A MARGARITA E O CEBOLINHA

Para o meu neto Daniel

Era uma vez uma Margarita que se viu, de repente, fora do canteiro de flores silvestres. Caminhava assustada pelo bosque, quando se deparou com uma plantação de cebolas.

O olor desprendido daquelas cebolas a embriagou. Ela ficou sem pernas para prosseguir suas passadas.

Olhou ao redor e percebeu que estava sendo observada. Procurou descobrir de onde vinha aquele olhar. Havia cebolas de vários tons de branco. Sob o sol, elas estavam protegidas por uma casca amarelada e seca. Assim, não dava para a Margarita descobrir o olhar pressentido, até que avistou uma cebolinha ainda tenra.

Era um cebolinha macho. O cebolinha a olhava embevecido, com dois olhinhos verdes, próximos um do outro.

A Margarita correspondeu o olhar, curiosa. Ai, que olhinhos lindos! Pensou.

Ao tentar se aproximar percebeu que estava enraizada. Espichou o mais que pôde e conseguiu chegar perto o suficiente para puxar conversa:

— Por que você fica aí, encoberto com essa casquinha seca?

— É para me proteger dos males da vida.

— Bem, eu não lhe faria nenhum mal.

— Não sei! Não conheço você!...

— Ora! Não precisa se assustar. No horóscopo cigano eu represento a “Estrela Cigana”.

— Eu não acredito em horóscopo!

— Posso ser também “Olho de Dia”

— O que significa isso?

— Eu me abro e fecho com o sol. Vamos, dispa-se.

— Hã!

— Só estou sugerindo que se descasque. Essa pele está feia!

— Mas eu sou feito de muitas camadas. Essa pele feia me protege do sol!

A Margarita, ousada, estendeu as mãos de pétalas e foi despindo o cebolinha, camada por camada. Só não esperava que o cheiro ocre lhe fizesse chorar. E a Margarita chorou. Chorava, mas teimava em descascar o cebolinha.

E o cebolinha só dizia:

— Eu não disse! Eu lhe preveni...

— Mas eu sou teimosa e vou descascar você até o final, com lágrimas ou sem lágrimas.

O cebolinha ia ficando cada vez mais roxo.

O tempo passava e a Margarita, quanto mais descascava o cebolinha, mais o cebolinha aumentava as camadas.

O tempo passou. Um dia, a Margarita se viu sequinha que nem a primeira casca do cebolinha e percebeu que era hora de virar pó.

Antes de libertar a alma de flor silvestre, a Margarita deu uma última olhada no cebolinha e sorriu...

O cebolinha continuava roxinho de vergonha, mas deixava escorrer uma lágrima.

*PUBLICAÇÃO EM “ANTOLOGIA ENTRELINHAS LITERÁRIAS” (SCORTECCI EDITORA)

Rita de Cássia Amorim Andrade
Enviado por Rita de Cássia Amorim Andrade em 17/06/2011
Código do texto: T3040729
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