ENGOLINDO ESTRELAS...

(FÁBULA ALUCINADA SOBRE O PODER)

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Era uma vez Astrogildo – um sapo.

Astrogildo, antes sem eira nem beira (a não ser, claro, a beira do riacho onde morava!), adquiriu fortuna (e crescente má-fama!) ao ganhar (sozinho!) o prêmio máximo da loteria...

Excêntrico, narcisista e agora podre de rico – sua primeira iniciativa foi erguer um castelo magnífico na área nobre da cidade. Uma obra-prima da arquitetura, misto de construção medieval com a novíssima tecnologia do século vinte e um!

Quando o castelo começou a ser projetado, Astrogildo avisou logo para o pessoal contratado para o serviço:

– Quero que ele tenha uma torre bem grande, que encoste nas estrelas!

E assim foi feito!

Castelo pronto (mobiliado e decorado por gente vinda do exterior!), Astrogildo mudou-se de mala e cuia para lá; nem ao menos se despediu da família ou de seus antigos amigos lá do brejo...

Durante o dia, Astrogildo supervisionava a criadagem, dando ordens e enchendo a paciência de todos – homens, mulheres, idosos e até crianças! – com sua arrogância, suas vontades descabidas:

– Faça isso, faça aquilo, não está bom, faça de novo!

Mas, quando a noite caía, Astrogildo colocava roupas maravilhosas, se perfumava todo e ia para o alto da torre. O elevador – chiquérrimo, cheio de espelhos! – levava poucos minutos para chegar às alturas...

Lá em cima, Astrogildo distraía-se admirando as estrelas e cantarolando desafinado musiquetas da moda ao som do violão que ele tocava muitíssimo mal.

Uma noite, entre uma canção (ou aberração) e outra, de repente teve uma ideia no mínimo imoral: esticando sua língua enorme, engoliu uma estrelinha boba que sempre se emocionava ao vê-lo cantar...

Dali em diante, Astrogildo largou o violão de mão e ficava só engolindo estrelas, para desespero das coitadinhas.

Ao final de um certo período de engole-engole ininterrupto, viam-se poucos milhares de estrelas – as mais distantes possíveis! – em toda a vastidão do firmamento...

E o passatempo medonho prosseguiu, noite após noite... Nada impedia aquela língua absurda!

Como se pode imaginar, a barriga de Astrogildo crescera de forma assustadora. Devido aos quilões adquiridos, o sapo mandou alargar e reforçar a estrutura da torre, e investiu pesado num elevador que lhe garantisse segurança e comodidade em suas constantes subidas e descidas.

Não muitos meses depois da finalização da nova torre, restavam apenas algumas centenas de estrelinhas no céu. Astrogildo, guloso, papara tudinho...

...

O céu, agora, era de uma tristeza só...

As pessoas da cidade lamentavam o que tinha acontecido, mas ninguém tinha coragem de falar nada contra o sapo... Afinal de contas, ele era um figurão poderoso!

– Qualquer hora dessas o tirano acaba com as estrelas e aí vai comer a Lua também! – diziam em surdina... E somente em surdina!

...

Naquela noite, como sempre, Astrogildo foi para o topo da torre. Sentia uma dorzinha incômoda na barriga – talvez tivesse sido a sopa de vaga-lumes do jantar! –, daí pegou seu violão e começou a cantar para espairecer um pouco. Vez em quando interrompia o show e engolia uma estrela. Ficou nessa folia até perceber, contrariado, que restava uma única estrelinha brilhando ao longe, bem ao longe...

Largando o violão, concentrou toda a sua atenção na estrelinha remanescente e tremulante...

A dor de barriga aumentara horrivelmente, e Astrogildo pensou em descer da torre e pedir remédio ao seu criado-médico.

– Depois faço isso, agora tenho um trabalho importante para terminar...

Então, sua língua gigantesca agarrou a última estrela...

Foi o tempo de engolir a pobrezinha... e ouviu-se um estrondo espetacular!

Nos bares, nas praças, nas ruas, nas casas – a população inteira pensou numa catástrofe de proporções colossais! Mas, passado o susto, verificaram aliviados que tudo continuava dentro da normalidade – exceto pelo céu, novamente repleto de estrelas!

– Ué, o que aconteceu? Será que o sapo vomitou tudo?! – perguntavam-se atarantados.

...

Na cidade ou no palácio, ainda não se sabia... mas, ao engolir a derradeira estrela, o barrigão de Astrogildo (cheio até o limite!) explodira, libertando uma inócua e rejubilante procissão de estrelas – e devolvendo o brilho e a beleza à noite sobre o mundo...

Hélio Sena
Enviado por Hélio Sena em 20/01/2011
Reeditado em 03/02/2011
Código do texto: T2740184