Os feitiços do bairro

Jamais pude sair, livremente, para perambular no bairro. Em criança minha mãe não deixava vagabundear nem sair desacompanhada. Em adulto a “falta de atrativos” do bairro, as ocupações, o medo da violência, também, não me deixam sair perambulando, mas, com tudo isso, do bairro não escapo.

Quando sob o mote da ocupação saio do portão para a rua, basta está um pouquinho sem pressa e, o bairro me agarra com seu feitiço andarilho: as pernas andam mais vagarosamente, os olhos correm ao redor, o corpo se energiza e a mente vagueia...

Nesta vaguidão do eu vejo-vivo as pessoas apressadas passando ou paradas nas esquinas das ruas e nas portas das casas.

Nos poucos espaços vazios meninos soltando pipas e eu passo a soltá-las com eles. Outros tantos brigam por uma pipa estancada. É burburinho, tapas, tabefes... Sofro a ânsia deles.

Se for manhã de sábado o movimento muda: há gente varrendo a frente das casas, outras capinando as ervas que nascem à beira do meio fio.

Outras ainda, com suas roupas leves e de final de semana, passam indo sem a pressão semanal do tempo.

O movimento dolente e alegre é o marcante das manhãs de sábado.

As calçadas estão mais limpas, as pessoas não estão somente paradas e sem a pressa de ir trabalhar ou resolver seus negocias de sobrevivência, elas estão mais informais e relaxadas, conversando umas com as outras e vestidas com suas curtas e largas bermudas ou vestidos de culto.

O assossegamento dos espaços varridos e da proteção dos vizinhos nos portões, das manhãs de sábados dá às meninas a segurança de armarem suas bonecas na rua e, na brincadeira liberarem a fantasia.

Vendo-as fantasiar eu fantasio com elas. Vou e volto a minha infância, Torno-me menina novamente.

No bairro que é fustigação e frescor, andando sem pressa vou sentindo misturas de encantos que libertam da minha mente a imaginação que voa, voa..., e, eu volto a esquecer as pressões da ligeireza cotidiana, o medo da violência... Enquanto nas manhãs de sábado caminho no bairro, tudo vai embora e, por instantes, me liberto para ser, integralmente, eu mesma.

Francisca de Assis Rocha Alves
Enviado por Francisca de Assis Rocha Alves em 19/01/2015
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