Sobre Normas no Direito

As normas não são colocadas ao gosto do freguês, por assim dizer. Elas seguem entre si uma hierarquia, guardam uma ordem de subordinação entre as diversas categorias.

Em Introdução ao Estudo do Direito, à pág. 108, Paulo Náder apresenta uma classificação da Norma Jurídicas quanto à Hierarquia.

Sendo assim, sob o aspecto hierárquico, as normas jurídicas classificam-se em constitucionais, ordinárias, regulamentares e individualizadas.

As normas constitucionais são alinhadas num primeiro plano, tendo primazia sobre as demais. Elas condicionam a validade de todas as outras normas e têm o poder de revogá-las. De tal forma que qualquer norma jurídica de categoria diversa, anterior ou posterior à Constitucional, não terá validade caso contrarie as disposições da carta magna.

Quando Marcelo Crivella, prefeito do Rio de Janeiro, proibiu o atendimento presencial de idosos no interior de agências bancárias através do Decreto 47.311/2020, que foi publicado em edição extra do Diário Oficial, o Ministério Público Estadual e a Defensoria Pública do Estado apresentaram na Justiça uma ação civil pública, com pedido de liminar, contra a Prefeitura do Rio de Janeiro. A ação coloca a medida adotada pelo prefeito Marcelo Crivella para combater a disseminação do novo coronavírus como sendo um decreto inconstitucional e solicita que não seja efetivado com aplicação de multa em caso de descumprimento. Os promotores da área de Tutela Coletiva de Proteção ao Idoso do Rio de Janeiro e os defensores públicos do Núcleo Especial de Atendimento à Pessoa Idosa (NEAPI) sustentam a inconstitucionalidade do decreto. Este é um exemplo de hierarquia da norma jurídica constitucional. Um decreto foi logo embargado por ferir a Constituição, que é a Lei maior do país.

Em segundo plano estão as normas ordinárias, que se localizam nas leis, medidas provisórias, leis delegadas.

Um exemplo deste caso de norma jurídica ordinária quanto à hierarquia em segundo plano foi a MP 927 que Bolsonaro editou em 22/03/2020. Esta medida provisória que altera regras trabalhistas em meio à pandemia. Tendo entrado em vigor imediatamente, ela precisa ser aprovada pelo Congresso em até 120 dias. O texto prevê acordos individuais entre patrões e profissionais acima das leis trabalhistas. Lembrando que, como o próprio nome diz, trata-se de uma medida provisória e será válida enquanto permanecermos em estado de calamidade pública em virtude da pandemia.

Em seguida temos as normas jurídicas regulamentares, contidas nos decretos.

Como exemplo de norma jurídica regulamentar temos o Decreto 33.574 de 05 de Maio de 2020, o qual instituiu, no município de Fortaleza, a política de isolamento social rígido como medida de enfrentamento à COVID-19. Este decreto foi o que deixou nossa cidade em “lockdown”. O termo em inglês tem sido frequentemente utilizado nos últimos dias e refere-se ao “confinamento” e, na prática, à imposição de medidas mais rígidas de isolamento social durante a pandemia do novo coronavírus.

E por último as normas jurídicas individualizadas, cuja nomeação e espécie foram sugeridas por Merkel para a grande variedade dos atos jurídicos: testamentos, sentenças judiciais, contratos, etc.

Ainda no contexto atual da pandemia, podemos exemplificar a norma jurídica individualizada com a forma de confirmação do testamento particular durante a crise da Covid-19. Neste panorama, consideremos uma questão que poderia parecer secundária: temendo uma fatalidade, seja na iminência mais ou menos real da finitude, como a pessoa poderia realizar um testamento válido em tempos de isolamento social? A elaboração do testamento no Direito brasileiro exige, em regra, a presença de testemunhas da manifestação de última vontade. São duas testemunhas na presença do tabelião, no caso do testamento público (art. 1.864, II, CC); duas testemunhas do auto de aprovação no caso do testamento cerrado (art. 1.868, III, CC); e três testemunhas no caso do testamento particular (art. 1.876, §1º, CC).

Além disso, o nosso Código Civil admite um caso especial de testamento particular. O artigo 1.879 prescreve que, “em circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o testamento particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado, a critério do juiz”. Não há dúvidas de que a declaração de pandemia por Covid-19 pela Organização Mundial da Saúde com a recomendação de isolamento social é uma situação sem precedentes que configura circunstância especial que justifica a iniciativa de elaborar um testamento sem a possibilidade das suas formalidades de praxe. Uma pessoa que sente necessidade de deixar registradas suas disposições de última vontade e está em situação de isolamento social pode fazê-lo sem a necessidade de testemunhas. A grande questão é que esta espécie de testamento poderá ser confirmada a critério do juiz, o que passa a impressão de eventualidade. Entende-se, entretanto, que este é um poder-dever do magistrado. Confirmados os requisitos mínimos e evidenciado por outros elementos que se trata realmente da vontade do testador, o exercício da autonomia da vontade deve ser prestigiado.

Francilangela Clarindo
Enviado por Francilangela Clarindo em 18/03/2021
Reeditado em 18/03/2021
Código do texto: T7209732
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