Conto Nublar #005: O CAMINHO DAS PEDRAS II

Capítulo 2 - ATRAVESSANDO O PÂNTANO

O Joãozinho sentia-se muito isolado e seus primos sabiam muito bem como roubar a sua paz e deixá-lo abaixo do nível de reserva. Raras vezes era aceito nas brincadeiras e qualquer coisa era motivo para azucrinar com a paciência e o bem estar social do garoto. Talvez eles fizessem aquilo só por diversão, mas para o João, era o fim da picada. Se revidava, era o terror da roça, se reclamava, aí era que eles mais faziam para o deixarem ainda mais irritado. Era um mato sem cachorro. Abandonava a brincadeira e se isolava enquanto tentava imaginar como resolver aquela situação. Algumas vezes pensou em se matar, para deixá-los cheios de remorso, mas a ideia não lhe pareceu inteligente e foi descartada de imediato. Quem sabe, matar cada um que o maltratava? Não era uma boa ideia. Se o simples fato de revidar era motivo de a vovó dar-lhe uma surra (sempre sobrava para ele), quanto mais se matasse alguém. O que fazer?

Como sua sede de saber era insaciável, ele encontrou alguns amigos que se tornaram inseparáveis dele – os livros. Ali encontrava paz, o lugar certo para onde fugir. Os cenários descritos, as histórias narradas. Tudo perfeito. Imaginava-se no cenário, parte da trama. Fertilizava sua mente. Era uma perfeita rota de fuga, do real para o imaginário. O menino se tornou um verdadeiro traça. Qualquer situação desconfortável, desaparecia. Lá estava ele por trás de um bom livro, viajando em seu roteiro como se fosse personagem integrante da história. O Pequeno Príncipe, a coleção inteira de O SÍTIO DO PICAPAU AMARELO de Moteiro Lobato, As Fábulas de Aesopo, Contos dos Irmãos Grimm, Gulliver, Peter Pan, A Terra do Nunca. Eram alguns de seus favoritos. Como ele desejava que sua infância nunca terminasse! Mas nem tudo é como a gente quer. No período escolar ele estudava na cidade, em casa de seus pais e nas férias retornava à casa de seus avós, que o adotara.

Tia Josefa foi outra que se preocupou em ajudar o sobrinho. Certa feita, ao vê-lo a tempo de explodir de raiva, chamou-o e disse: "Vou-te contar um segredo. Os meninos só te apelidam porque sabem que isso te deixa irritado, e isso os deixam muito satisfeitos, pois atingem o seu objetivo que é te deixar nesse estado. Se tu não ligares para o que dizem, certamente te deixarão em paz. Experimenta isso. Todas as vezes que eles te chamarem desse jeito, dize para eles: 'Diz de novo! Achei super legal" Que bonitinho! Dize de novo!' "Faze assim e verás que te deixarão em paz!". Joãozinho respondeu-lhe: "De jeito nenhum, Tia. Sem dizer isso eles dizem o que dizem, imagine se pedir para eles repetirem". Ela insistiu: "Vai por mim, meu filho e verás". Certo dia criou coragem e retrucou ao primeiro insulto: "Diz de novo! Que legal! Estou gostando. Vai! Diz de novo!" E não é que funcionou:? Nunca mais perturbaram o Joãozinho com aqueles apelidos degradantes.

Havia na fazenda do vovô uma senhorita, uma donzela solteirona de seus oitenta e tantos anos chamada Maria Vinvim, ou Davinvim como todas a conheciam. Era neta de escravos e uma beata muito carola que devotara sua vida ao Senhor e aos santos que você possa imaginar. Fora a catequista de todos os filhos e netos de seus avós. Ela preparava a petizada para participar da primeira comunhão. Criava-se uma grande expectativa em torno do evento. E lá estava o Joãozinho no meio deles para também fazer sua primeira comunhão. Tinha apenas 7 anos e 10 meses e teve que se submeter à humilhante confissão de pecados. Mas que consciência de pecado poderia ter uma criança daquela idade? Na Casa Grande, como era chamada a casa de seus avós, anualmente havia uma missa de ação de graças e era justamente nessa ocasião que faziam a primeira comunhão da garotada. O Joãozinho estava na filha para fazer sua primeira confissão. Chegada sua vez, o padre falou ao garoto ajoelha à sua frente? “Diga seus pecados, meu filho!” Respondeu o menino: “O que é isso?”. O sacerdote começou a se irritar com seu pretenso oponente: “Seu pecados, moleque! Anda, diga logo que a fila é muito grande!”. Então o inocente Joãozinho pergunta: “Mas o que é pecado?” O padre impaciente, mas contido, vai-lhe fazendo perguntas sondas para descobrir se o menino havia cometido algum tipo de pecado: “Você fez coisa feia? Mexeu naquilo? Brincou de médico? Praticou imoralidade? Pensou mal de alguém? Fez malcriação? Etc. etc.". O menino não entendeu coisa alguma daquelas perguntas, para não ficar sem pecado, foi respondendo a tudo que sim. No final o padre deu-lhe a penitência de 5 padres-nossos e 5 ave-marias.

É triste dizer, mas a conversa do padre roubou a inocência do menino. Como ele sempre fora um sedento insaciável por conhecimento, saiu dali com a firme ideia de saber com os outros meninos o que eram aquelas coisas todas que o sacerdote lhe perguntara. Dá para imaginar que aprendera rapidinho tudo, mas de maneira totalmente equivocada. Descobriu que os bebês nasciam depois que os pais faziam 'coisa feia'. Que coisa mais sem pudor! Que vergonha! Seu pais viviam fazendo coisa feia e todo mundo ficava sabendo porque quase todos os anos sua mãe ficava grávida e lá vinha outro irmãozinho. 'Será que eles não se envergonham de viver fazendo coisa feia?”, ruminava Joãozinho que nem olhava os amigos pensando que eles pensavam exatamente aquilo. “Por que eles vivem fazendo aquilo e vivem nos batendo só em pensar que nós pensamos nisso?” Era muita confusão para a mente do João. A coleção do Gil Bonfim, esclareceu muita coisa e aliviou bastante a cabecinha do garoto.

