De grão em grão [62]

“Você tem uma boca e dois ouvidos.

Use-os na mesma proporção.”

(Provérbio chinês)

No meu modesto conhecimento, eu achava que o ato de falar servia para comunicação, para transmitir um conteúdo de uma cabeça para outra ou uma emoção de um coração a outro. Eu pensava que “falar” fosse mais um meio de “dialogar”, tal como a forma gestual, escrita ou artística. Mas enganei-me.

Falar tem muito mais funções do que simplesmente o processo “transmissão e recepção de um conteúdo ou sentimento”. Tem o papel, por exemplo, de elaboração. Quando a pessoa fala, ela pensa, reflete, descobre, visualiza, conclui. Ou seja, tem gente que precisa falar para pensar, ou pensar em voz alta.

Creio que este seja o papel da fala durante as psicoterapias. O paciente fala e ouve a si próprio. Por meio disso, conclui e enxerga o que pode ser melhorado, curado, superado. E o profissional – o psicólogo, psicanalista – é de fundamental importância nesse processo de condução pelos caminhos da análise.

Mas fora das clínicas, no dia a dia, tem muita, mas muita gente mesmo que tem uma necessidade absurda de falar. Fala-se à toa, sozinha, sem efeito ou sem retorno, em vão, em voz alta ou em sussurro. Mas fala-se. Por uma necessidade incontrolável e por prazer. (E deve ser um prazer incessante e insaciável mesmo.)

Se essa necessidade e esse prazer fossem satisfeitos sem o sacrifício de outras pessoas, tudo bem. Mas não. Essa gente faladora e exaltadora usa ouvidos alheios para sua realização pessoal. Egoisticamente mesmo.

Falam. Sem parar. Sozinhos, para alguém ou diante de uma multidão. São carentes, precisam ser ouvidos, ver ouvidos abertos, audiência, público, plateia e aplausos, mesmo que imaginários. Repetem falas já faladas, com a justificativa que é para se posicionarem sobre o assunto. Reproduzem falas com outras palavras, só para mostrarem que são inteligentes.

Exaltam e exultam ideais, convicções, argumentos, bobagens e mais: si mesmos! Obrigam os ouvintes ao incômodo, constrangimento e repúdio. Estupram ouvidos alheios sem o menor escrúpulo. Enfiam orelha adentro asneiras que só têm sentido para eles próprios, mesmo que o “sentido” seja apenas sentir (o prazer de falar).

Essa gente precisa dos outros para poder falar a si mesmo. Tristemente. Ah, se tivéssemos o poder de fechar os ouvidos para impedir a entrada de besteiras, tal como fazemos com os olhos e com a boca...

Hélio Fuchigami
Enviado por Hélio Fuchigami em 15/12/2014
Código do texto: T5070107
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