Um copo de café requentado

O conteúdo de um copo de café reflete minha face, mas faz minha fisionomia retorcida dando ao meu rosto um tom escuro e baço.

Eu bebo o líquido e lá se vai o reflexo.

Sobra uma borra perolada no fundo da caneca.

O resto de mim, por certo.

Procuro uma janela, mas não há nenhuma por perto que mostre o que eu gostaria de ver.

Claustrofobia! Sede e sono! Minhas tripas se retorcem, seguindo a melodia que vem dos meus fones de ouvido. Meu cérebro pede paz. Pede um tempo de tantas sensações misturadas.

Arranco os fones, mas a cacofonia continua. Continua o samba em meu ventre.

Se segue a anarquia em meu pasto fértil de incertezas. Minha mente turva.

É o inferno, que agora me vem em forma de azia e refluxo. Graças a toda a cerveja que tomei noite passada, provavelmente.

Dessa vez, não tenho nenhuma mulher para culpar por tudo isso. Nenhuma diaba de olhos verdes para me tirar o juízo. Ou uma morena para me fazer cismar durante uma madrugada inteira, lembrando seus beijos ardentes e as curvas de seu corpo. Não há nada dessa vez.

É o nada que me angustia e me faz companhia.

Que me tira o sono e me cobre de desânimo.

Tudo isso me prova que esta temporada me fez diferente. Tantos desacertos, tantas quedas e noites em silêncio e desespero reformularam minha personalidade. Moldaram o barro do qual eu sou feito. Me jogaram numa fornalha alimentada de lascívia e álcool, de lágrimas, de suor e sexo. De decepções e despedidas...

Eu já não me sinto como antes. Já não sou tão impressionável e ansioso por cair em encantos e abraços, como se daquilo dependesse minha felicidade e minha inspiração.

Sou simplesmente amargo, como o café que restou na cafeteira e bebi requentado nesta manhã de segunda.

Me sinto diferente.

Não há mais poesia brotando de meus dedos. Não há mais rimas coladas em minha parede.

Do que havia antes, só a bagunça é a mesma. A tão característica desordem das minhas coisas espelhando a desordem em minha cabeça.

Hoje há principalmente ansiedade e fome. Dúvidas e mais dúvidas...

Sigo pensando sobre o que me espera à frente. Mas sem esperar demais.

Sem cobrar nada do destino.

Sigo tendo sonhos que não consigo compreender, e que tento decifrar cada vez que acordo.

Sinto como se eu tentasse me comunicar com o universo em uma língua desconhecida, sem nenhum ponto de referência.

Ou talvez eu só esteja fazendo as perguntas erradas.

Tenho perguntas demais,

para um cara que não tem resposta alguma.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 03/04/2014
Reeditado em 03/04/2014
Código do texto: T4754368
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