Último Round

ENTREVISTA

Elias Paz e Silva: - Como nasce o poema em você ou qual o seu processo criativo?

Rogério Newton: - Em relação à crônica, gosto de dizer: escrever é puxar o fio do novelo. O texto já está no fio à espera de ser tecido. A aranha tece puxando o fio da teia. O código já tá nela. O poema nasce com o mesmo mistério que há nas coisas criadas. Mas de quem é a autoria? Do poeta ou da Criação? Seja como for, precisa da ação do poeta, então ele é co-autor, isso é lindo, cara! Fazer poemas é encostar o dedo na corrente elétrica. A voltagem não mata. Ressuscita.

EPS: - Fazer poesia, ou melhor, escrever, te deixa feliz?

RN: - Acho melhor o verbo fazer. Poeta faz. Quem escreve são escribas. Quando faço poemas, fica escrito na minha testa: feliz (a giz, obviamente).

EPS: - O primeiro livro de poemas aos 44 anos, o que é isso: rigor asceta, “ímpar ciência”, controle de qualidade ou escassez de produção?

RN: - É lerdeza mesmo.

EPS: - Até que ponto Oswald de Andrade (você tem um filho com o nome do filho dele: Rudá) Manoel Bandeira, os Concretos, Ezra Pound, a Geração Mimeógrafo, te influenciaram na concepção técnica e estética dos poemas e são seus referenciais?

RN: - Eu tenho um filho ou um filho me tem? Os poetas que você cita me influenciaram, sim. Oswald, pela renovação e iconoclastia; Bandeira, porque é impossível não amá-lo; os Concretos, por fazerem poesia sem verso e por realizarem aquilo que José Paulo Paz afirmou: poesia é uma brincadeira com as palavras. Pound, pelas reflexões do ABC da Literatura. Agora, geração mimeógrafo não é um nome adequado. Prefiro Geração Pós-69, da qual faço parte, e me sinto bem por isso. Geração não é facção.

EPS: - Essa “leveza zen irreverente” que dá substrato filosófico à sua arte poética é uma postura existencial do homem Rogério Newton?

RN: - É porque eu sou assim mesmo. Faço poemas por impulso de vida.

EPS: - Cronista (com dois belíssimos livros publicados), poeta, professor de yoga, com qual deles o cidadão Rogério Newton (defensor público) e pai de família, convive melhor?

RN: - Tenho dificuldades em ser pai de família e em ser defensor público. Não sei se sei ser um bom cidadão. Sócrates afirmou que o cidadão é o cadáver do homem. Isso é radical e é verdade. Me sinto melhor em conduzir práticas de yoga e em ser poeta. Gosto também de andar sem compromisso, como Thoreau.

EPS: - Lutar com palavras é a luta mais vã? Ou a transformação revolucionária individual e social pode ser capitaneada pela Literatura? Ou preferes a “quietude de tudo”, numa postura rebelde e religiosa em relação à vida?

RN: - Lutar com palavras é a luta mais vã porque há algo mais forte que elas. Só o amor é revolucionário, nada mais. Se você fizer literatura com amor, ela será revolucionária. O camponês anônimo que semeia a terra com amor no sertão esquecido está fazendo revolução, sem disparar um tiro. Mas a mesma mão que toca o violão, se for preciso, vai à guerra. A vida dança em todas as direções. Muitas vezes prefiro a quietude porque sou inquieto.

EPS: - Como encarar o ofício de escritor em terras Piauís, com a segunda maior taxa de analfabetismo da Nação Brasileira?

RN: - Impossível escrever um poema a essa altura da evolução da humanidade. O analfabetismo é motivo para se escrever mais e mais. Acho que o escritor e toda pessoa devem participar politicamente. Não quero dizer que é preciso entrar num partido. É ridículo uns terem acesso ao código da leitura e outros não. Mas se o escritor ou o poeta ficarem só fazendo linguagem, sem uma participação política explícita, isso também é uma forma de ação. O ato puro e simples de criar já cria uma onda...

EPS: - Relacione dez poetas de sua preferência, em todo o planeta, que formam o “paideuma” da literatura universal.

RN: - Laranjas valem mais do que limões?

Dores de dentes doem mais que beliscões?

Shakespeare é melhor do que Camões?

EPS: - Religião e filosofia rimam com poesia?

RN: - Rima com tudo. Introduzo na poesia a palavra diarréia.

EPS: - Atualmente, como você vê a produção literária de expressão piauiense?

RN: - Ando meio desligado. Mas procuro ver (não é a mesma coisa que ler) a produção e a expressão. Ainda acho que produzimos pouca literatura. Podemos fazer muito mais. Nesta semana foram lançados três livros de autores piauienses. Fico feliz quando o autor publica seu livro. Da quantidade também se faz a qualidade. Distingo lite-ratos à distância.

EPS: - O poema que é seu filho predileto. Escreva-o de cor e salteado.

RN: - Ai que preguiça!

EPS: - Pra você, a poesia resolve, revolve e tem utilidade pessoal e social?

RN: - Quem tem utilidade é bom-bril.

EPS: - Oeiras, sua Macondo-Jerusalém, está presente em toda a sua produção literária, por que?

RN: - Porque está presente em mim. Não falaria de outro lugar que conheço tão bem.

EPS: - Escreva o que você quiser ou algo que o está inquietando há muito e precisa vir a público.

RN: - Eu quero dizer agora o oposto do que eu disse antes.

POEMAS

poética

aqui acolá

um verso um texto

mas olhe

não sou bissexto

sou campeão de poemas ao cesto

ATO

p a

lavra lavra lavra

lavra lavra lavra

lavra lavra lavra

te preocupa não amor

aqueles tempos não voltam mais

só os catadores de pulgas gramaticais

com puta dor

escrevo prazer

na máquina de

escrever

as cidades deviam ser

sempre pequeninas

como tuas mãos

nas minhas

o trem barulha

poeira carnaubal

lagoa menino

cavalheiros de outra classe

visitam teu vagão

interpelação ao morro do leme

morro de dorso negro

incrustado de macambiras

por que não te iras?

Elias Paz e Silva
Enviado por Elias Paz e Silva em 20/09/2007
Reeditado em 22/09/2007
Código do texto: T661379
Classificação de conteúdo: seguro
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