Apólogo #005: CONVENSÃO DAS LETRAS

Curioso, adentro ao porão de um prédio abandonado.

Seria normal como os demais edifícios largados a ermo, não fosse um misto de vozes em murmúrio ou lástima vindas de um cômodo estreito, no fundo daquele subsolo. Atento, me aproximo e tento entender o que tanto reclamam.

_ Por que tanta lamentação? Que são vocês que não consigo ver? Fantasmas sei que não são, pois não creio neles.

_ Somos tipos desprezados, como se não mais tivéssemos qualquer valor! _ Responde uma caixa de caracteres tipográficos.

_ Vocês não precisam se sentir assim. Posso lançar um projeto na Câmara para que criemos um museu. Que tal, “MUSEU DAS LETRAS”; ou talvez, MUSEU DA IMPRENSA?

_ Não parece má ideia. Não é mesmo, Lino Tipos? Daí, virão crianças das escolas e seremos temas de suas redações. Gostei, forasteiro!

_ Não sei, não! _ Intervém cético um mimeógrafo um pouco enferrujado. Não veem que seremos quais fantasmas? Só viveremos de visita em visita. Ah, que saudade eu tenho das madrugadas da vida, da minha forja querida que os ventos não trazem mais!...

_ Eita, Mimo! Agora você plagiou os “MEUS OITO ANOS de Casimiro de Abreu. _ Intervenho na discussão.

_ Correção, Od! Paródia, sim! Plágio jamais! Não me valeria desse baixo expediente. _ replica injuriado Mime Ógrafo!

_ Correto, Mimo! Muito bem colocado!

_ Mas Od! Você não acha que esse negócio de museu vai ser assim qual fogo de palha? E se nos usarem para lavagem de dinheiro sujo? Não suportaria essa desonra! Já não basta o que os colunistas policiais fizeram conosco? Era tanta miséria que dava pra sentir escorrer sangue de cada letra.

_ É, Tipo! Correm esse risco, sim, mas têm muito mais chances de não serem mal utilizadas. Pior mesmo é ficarem como estavam até pouco tempo, embolorados e completamente esquecidos. Vejam algo positivo nisso. Porque não se calaram e puseram suas vozes no ar é que vim parar justamente aqui e, parece até loucura, mas estou confabulando com coisas que normalmente não falam de forma convencional como as pessoas o fazem.

_ Mas e sobre nossas letras? O que farão de nós!

_ Não se preocupe Tipo! As letras serão sempre bem cuidadas. Os meios de utilizá-las é que mudaram. Tudo virou meio cibernético ou cibernográfico. Agora não há mais fisicamente letras, tipos, estêncil ou o que mais exista para imprimir os textos. Estamos na era do cilício. Tudo acontece dentro de umas pastilhas do tamanho de um dedinho ou unha, feitos de material cilício em estado sólido (solid state) e fazem coisas que qualquer um duvidaria se não visse os espantosos resultados. Isso sem falar dos sistemas de plataformas em nuvens.

_ Como assim, L'Aremse? Explica melhor.

_ É simples e complicado. Falo dos computadores e demais periféricos, meios de informática. Dá pra acreditar que o bicho só sabe mesmo contar “1” e “0”? Não! Talvez melhor seria dizer, “sim” e não”. Creem nessa loucura?

_ Só isso “aizinho”, Od M. Peterson? E é justo esse troço burrinho que está nos desempregando? Acho que nem eu escapo do obsoletismo, jogado num passado sem presentes, acercado de um presente sem futuro. Ai, ai, ai!

_ Não é bem assim, Ofsete! Embora ele só entenda mesmo 1, 2, sim, não, ligado, desligado, é justo com esse jeito esquisito de pensar, trabalhar que eles fazem as coisas mais mirabolantes em questão de segundo ou mesmo nanossegundos. Sim, Off! Pelo menos, você continua empregado nas rotativas de jornais, nas editoras de livro. Por enquanto!

_ Aí tem coisa, Off! Tanto eu, quanto o Telex nem mais nos preocupamos com isso. Há décadas que somos peça de museu. Deixo aqui minha mensagem de desgosto: “. ..- -- . .-. . ... .. --. -. --- .. -. -"

_ Tudo bem, Telégrafo! Traduzindo, isto quer dizer o que mesmo?

_ "Eu me resigno!" É isso o que telegrafei. Mas o que ia mesmo dizendo ao Off, Od?

_ Mas quem disse que você foi de todo esquecido? E os rádios faróis, Faróis da Marinha, Comunicação a longa distância quando o sinal fraco não permite o uso da voz? Você evoluiu para rádio-telégrafo. Dificilmente será desativado.

_ Que bom, pra mim e minha família, mas, sobre o Off?

_ Ah! Ia esquecendo. Do jeito que os bits andam, nem o Off vai subsistir às mudanças que ocorrem na velocidade da luz. Já são realidade os CD's, DVD's, Pendrivers, ebooks, Slideshows etc. etc. Em pouco tempo tudo isso será peça de museu. Se brincar, as crianças nascerão sem boca, olhos nem ouvidos. Se duvidarem vão-se comunicar em wifi ou bluetooth. Gerarão filhos via modem e esses lhes nascerão via impressoras 3D, via teletransporte, o que for lançado nesse tempo.

_ Para com isso, Od! Assim, você nos mata sem atirar.

_ Pior mesmo é o que aconteceu com os Pages, Teletextos, Palmtops. Foi só aparecerem os celulares com ferramentas multimídia que combinaram tudo num só aparelho, caíram no esquecimento antes mesmo de serem conhecidos pela massa ávida por novidades.

_ Coitados! Um verdadeiro aborto digital... _ dizem todos concordes.

_ Franqueza à parte, os escritores é que são os responsáveis direto pela subsistência das letras a depender muito do que escrevem. Se palavras de vida, geram vida. Se de morte, resultará em morte! Assim sendo, que geremos vida através de nossos textos, seja em que estilo for.

Alelos Esmeraldinus
Enviado por Alelos Esmeraldinus em 02/07/2015
Reeditado em 02/07/2016
Código do texto: T5297563
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