Sem que João percebesse, seu corpo, dia a dia, ia se desenvolvendo e se transformando. Certa madrugada, ao urinar notou algo esquisito e muito diferente. As coisas ali apresentavam mudanças enormes. O que estava ocorrendo? Porque seus pais nada dizem a respeito? Mais uma vez aos livrinhos da Tia Geralda o socorreram. Encontra a explicação para que tudo, mas percebe que começa a adentrar um pântano perigoso, muitos atoleiros e areias movediças; tudo sem aviso prévio. Uma leve camada de água fétida típica dos pântanos nivelava a superfície do caminho. "E agora? Por onde passar? Quem me guiará nessa jornada?" Cobras e lagartos perigosos lhe espreitavam naquele brejo tenebroso. Mas ele nem desconfiava que a gravidade da situação era bem pior do que ele podia imaginar. Como seria bom que seus pais e tios ou avós pudessem ter orientado que ele iria atravessar aquele charco, aquele tremedal de lama. Assim ele não se sentiria tão só e tão inseguro nessa passagem obrigatória de sua vida. Quem lhe poderia mostrar o caminho das pedras?

Certo seminarista, postulante ao sacerdócio, resolveu acompanhá-lo, não para ensinar-lhe onde pisar, mas mal intencionado, atraído por sua beleza e na tentativa de roubar-lhe os últimos vestígios de pureza e inocência. Joãozinho não quis saber de compactuar com as ideias daquele lobo vestido em pele de cordeiro e preferiu atravessar o charco sozinho, quebrando a cara, enfrentando os perigos, aprendendo por si mesmo.

Não é fácil passar pela adolescência desassistido pelos pais. Como falta faz os conselhos paternos nesse momento em que somos obrigados a deixar para trás os sonhos infantis e somos obrigados a adolescer, deixar de ser crianças nos tornarmos adultos! Como é duro para o púbere ter que administrar o descontrole hormonal até que este seja nivelado. São 4 ou 6 anos de turbulência que seriam bem mais proveitosos se os pais dessem maior assistência nessa passagem e lhes ensinassem o caminho das pedras. Há muitos Joõezinhos e mariazinhas que precisam dos pais para crescer com equilíbrio e ter melhor qualidade de vida em todos os aspectos. Se os pais se preocupassem mais com o desenvolvimento de seus filhos, certamente teríamos adultos e profissionais mais equilibrados e eficientes e melhores futuros pais de família. E os órgãos governamentais não teriam esse espaço invadido no desenvolvimento de seus filhos. As escolas não teriam de ensinar sexo, oferecer preservativos, que antes de prevenir, incentiva a prática precoce de sexo irresponsável. Gravidez na adolescência, abortos e frustrações seriam evitados se os pais fossem mais responsáveis, assumindo suas funções paternas e não fossem meros fazedores de filhos.

É preciso uma mudança para melhor no meio familiar, com os pais assumindo de vez suas responsabilidades para que sejam evitados casos como os que diariamente a mídia nos mostram, de agressão contra os menores, mulheres e idosos. As Igrejas precisam investir mais no aconselhamento familiar. Joãozinho conseguiu vencer sozinho, mas nem todos conseguem e sucumbem ao apelos depreciativos e consumista da mídia. Ele teve pais omissos apenas em sua orientação sexual. A única orientação nesta área que ele conseguiu dar foi tão sutil que, de imediato, não foi possível entender sua profundidade, mas a seguiu, com determinação. Dizia ele: “Seja homem até no trono”. Mas no tocante às outras coisas, teve muitos e excelentes conselhos para a vida, transmissão de valores éticos que nortearam sua vida até hoje. Apesar de tantas adversidades em sua primeira infância, ele venceu todos os obstáculos. Cada estímulo negativo que surgia, ele conseguiu transformar em desafios e venceu cada obstáculo para alcançar o objetivo de ser um verdadeiro homem de bem. Ele venceu, casou-se, constitui família, um lar exemplar.

Procurou ser melhor que o pai que tivera para seus filhos. O princípio que mais o norteou nessa caminha e conquista foram os ensinamentos sólidos da Palavra de Deus, tendo neles firmados seus fundamentos. E, em Cristo, tornou-se mais que vencedor.

Deus os abençoe!!!!

INTERAÇÕES:

11/09/2010 13:16 - Cláudio Poeta

Bonito demais!

Parabéns, meu amigo!

Abração

11/09/2010 08:17 - Dija Darkdija

Bem, nunca gostei de hienas, prefiro as raposas japonesas XD

11/09/2010 08:05 - Mario Roberto Guimarães

Belíssimo conto, Bosco, parabéns.

Um abraço, Mario.

11/09/2010 07:55 - Nana Okida

Muito lindo este seu conto.

Amei! Parabéns!

Obg pela visita/comentário.

Se puder, leia/opine: 'Um presente em forma de mulher"

bjs poéticos!

11/09/2010 03:54 - floor

Bosco que maravilha,parabéns!

Deus é maravilhoso...

bjoos

Alelos Esmeraldinus
Enviado por Alelos Esmeraldinus em 11/09/2010
Reeditado em 10/04/2013
Código do texto: T2491060
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