se combater a pobreza. Ela é uma das maiores causas da insegurança alimentar. Portanto, se o indivíduo está num estágio muito grave de pobreza, consequentemente ele entra para um ciclo de insegurança alimentar. O acesso à alimentação não é feito só apenas com a produção do alimento. 3. Temos que trabalhar a área econômica, possibilitando o acesso e a aquisição do alimento. 4. Temos que trabalhar também as áreas sociais e culturais. Muitas vezes, o alimento pode estar presente, mas barreiras sociais e culturais fazem com que as pessoas não tenham acesso ao alimento.

ANTÔNIO COQUITO: papel da Fao é fundamental neste processo porque?

MUTÉIA: A Fao é uma organização das Nações unidas (ONU). A Organização é uma plataforma que une os países, ajuda a partilhar os conhecimentos, em vista das soluções de problemas. A Fao consolida e distribui conhecimento para outros países. É uma plataforma de debate, de partilha de conhecimento e experiências. Há situações em que temos conflitos entre dois países sobre partilha de recursos fundamentais para a produção. Como exemplo, a água. Então, a Fao ajuda sendo um fórum para debater o assunto. E ajuda a eliminar este provável conflito.

ANTÔNIO COQUITO: Que análise o senhor faz do combate à fome no Brasil?

MUTÉIA: Em tempos recentes, o Brasil foi exemplo de sucesso nas políticas de combate à pobreza e de segurança alimentar. O Bolsa Família - faz com que a população mais carente, que não tem outra forma acesso ao alimento, tenha uma base para iniciar um processo de integração num contexto social, e com maior acesso aos alimentos. Tem programas no campo da produção; como o Fome Zero - cria acesso à tecnologia, à terra, ao mercado, ao seguro agrícola. E tudo isto faz com que o camponês possa produzir, alimentar-se e disponibilizar os alimentos para outros. O Mais Alimentos - trata-se de uma política que demonstra a capacidade do pequeno agricultor em produzir com rendimento, qualidade e possibilidades de integrar-se a uma economia com patamar mais elevado.

O Brasil tem programas ligados à agricultura mais desenvolvida - o campo da agrooelogia e da agricultura familiar ate o agronegócio, gerando emprego e também uma forma de combater a pobreza e dar acesso aos alimentos. Tem uma diversificação de oportunidade de empregos no campo da agricultura, da piscicultura, crustáceos. Todas as iniciativas abrem oportunidades para a população mais pobre. O Brasil é um exemplo para a América Latina como “piloto” na demonstração de como se combate à fome e pobreza.

ANTÔNIO COQUITO: A constatação da conjuntura mundial, ainda, dá conta de que penalizamos cerca de 815 milhões de pessoas com a impossibilidade do acesso à alimentação adequada e suficiente. Na sua análise, qual a origem e quais as saídas para este problema planetário?

MUTÉIA: A desigualdade social é um fator comparativo. Porém, a maior causa é a pobreza. Ela é a maior culpada das pessoas viverem em situação que não permite a aquisição necessária e básico para o bem viver, aquilo que confere o mínimo de dignidade a nossa natureza humana.

Assumindo que a pobreza é culpada, ela resulta e agrava-se em situações de catástrofe, situações de guerra, de desequilíbrio social e de grupos vulneráveis. Então, a política de segurança alimentar vai fazer com que nós possamos resolver condições críticas, que possamos buscar soluções para os problemas graves da população que não tem acesso aos alimentos. Os políticos e governantes devem fazer tudo para cuidar do seu povo, fazendo tudo que seja possível para garantir vida digna e saudável, que corresponda a nossa natureza de seres humanos. Não podemos permitir que uma pessoa mora de fome.

Paralelamente às políticas de distribuição; temos que ter fortes políticas de produção alimentar e de desenvolvimento econômico, para que os produtos estejam disponíveis. Políticas que possam ajudar a responder às catástrofes como, por exemplo, a que tivemos no Haiti. Os fenômenos da natureza - cheias, monções, furacões. Estas situações geram situações incontroláveis em segurança alimentar

Devemos ter uma plataforma de respostas perante a estas crises. É preciso produzir, distribuir, proteger as camadas mais vulneráveis com políticas de segurança alimentar. Isto é resultado de um debate e harmonia em função das condições específicas de cada local.

ANTÔNIO COQUITO: Como os governos, diante da complexidade geográfica do planeta (escassez de água, solos inadequados para a agricultura, precariedade e concentração de da terra, dentre outros) podem criar e investir em formas de erradicação da fome?

MUTÉIA: Com vontade política temos diferentes formas de intervenção. 1. Proteger as camadas mais pobres em situação de extrema vulnerabilidade. Esta população tem que ser protegida e ter condições para acessarem o alimento, para viverem como seres humanos. 2. Ensinar as pessoas a produzir e integrarem-se na economia. Portanto, estas políticas se fazem de diferentes formas. No Brasil se encontrou uma forma com diferentes nuances. E no mundo temos outros casos, como a China, a Indonésia, o Vietnã. O Vietnã combate a pobreza gerando empregos na produção agrícola. Existem várias fórmulas, não há uma forma única, mas todas devem passar pela produção e políticas de justiça social.

ANTÔNIO COQUITO: A Meta 02 do ODS 2030 de Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável dos 2030 convoca a sociedade para erradicação da fome e garantia da segurança alimentar. O senhor acredita na eliminação da fome? Como isto pode se dar?

MUTÉIA: Não só é possível, como é uma obrigação. Produzimos hoje quantidade suficiente para alimentar a todos. Só que uns desperdiçam, e outros não tem. Temos a capacidade do ponto de vista intelectual, porque temos conhecimento e tecnologia disponível que permitem a capacidade de aumentar a produção e de como produzir o suficiente. O que precisamos é de vontade política para solucionar os problemas, portanto para que possamos agir nos pontos fundamentais, nos pontos mais fracos que a humanidade precisa. A segurança alimentar existe para que possamos trazer mais justiça de forma sustentável e de forma equilibrada.