Relatos de uma sobrevivente

Combinamos que eu ia encontrar ela em seu apartamento, chego lá 5 minutos atrasada, ainda estou tomando uma surra do fuso horário. Assim que entro me deparo com brinquedos no chão da sala, um carrinho no lado esquerdo do sofá e um gatinho pegando sol na janela, sorrio com a imagem. Ela fala para eu me sentar e some em meio ao corredor, escuto seus passos voltando em direção a sala, em suas mãos ela carrega uma bandeja com duas xícaras e uma garrafa com estampa de girafa. Ela coloca a bandeja delicadamente na mesa de vidro, e coloca chá em ambas as xícaras e pela primeira vez ela me olha nos olhos, percebo a cicatriz que ela tem na testa e um pequeno inchaço no lado direito da boca, ela ajeita o cabelo atrás da orelha e começa a me contar sua história. Eles se conheceram na empresa, nos primeiros 3 anos de casamento ele era um amor, super atencioso, as coisas só começaram a mudar quando eu engravidei, os primeiros meses da gestação foram ótimos, ele estava super animado. Mas de um tempo pra cá, ele se tornou extremamente agressivo e controlador. ele começou a me bater diariamente, falava que ia vender minha filha, uma vez ele chegou depois de ter bebido todas a noite inteira, eu não tinha passado o uniforme dele por que está morrendo de dor e já não conseguia ficar em pé, então ele calçou uma botina com bicos de aço e disse que ia me matar de chutes. Ela para de falar e eu acompanho os movimentos dela, ela levanta a blusa e posso ver boa parte da sua barriga e costas roxas. Ela abaixa a camisa lentamente, olha para o carrinho, como se estivesse checando se está tudo bem, ela da um sorriso cansado e volta a me contar. Diz que ele proibia ela de amamentar, porque o bebê fazia muita barulho e isso irritava ele. Me colocava em situação humilhante, no fim eu já me sentia como um animal, vejo ela limpar uma lágrima solitária que caia em seu rosto. Antes que eu possa dizer algo, ela pede para dar um conselho para as mulheres que iram ler esse relato. " Conversem com outras mulheres, você não é louca, não é a culpada, nada disso é a sua culpa. Tudo bem pedir ajuda, você não está sozinha." Hoje ela está livre e terminando a faculdade, ele não registrou a criança. Dessa vez ultrapassamos barreiras maiores, foram 9 horas e 59 minutos de vôo, exatamente 7.482 km de distância percorrido. Mulheres que querem contar suas histórias e traumas vivenciados, nenhuma distância e grande o bastante para permitir que uma vítima seja sileciada, você não está sozinha a dor não é só sua.

Luli vargas
Enviado por Luli vargas em 06/05/2020
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