Mortadela

MORTADELA

Ironi Lírio

Mortadela era um cavalo velho que vivia andando pelas matas à procura de água e comida. Maltratado por seu dono, o pobre cavalo era feio de dar dó. Por isso os moradores do lugar lhe deram esse nome.

Tinha as costelas salientes, o couro surrado e opaco, pois passava os dias a puxar uma carroça cheia dos tijolos fabricados na olaria do seu dono, fizesse sol ou chuva. Nunca ganhava alfafa ou qualquer outro agrado para pagamento de seu trabalho.

Seu dono era avarento e egoísta. Guardava todo o dinheiro que ganhava com a venda dos tijolos em uma lata de biscoitos no armário. Quase não comprava comida para si, quanto mais para o pobre cavalo. Somente à tardinha, quando o homem voltava para a sua casa, Mortadela saía pelas matas para procurar alimento. Numa tarde, enquanto pastava, viu alguma coisa se mexendo no mato.

- Uma cobra! Pensou. – Preciso sair daqui bem rápido; estou tão enfraquecido que, se ela me pega, não terei nem tempo de relinchar, morrerei aqui mesmo.

Quando o cavalo virou-se para sair, ouviu um gemido:

- Quem está aí? Perguntou aproximando-se devagar.

- Sou eu! Disse uma voz fininha.

O cavalo assustado foi se aproximando mais e, de repente, viu caído numa moita um menininho com os olhos arregalados de medo e gemendo de dor.

- É o Saci? Perguntou surpreso. – O que está fazendo aí, companheiro?

- Estou ferido. Fui pular daquela árvore para fazer a minha ronda noturna e caí de mau jeito; bem vês que eu só tenho uma perna e, agora ferida, não posso mais caminhar; tire-me daqui amigo!

Mortadela abaixou-se próximo ao Saci, que foi se arrastando até subir em seu lombo, e o levou para a olaria. Lá, colocou o amiguinho sobre uma pilha de tijolos.

- Fique aqui, companheiro! Esta pilha de tijolos está aquecida pelo forno; não passará frio; é aqui que eu me encosto para dormir; amanhã, com certeza, a sua perna estará melhor.

O cavalo, que conhecia todas as ervas da floresta, coletou alguns ramos com a boca e, amassou-os com as suas patas. Colocou em cima do ferimento do Saci e recomendou que deixasse aquelas folhas sobre a ferida à noite toda. Depois, encostou-se naqueles tijolos quentes e também adormeceu.

Na manhã seguinte, quando acordou, Mortadela olhou para aquela pilha de tijolos e não viu o seu amigo. Enquanto caminhava, procurando-o por todos os lados, ouviu um assobio. Em questão de segundos, agarrado às suas crinas, estava o Saci-Pererê novinho em folha e pronto para fazer suas traquinagens. No mesmo instante, Mortadela avistou o seu dono se aproximar e, quando olhou em direção à mata, viu o Saci que saía pulando até sumir no meio das árvores.

- Nem tive tempo de me despedir! Pensou o cavalo enquanto era puxado pelo homem que o atrelava à carroça. Começava então, mais um dia de trabalho, de fome e de sofrimento.

Sem comer nada, Mortadela trabalhou a manhã inteira puxando a carroça cheia de tijolos. De repente, não sentiu mais as suas patas se moverem. Caído e sem forças, começou a receber chicotadas de seu dono que tinha a intenção de fazê-lo se levantar. No mesmo instante, o cavalo ouviu aquele assobio fininho, tão familiar, e viu o Saci se aproximando. Com uma força sobrenatural o Saci levantou o cavalo e o retirou dos arreios.

Mortadela, enfraquecido, encostou-se na pilha de tijolos e viu quando o Saci-Pererê pulou nas costas de seu dono, depois começou a galopar em seus lombos puxando-lhe os cabelos.

O homem apavorado corria gritando pelo terreiro e, quanto mais gritava, mais o Saci pulava em suas costas. Depois o prendeu nos arreios e, com o chicote nas mãos, dava-lhe chicotadas fazendo-o puxar a carroça até não agüentar mais e cair enfraquecido.

- Te devia essa eim, amigo! Disse contente para o cavalo.

No mesmo instante e antes que o Mortadela pudesse responder, o Saci formou um redemoinho e, depois apareceu novamente em frente ao cavalo trazendo a lata de biscoitos cheia de dinheiro. Às gargalhadas, o Saci disse ao cavalo:

- Pegue Mortadela, são seus! Se não fosse por sua ajuda, este homem avarento não teria juntado esta fortuna; trabalhou dia após dia sem receber nada para isso; aqui está a recompensa do seu sofrimento; saia daqui e viva feliz.

O cavalo saiu andando pela estrada enquanto ouvia os gritos do seu dono que corria apavorado.

Na cidade o Mortadela, que agora era rico, mandou fazer para si um estábulo novinho em uma propriedade que tinha comprado, pois se alguém se negasse a vender-lhe alguma coisa por ser ele um cavalo velho, teria que acertar as contas com o Saci-Pererê.

A notícia sobre aquela dupla fabulosa se espalhou pelo mundo e o cavalo, agora robusto, viveu feliz o resto de seus dias.

Hoje, muitas pessoas naquela cidadezinha dizem que, por várias vezes, já viram o Saci-Pererê cavalgando contente pelos campos montado em um bonito cavalo. Com certeza é o Mortadela.

Alegres, os dois amigos passam as noites de lua cheia cantando, sorrindo e comendo espigas de milho que são assadas em uma fogueirinha feita pelo Saci- Pererê, neste mundo místico e fabuloso onde tudo pode acontecer.

Fim.

Ironi Lirio
Enviado por Ironi Lirio em 17/06/2011
Código do texto: T3041512
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