ENTREVISTA - I

Maria José de Melo entrevista Juliana Pereira

Maria – pergunta: Quando escrevemos falamos de alguma forma quem somos.

1) Juliana você percebeu características (TEA) escrevendo? Quais foram?

Juliana responde:

Eu não percebi características do TEA enquanto escrevia, porque eu tinha uma visão equivocada do que era o autismo. Eu acreditava naquele estereótipo errado de que uma pessoa com TEA era totalmente disfuncional e alheia à realidade. Em 2021 minha tia me enviou um vídeo onde uma moça revelava que recebeu o diagnóstico aos 31 anos (quase a minha idade na época). Nesse vídeo, ela relatou suas experiências de vida e muitas delas batiam exatamente com a minha própria história. Foi onde eu comecei a pesquisar sobre o assunto e buscar pelo diagnóstico.

Maria – pergunta:

2) A escrita pode ajudar o processo de autoconhecimento de uma pessoa autista? Como ela ajudou no seu processo?

Juliana – responde:

A escrita faz parte da minha vida desde sempre, mas ela era mais voltada para criação de histórias e mundos de fantasia. Depois que eu contrai Covid-19, no final de 2020, meu corpo ficou muito debilitado e a sensibilidade sensorial aumentou para níveis extremos. Ninguém sabia o que eu tinha e nenhum exame acusou qualquer alteração biológica. Acamada e impossibilitada de fazer muitas das minhas atividades costumeiras, eu comecei a escrever um diário pessoal. O objetivo era para me ajudar na hora em que eu fosse consultar com os médicos, pois no momento da consulta eu não conseguia falar devido à quantidade de estímulos sensoriais que me desorientavam. A rotina diária de escrita me instigou uma curiosidade grande por mim, então eu me analisava o tempo inteiro e escrevia como eu reagia a determinadas situações ou estímulos. Isso me ajudou demais quando soube da possibilidade de eu ser autista, porque eu criei um material valioso sobre mim, que me fornecia respostas para as perguntas dos especialistas no assunto, ajudando muito no processo de busca pelo diagnóstico, que saiu definitivo em março de 2023. Foram dois anos de luta para conseguir o laudo médico, mas acredito que se eu não tivesse o autoconhecimento adquirido pelo ato de escrever sobre mim, eu não o teria conseguido.

Maria – pergunta: Juliana você é autista e já tem o diagnóstico fechado. Pois, bem, você sabe da importância, inclusive, do conhecimento que as pessoas (autistas) precisam ter para ir à busca de um diagnóstico. É muito comum ouvir reclamações de pessoas autistas durante os atendimentos... somos maltratados e as dificuldades com os médicos é grande.

3) Como a escrita ajudou você a se expressar melhor?

Juliana – responde:

O ato da escrita me possibilitou adquirir autoconhecimento, saber das minhas limitações e também das minhas virtudes e habilidades. Ter a certeza de quem você é nos dá mais confiança para se expressar e interagir com o mundo, assim como nos prepara para lidar melhor com as críticas.

Maria – pergunta: Sabemos que os autistas têm déficits na comunicação.

4) Você acredita que estar se expressando (se comunicando) melhor depois de escrever e desenvolver habilidade de escrita?

Juliana – responde:

Sim. Eu tenho dificuldade em me expressar verbalmente, porque no ato da conversa existe muita coisa envolvida. Existem todos os estímulos sensoriais externos, preciso prestar atenção no que a pessoa está falando, processar a informação, formular uma resposta e falar em uma sequência lógica. Tudo isso se torna demais em alguns momentos e o acúmulo de tarefas trava minha mente e gera um “branco”. Já com a escrita, sou só eu e meus pensamentos. Eu tenho o meu tempo para pensar e escrever, sem estímulos ou pressões externas para atrapalhar. A escrita para mim é como um diálogo que faço comigo e uma preparação para o diálogo. Conhecendo-me e preparando com antecedência, eu tenho mais confiança e habilidade para falar.

Maria – pergunta: Quando estou passando por um momento de mudanças na minha vida, sejam elas negativas ou positivas, me fazem ter muita inspiração para escrever.

5) Isso acontece com você? Descreva como?

Juliana responde:

Eu tenho a mente hiperativa. Quando acontecem coisas de peso em minha vida, me causa euforia e aumento do fluxo mental de pensamentos. Isso resulta em mais criatividade e mais “assunto” para falar. As ideias ficam como uma tempestade em minhas mente e escrever ajuda a organizá-las e a “tirar” esses pensamentos acelerados e circulares da minha cabeça. A escrita me ajuda a extravasar a tensão e a buscar soluções para os problemas, pois me possibilita ver a extensão dos pensamentos e a avaliá-los de outro ângulo.

BIOGRAFIA

JULIANA PEREIRA

Natural de São José, município de Santa Catarina, busca refúgio em um dos cantos mais afastados da Palhoça (SC). Agente de Saúde por profissão, viu seu mundo virar de ponta cabeça depois de contrair Covid-19, em 2020. Afastada do trabalho para cuidar da saúde, viu na escrita uma forma de se conectar com sua verdadeira essência, há muito tempo escondida sob máscaras sociais. A busca pelo autoconhecimento revelou uma grande verdade: Juliana é autista. Diagnosticada tardiamente aos 30 anos, busca transmitir suas experiências para conscientizar o mundo sobre o que realmente é estar dentro do espectro autista, assim como oferecer apoio aos que sofrem pelo preconceito. Youtuber, ilustradora e escritora por necessidade da alma, mantém o canal "Meu Autismo: em busca de mim mesma" e usa as redes sociais (@sousimplesmentejuliana) para divulgar seu trabalho. Escreveu seu primeiro romance em 2023 para participar do "Prêmio Carolina Maria de Jesus de Literatura Produzida por Mulheres" e atualmente trabalha no primeiro livro da série "Ehryon: Entre lua e escuridão" (@ehryonsaga), uma Fantasia Medieval LGBTQIA+ com previsão de lançamento para 2024.