Conto Nublar #025: O BIOCHIP E O CARRO DO FUTURO

Seo Jura, como intimamente os amigos chamavam a Jurandir da Rocha Stoned, solteirão de 42 anos, era daquelas pessoas que estavam sempre na vanguarda. Queria ser sempre o primeiro em tudo.

Lera no jornal que os cientistas, os crânios da indústria eletroeletrônica acabavam de inventar o biochip. Primeiro com neurônios de um rato. Agora com neurônios humanos. Computadores equipados com esse tipo de chip seriam capazes de se autoprogramar e até superar o próprio homem. Seria o fim da raça humana. Um caos total, não fossem bem programados com segurança, com dispositivo que inibisse essa indesejável autonomia. Os resultados seriam imprevisíveis.

Seo Jura resolveu trocar de carro. Era o lançamento do carro inteligente da Krwisfit, ano 2053. Linhas arrojadas, aerodinâmica perfeita, tornando o carro ultra-leve, dotado do dispositivo “angelwings”, recém testado na Fórmula 1. Isto aumentava a velocidade do carro, com baixíssimo contato na pista, resultando numa economia de pneumáticos e minimização nos desgaste do asfalto, com menos manutenção por parte da administração pública, com economia do erário.

O homem endoidou ante a esbanjante tecnologia concentrada naquele veículo. Era o modelo AWBIO LUX. Nem se preocupou com o preço, pois a vaidade falou mais alto. E nem precisava, pois ele podia arcar com aquela despesa e isso lhe bastava. O vendedor garantiu que seria amor ao primeiro toque.

Tudo resolvido, compra efetuada, Seo Jura abriu o carro e sentou-se confortavelmente em sua poltrona. Respirou fundo. Só isso já valera a compra, pensou. Era demais! Parecia um sonho. Beliscou-se para ver se estava acordado. Como doe-lhe o beliscão, comprovou estar bem desperto. A chave da ignição era sensível ao tato. Tinha um sensor de digitais que foram previamente cadastradas no momento da compra e assinatura dos papeis de transferência. No painel, uma tela HD (alta definição) de LCD 35cm X 20cm acendeu-se ao toque da chave na ignição. Uma voz masculina, grave e delicada o saudou educadamente:

_ “Bom dia, Senhor Stoned!” Aqui é o AWBIO LUX*, no comando de bordo de sua autonave. Farei tudo o que estiver ao meu alcance para que tenha uma boa estada a bordo”.

_ “Uai, sor! E essa coisa fala!”, disse Seo Juca, abismado.

_ “Não só falo, como penso!”, retrucou a máquina.

_ “Mas como sabe o meu nome?”, pergunta perplexo o homem.

_ “Pude ler em seu RIC*”, respondeu B2C3*

_ “Eita que a vida da gente não tem mais privacidade!”, reclama Seo Juca!

_ “Além da mais avançada tecnologia de ponta, estou equipado com um moderno MP5358, que toca música em todos os tipos de arquivo de mídia. Quer experimentar?”

E foi logo tocando alguns rocks anos 60 a 70. Uma palhinha de cada um 'hit'*. Mas, pouco a pouco o B2C3 começou a se comportar de modo estranho. Passou a uma conversa fiada, afetada, a chamar o Seo Juca de 'bofe', a tocar música de fossa, antigos sucessos de Adilson Ramos, Miltinho, Altemar Dultra e outros cantantes da velha Velha guarda.

E, como se não bastasse, travava a porta e não parava para dar carona a garotas. Por mais que Seo Juca se esforçasse, o B2C3 cancelava todas as ações pro garotas do condutor. Pra entornar o caldo, o carro robô passou a tratar o seu dono com muita intimidade, insistindo em chamá-lo de “Toninho”, “Meu Bem” tudo o que o espadão mais detestava. O carro mais parecia o Herbbie da Disney. Só faltava o número cabalístico 53 da escuderia, mas, ao contrário do Herbbie, este só atrapalhava as possíveis conquistas do seu dono.

No limite do desespero, Seo Juca voltou à concessionária e registrou uma reclamação detalhada, dizendo que o carro estava um tanto afetado e pediu urgência na solução do problema. Como não havia como isolar o comando central sem afetar o desempenho do carro, tiveram que optar pela mudança do B2C3 para um C3, sem a interface de voz.

Depois dessa manutenção providencial, eles conviveram felizes até que mudou de carro e o outro, de proprietário.

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(*):

Seo – forma arcaica abreviada de senhor;

Uai – interjeição interrogativa muito usada nas Minas Gerais, anglicismo derivado de “why?” = “por quê?”.

Sor – maneira à mineira de dizer senhor. Anglicismo derivado de “sir” = senhor em inglês;

AWBIO = Angelwings (asas de anjo) equipado com Biochip;

LUX = de luxo;

HD = Alta definição;

LCD = dispositivo com tela de cristal líquido;

RIC = Registro Único de Identidade Civil;

B2C3 = BIO Boarding Central Computer Control;

C3 ou CCC = Central Computer Control;

HIT = Música de grande sucesso.

Alelos Esmeraldinus
Enviado por Alelos Esmeraldinus em 27/05/2011
Reeditado em 19/07/2020
Código do texto: T2996237
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