MUDANÇA RADICAL

Era uma vez um urubu-caçador que de uma hora para a outra passou a não gostar mais do mau cheiro que exalava do corpo dele e decidiu que deveria se transformar num urubu diferente dos demais.

Ele negou o tempo todo, mas até hoje há comentários veiculando nas encostas das serras embrenhadas nas matas onde toda a sua antiga turma de traquinice ainda vive que antes da tomada dessa decisão ele contratou seres humanos para serem seus consultores.

Sua primeira medida (que para muitos companheiros do seu antigo convívio foi uma atitude muito radical) foi deixar de comer animais mortos em avançado estado de decomposição. Tentaria com isso eliminar de uma vez por todas aquele odor malcheiroso que lhe acompanhava desde pequeno.

Contam os profissionais que o acompanharam durante seu período de adaptação que ele ficou sem se alimentar por algum tempo e para não morrer de inanição resolveu se alimentar de frutas silvestres. De vez em quando, tentando se passar por morcego, ele teria atacado alguns animais vivos em busca de sangue.

Afirmam os arengueiros que estiveram de plantão naquela época que isso durou pouco tempo, pois logo esse urubu foi perturbado pelo sindicato protetor dos animais de hábitos noturnos, que teve de responder algumas acusações feitas por diversas associações de animais herbívoros. Rezavam tais queixas que os morcegos estavam atacando animais indefesos em pleno dia, sendo eles acusados injustamente de vis agressores diurnos.

O tempo foi passando no seu compasso natural e aquele mau odor que tanto lhe incomodava foi se extinguindo e o urubu, que antes era malcheiroso, para manter-se ativo e plenamente aceito na nova comunidade onde passou a viver teve de usar vários tipos de perfumes e acabou se transformando num urubu perfumado.

Era comum vê-lo circulando, meio disfarçado, nos arredores da sua antiga comunidade observando o dia-a-dia de seus antigos companheiros e ao ser indagado por eles a respeito desse seu novo modo de se comportar disse que se tratava de um ritual de libertação das antigas mazelas corporais que deverá ser cumprido por seres que decidem mudar de vida radicalmente.

O urubu perfumado conseguiu viver pouco tempo com esse seu novo cheiro corporal. E se por um lado ele se sentia um ser diferenciado dentre os machos de sua espécie devido ao novo cheiro que exalava do seu corpo, por outro lado, as fêmeas de sua estirpe simplesmente o ignoraram e nunca mais se aproximaram dele.

Diante desse impasse, aquele urubu que certo dia quis ser uma ave perfumada, diferenciando-se das demais, se viu obrigado a voltar a viver seu jeito de ser de outrora que o consagrou como uma ave de rapina malcheirosa.

Definitivamente, contrariando todas as expectativas dos seres que o criticaram todo o tempo, ele aboliu o uso de perfumes aplicado no seu corpo, antes, durante e pós-voo e, naturalmente, como se nada tivesse acontecido, voltou a devorar seus alimentos rotineiros em meio aos seus velhos companheiros e foi feliz por muitos e muitos anos, mas sempre ao lado das fêmeas de sua espécie, é claro!